segunda-feira, 25 de julho de 2016

ECOS DA FRAUDE DA FOLHA (E A MIOPIA DE SUA OMBUDSMAN)


Teoria conspiratória? A crítica da ombudsman da Folha ao 'sumiço' das perguntas do Datafolha

Por Fernando Brito

ombudsman da Folha, Paula Cesarino Costa, relata, na sua coluna de hoje, (ontem) a história do “desaparecimento” da pergunta da pesquisa Datafolha sobre o desejo de 62% dos brasileiros de que se convoquem novas eleições, extirpada na divulgação feita pela Folha, para dizer que “50% dos entrevistados” queriam a continuidade de Michel Temer.
A questão, como se sabe, foi levantada por Glenn Grenwald e Erick Dau, no The Intercept.  Com o trabalho deles, este Tijolaço pôde colaborar, descobrindo o relatório original (ou quase) da pesquisa onde consta a pergunta e a tabulação das respostas que revelam a “abdução” de resultado que contradizia as conclusões que o jornal apresentava para a pesquisa.
O relato é quase correto, como você verá no texto, que reproduzo ao final. (Vide 'fonte', abaixo).
No entanto, a análise, de novo, é omissa: o erro, como vai se mostrar adiante, pontualmente, na narração da ombudsman, mostra que é inveraz a alegação, já por si insustentável, de que o jornal resolveu “desconsiderar” a pergunta. 
Não é o certo: ele a eliminou deliberadamente, para sustentar a versão que apresentou aos leitores. Não é, pois, questão de erro ou incompetência, mas de imposição da versão conveniente para o jornal em prejuízo da verdade dos fatos.
Paula diz, com grifos meus:  
Para alimentar teorias conspiratórias, revelou-se que o Datafolha colocou em seu site mais de uma versão do relatório da pesquisa polêmica, sendo que em só uma delas constavam as duas perguntas. O instituto explica que faz um relatório completo para a Redação, mas divulga no site apenas o que saiu no jornal. No caso, o primeiro documento continha, por falha, título sobre a pergunta 14, ausente do relatório por não ter sido usada.
Não, Paula.
O documento que continha “por falha” o título (na verdade, subtítulo) sobre 60% desejarem nova eleição não é o primeiro.
Tanto que o arquivo que o contém, como cansei de destacar aqui, desde o primeiro post, terminava com um “v2”, o que indica, óbvio, que era a segunda versão. Difere do primeiro documento – aquele  que  contém a pergunta de número 14 e os seus resultados, bem como a de número 11, que indaga sobre a legalidade ou ilegalidade da condução do processo de impeachment.
Mesmo este documento – a versão 2, que recuperamos, a mais completa – já tem um “descarte” de perguntas – cujo conteúdo, agora, passou a ser indispensável revelar. Faltam vir à tona oito perguntas: 4, 5, 15, 16, 17, 20, 29 e 34, como registrou a jornalista Leticia Sallorenzo que, neste blog, antes da descoberta, sistematizou e questionou o sumiço de perguntas.
Ou seja: na melhor das hipóteses, teríamos que admitir que as perguntas eliminadas neles não tivessem “interesse jornalístico”. Mas a própria ombudsman registra (o grifo, outra vez, é meu) que participou da elaboração de questionários e que neles não entram perguntas ociosas:
Quando secretária de Redação e editora de Política, participei da elaboração de incontáveis questionários de pesquisas Datafolha. Com a limitação técnica de quantidade de perguntas, cada uma precisa ser muito bem pensada e escolhida. Não há justificativa para colocar uma pergunta e depois ignorá-la.
As oito perguntas ainda “sumidas”  (Paula fala de uma; os fatos mostram que são oito, ainda) representam um quinto das perguntas formuladas!
Os fatos estão documentalmente estabelecidos.Revelá-los foi jornalismo, não algo  “para alimentar teorias conspiratórias”, como ela escreve.
Paula diz que “a questão central está na acusação de o jornal ter omitido, deliberadamente, que a maioria dos entrevistados (62%) pelo Datafolha se disseram favoráveis a novas eleições presidenciais, em cenário provocado pela renúncia de Dilma Rousseff e Michel Temer.”
Pois a  questão central, permito-me dizer, não é mais “se”, mas “por que” se fez a extirpação das perguntas e das repostas e colocou-se apenas aquelas que pareciam indicar o sentido oposto.
E esta questão está para ser respondida por quem faz a crítica do episódio.
A meu ver, o jornal cometeu grave erro de avaliação. Não se preocupou em explorar os diversos pontos de vista que o material permitia, de modo a manter postura jornalística equidistante das paixões políticas. Tendo a chance de reparar o erro, encastelou-se na lógica da praxe e da suposta falta de apelo noticioso.
Não foi o caso de não se preocupar em “explorar os diversos pontos de vista que o material permitia”, mas o de deliberadamente omitir do conhecimento público. E o deliberado também se prova, quando está claramente estabelecido que se fez uma segunda versão do relatório para eliminar as perguntas e os resultados das respostas.
Não foi a “lógica da praxe e da suposta falta de apelo noticioso”, tanto que a equipe do Datafolha que elaborou o resumo descritivo colocou em dois parágrafos, logo a seguir à abertura da análise, o que as perguntas “abduzidas” revelavam da opinião dos entrevistados.  E não as considerou “irrelevantes”, tanto que mencionou seu resultado no subtítulo que, esquecidos de mudar na versão “ajustada”, deu a pista para a revelação de sua existência.
Não houve um simples erro, casual e desatento. Houve uma ação para eliminar informação que o próprio Datafolha considerou relevante, a ponto da analisá-la e levá-la ao subtítulo de seu relatório.
E o nome disso é fraude, em bom português.
Fraudou, foi apanhada e, em lugar de assumir que alguém agiu errado e corrigir-se, saiu-se com explicações também fraudulentas. (Fonte: Tijolaço - aqui).

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Algo nos diz que a Folha está tranquila. É a convicção de que grande parte de seus 'seguidores' concordam com a manipulação, bem como de que o restante da grande mídia, solidário até dizer chega, especialmente em se tratando de situações da espécie, oferecerá obsequioso silêncio ao episódio. 
Jornais norte-americanos, como Washington Post e The New York Times, anunciam mediante editorial sua preferência política, indicando o nome de seu candidato, e isso é prática encarada - ao menos por lá - com naturalidade. Mas considerar que tais veículos se disporiam a distorcer resultados de pesquisas visando a favorecer seus preferidos, aí já é forçar a barra.

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