domingo, 31 de julho de 2016

A MANIFESTAÇÃO DE JÂNIO DE FREITAS SOBRE OS ABUSOS DE AUTORIDADE


Somos todos vítimas e testemunhas de abusos de autoridade

Por Jânio de Freitas

A oposição de juízes e procuradores ao projeto contra abuso de autoridade, em tramitação no Senado, pode estar certa no varejo de alguns artigos, mas não no atacado da proposta toda. O equívoco se inicia já pela ideia de que o projeto é contra os juízes e procuradores, esquecendo que polícias e outros setores que falam pelo Estado são focos permanentes de abuso de autoridade.

É inegável que o projeto foi sugerido pela insegurança que a Lava Jato difunde entre políticos. Daí a deduzir que a sua finalidade é impedir o combate à corrupção, como dizem Sérgio Moro e seu grupo de procuradores, falta muito.

O projeto e as emendas possíveis estão sujeitos a erros, e isso fica evidente já na autoria: Renan Calheiros, carregado de situações negativas na Justiça, só por assinar o projeto já o põe sob suspeições. Somos todos, no entanto, vítimas e testemunhas de abusos de autoridade. Variados na forma e na gravidade. Persistentes e apenas por exceção punidos ou extintos. Se há oportunidade de prevenir alguns deles, o que convém é discutir as maneiras de fazê-lo. Isso, os que se sentem visados não fizeram.

O abuso, seja do que for, nunca é abuso na visão de quem o pratica. Sérgio Moro considera perfeita a retenção de um suspeito na cadeia até que, moral e psicologicamente destroçado, se ajoelhe à delação premiada. Sem que com ela venha certeza alguma da veracidade e dos propósitos de delações acusatórias.

Se invocada a utilidade da delação para direcionar investigações, verdade maior é que incriminações e prisões valem-se, com frequência, apenas do dito por delatores. É o que ocorre, por exemplo, com a delação feita por Delcídio do Amaral já depois que despiu a credibilidade construída no Congresso.

Procuradores entraram com recente ação contra o juiz Ricardo Soares Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, pedindo seu afastamento da Operação Zelotes. Acusaram-no de decisões abusivas que dificultavam provas da corrupção, em torno de bilhões, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Receita Federal. Procuradores também sabem, portanto, o que é a combinação de autoridade e deslimite, encontrável até onde a autoridade deve significar o limite. Ou, ao menos, sabem quando o ato que extrapola não é seu.

Há muitas vozes sérias e experientes contra o que entendem como excessos judiciais. Não raro ilegais, além de violentos. Ouvi-las é conveniente a todos, e o projeto contra abuso de autoridade é capaz de fazê-lo se submetido, não a um ataque letal, mas a uma apreciação sem facciosismos, interesses subalternos e corporativismo.

O ministro Luiz Barroso assumiu no Supremo Tribunal Federal quando estava em curso uma espécie de repassagem das discussões e decisões. Com a finura habitual, disse não se sentir à vontade para apoiar as condenações, já feitas, por formação de quadrilha. E expôs a sua ponderação.

Aos poucos, baixou no tribunal um ambiente de serena racionalidade, retomando o que o emocionalismo e a ira haviam engolfado, com desprezo insultuoso pelos esforços do revisor Lewandowski por alguma objetividade. Deu-se a reversão de vários votos: as condenações por formação de quadrilha caíram.

Seriam, no entanto, se mantidas, mais do que erros de apreciação e decisão. Decorreram do uso excessivo da autoridade, com a permissão pessoal de que a exaltação tomasse o lugar do equilíbrio no julgamento. Uma forma não reconhecida, mas inegável, de uso abusivo da autoridade, que levaria vários sentenciados a perder mais vida na cadeia do que deveriam.

A autoridade é, em si mesma, um abuso nas relações humanas. O que quer que elimine uma partícula sua, será civilizador e de justiça. Caso não tenha forma abusiva –o que, no projeto contra abuso de autoridade, não é difícil evitar.

Mais razão têm os procuradores contra maiores concessões a quem traga dinheiro mandado ao exterior por meio ilegal. Michel Temer apoia mais benesses. Do gabinete de Rodrigo Janot, no entanto, vem o argumento, exposto por Mônica Bergamo, contrário às regras em vigor por "premiarem quem cometeu irregularidades escondendo dinheiro no exterior, ao permitir que, pagando impostos e multa, regularizem a situação". Não é isso a versão financeira da delação premiada que a Procuradoria-Geral da República consagra na Lava Jato? Pois é. 

(Fonte: Folha de São Paulo; texto reproduzido pelo Jornal GGN - AQUI).

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Concordamos plenamente com o analista. O fato de escroques e vigaristas eventualmente abusarem do patrimônio público não pode servir de justificativa para que se abuse da Constituição Federal. Ninguém, por mais incensado que seja, está acima da Constituição.

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