O contragolpe na Turquia foi um golpe da Rússia contra a CIA
Por José Carlos de Assis
Só um idiota pode imaginar que um exército experiente como o da Turquia, testado no passado em vários golpes de Estado, fosse tão incompetente para realizar mais um, tendo à mão todos os instrumentos do poder militar. Só um idiota acabado pode imaginar que o povo na rua é capaz de reverter um golpe militar em andamento. Só um idiota tonto poderia imaginar que ao governo turco e seu presidente fosse deixado acesso a meios de comunicação com o povo, sem prévio planejamento, em pleno processo de desenvolvimento do golpe.
A marcha da suposta tentativa de golpe e do contragolpe foi precedida de movimentos bem articulados no xadrez geopolítico do país que une Europa à Ásia e, portanto, desempenha um papel chave nas relações com os dois continentes. Começa pela cobertura que a CIA dá ao clérigo Fethullah Gullen, o principal rival de Erdogan. Em nome dos direitos humanos e contrariamente às tendências fundamentalistas do Presidente, ele prega para a Turquia uma espécie de “primavera” liberal, sob proteção dos EUA e em seu interesse geopolítico.
Nós vimos (no) que deram a “primavera líbia” e os diferentes tipos de intervenções norte-americanas nos últimos anos e décadas, operadas através de ONGs patrocinadas direta ou indiretamente pelo Departamento de Estado na África e no Oriente Médio: países como Líbia, Somália, Afeganistão simplesmente foram liquidados; Egito, Iemen, Iraque, Paquistão foram profundamente abalados ou continuam em guerra. O governo turco, não muito confiável para Washington, aparentemente estava destinado a ser a bola da vez.
O que aconteceu, afinal? Bem, vamos seguir os movimentos dos principais atores nesse jogo. Meses atrás um avião turco operado desde uma base partilhada com os norte-americanos derrubou um caça russo supostamente em seu espaço aéreo. A Rússia reagiu verbalmente – “foi como uma punhalada pelas costas”, disse Putin – mas não foi além disso. O assunto despareceu da imprensa até que, em maio último, Putin anunciou que gostaria de ter uma reaproximação com a Turquia e para isso esperava uma sinalização clara dela no mesmo sentido.
Em junho, Erdogan mandou uma carta para Putin, a qual vai muito além de meras mesuras diplomáticas: foi um pedido de desculpas completo, quase um pedido de perdão extensivo à família do piloto morto, à qual ofereceu a assistência material necessária para minorar seu sofrimento pela perda. Anunciou, além disso, que o incidente do caça seria investigado. Em resposta, Putin marcou uma visita com ampla comitiva governamental a Istambul. Esteve lá antes do golpe, em julho, e foi o primeiro chefe de Estado a visitar Erdogan depois do malogrado golpe.
Diante desses fatos, não é difícil dar um sentido prático aos acontecimentos na Turquia: o serviço secreto russo (talvez com ajuda chinesa) descobriu preparativos de golpe contra Erdogan, por parte do clérigo Gullen, a partir dos Estados Unidos. Acompanhou esses preparativos ainda enquanto se desenvolviam e provavelmente identificou os códigos e as senhas para a deflagração do golpe em momento oportuno. Com o conhecimento prévio dessas senhas, o Governo montou uma armadilha e desencadeou falsamente o golpe.
Só esse roteiro justifica o fato de que Erdogan, uma vez senhor da situação, tenha desencadeado uma operação de caça a militares comprometidos e, sobretudo, a mais de 2 mil juízes e promotores. Os nomes desses envolvidos não poderiam ter sido arrolados de um dia para outro. Da mesma forma, o fechamento da base aérea turca de Incirlik, partilhada com os americanos, não ocorreria jamais caso o Presidente turco não tivesse certeza absoluta da participação norte-americana na tentativa de golpe. Enfim, o tempo da revolução de estações parece ter-se esgotado. Restou, por acaso, o golpe de inverno no Brasil! (Fonte: aqui).
(José Carlos de Assis, economista, é professor doutor pela Coppe/UFRJ).
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Selecionei quatro (praticamente expostos em sequência no Jornal GGN)) entre os 48 comentários suscitados até a noite de ontem:
1. André Araújo contesta a tese do autor do texto:
"A narrativa parece obra de Ian Fleming para o agente OO7, não faz o menor sentido: a Turquia nas suas diversas formas de Estado é inimiga secular da Rússia por milênios; a maior reivindicação de Erdogan (era entrar na OTAN, e a despeito disso Erdogan) de repente vira amicíssimo da Rússia? Os EUA têm mísseis nucleares dentro da Turquia, (os países são aliados) desde 1950, (e) de repente Erdogan troca de lado como quem troca de camisa?
Erdogan é um claro ditador em potencial; amarrar-se à Rússia, inimiga secular da Turquia, seria um (ato perigosíssimo) para ele dentro da Turquia. A narrativa parte da premissa de que o golpe foi organizado pelos EUA; puro delírio.
Se o Governo Obama não consegue virar um parafuso na Venezuela, que está no seu quintal, como vai fazer golpe na Turquia? Erdogan é um projeto de ditador daqueles que não querem mais sair do poder, essa foi a base do golpe, e a coisa não acaba agora: Erdogan será cada vez mais contestado, a sua vingança alucinada é prova de sua volúpia de poder; é absurdo o autor querer interpretar à distância de milhares de quilômetros um quadro complexo que nem especialistas em Oriente Médio em Londres e Paris ainda conseguiram destrinchar.
Se Putin é tão bom estrategista, como deixou a situação na Ucrânia, que fica no seu quintal, chegar a um caos diplomático?
A tese do autor é uma narrativa construída para mostrar como os russos são bons e os americanos são maus."
2. Milton Murilo concorda (quase integralmente) com o autor José Carlos de Assis:
"Bons argumentos.
Tudo pode ser visto como um movimento pendular do governo turco, quem sabe com outras motivações oportunizadas, para manter um pouco de independência entre os gigantes.
Nem russos nem americanos são bonzinhos ou ruinzinhos. São grandes potências a defender seus interesses. Cabe aos demais países manter vigilância para os movimentos velados. Quando um deles bobeia, o outro avança. Aproveitando a rima, é como uma dança, dois pra lá dois pra cá."
3. Ao que Raphael Tsavkko Garcia vai mais longe do que o primeiro comentarista, André Araújo - aproveitando para emitir juízos curiosos, como o de exigir que a análise geopolítica se contenha na 'alçada' dos cientistas políticos, ficando os mortais comuns - como os economistas - adstritos a seu universo 'específico':
"Poucas vezes li uma análise mais furada e sem sentido, totalmente baseada em achismos e sem qualquer evidência, por mais remota que seja. O autor, economista, deveria continuar na sua área e não se aventurar por onde não detém conhecimentos mínimos. O artigo é de uma vergonha-alheia extrema.
Do começo vergonhoso e chamar de início qualquer um de idiota já esperando pelas discordâncias ao texto, à conclusão totalmente estapafúrdia: 'Diante desses fatos, não é difícil dar um sentido prático aos acontecimentos na Turquia: o serviço secreto russo (talvez com ajuda chinesa) descobriu preparativos de golpe contra Erdogan, por parte do clérigo Gullen, a partir dos Estados Unidos'. Não há evidências de que Gullen fez nada. Erdogan precisava de um inimigo, encontrou um poderoso e não apresentou qualquer prova de sua participação. Envolveu a Rússia, que NINGUÉM sabe se esteve envolvida, e ainda aponta pra China na base do total achismo e desconhecimento geopolítico sobre as relações entre estes países...
Nos termos do autor, só mesmo um idiota pra levar em consideração este artigo sem dar boas risadas no processo."
4. Mas o leitor Zé Sérgio não levou em conta as críticas contra J. Carlos de Assis:
"O que este caso significou não sei, mas sei que é deste tipo de análise, esta visão brasileira dos fatos, que precisamos ter na nossa imprensa. Parabéns. Não é a notícia vinda de CNN's da vida ou de outros veículos internacionais, mas de pessoas e meios que filtrarão realidades mais próximas dos nossos interesses, nem sempre tão bem analisadas e divulgadas".
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Em minha opinião, nada é inimaginável quando se trata do caldeirão fervente do Oriente Médio. A geopolítica não impõe barreiras inibitórias... Quem pode garantir que Putin, após fracassar relativamente à Ucrânia, não tenha resolvido radicalizar, urdindo meticuloso plano visando a 'dar o troco' 'abocanhando' a Turquia, a despeito da milenar ojeriza referida por André Araújo? O jogo do xadrez geopolítico admite todas e quaisquer táticas e circunstâncias, até mesmo as (aparentemente) surreais...
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