segunda-feira, 31 de março de 2014

A DATA DO GOLPE


"(...). A data do golpe é 1º de abril de 1964. Os fatos são claros.
Mas, reitero, não valem desinteligências acaloradas.
Na véspera ou no dia seguinte, aconteceu o que, para o bem do Brasil, seria melhor não ter acontecido."


(Mário Magalhães, jornalista, no post "Por que a data do golpe é 1º de abril de 1964, e não 31 de março", aqui).

DITADURA NUNCA MAIS


Samuca.

DITADURA NUNCA MAIS


Fernandes.

OS MALES DE FUKUSHIMA


Oficiais da marinha dos EUA revelam doenças provocadas por radiação em Fukushima

Por Amy Goodman e Denis Moynihan

Passaram-se três anos desde o terremoto e o tsunami que provocaram o desastre nuclear da usina Fukushima Daiichi, no Japão. O número de vítimas fatais imediatas do tsunami superou os 15 mil, e cerca de 3 mil pessoas continuam desaparecidas. No entanto, o número de mortos segue aumentando tanto no Japão como nos outros países. Os efeitos do desastre nuclear de Fukushima para a saúde e o meio ambiente são graves, e continuam se agravando diariamente à medida que a usina nuclear, da empresa Tokio Electric Power Company (Tepco), continua liberando contaminação radioativa.

Como parte de uma iniciativa pouco comum, mais de cem marinheiros e infantes da Marinha norte-americana entraram com uma ação judicial coletiva na qual acusam a Tepco de mentir sobre a gravidade do desastre. Isso ocorreu quando, naquela época, foram ao local dos acontecimentos para oferecer ajuda humanitária. Eles foram a bordo do porta-aviões USS Ronald Reagan, que funciona com energia nuclear, e de outros navios que viajaram com o porta-aviões e que participaram da ajuda humanitária ao desastre – chamada "Operação Tomodachi", que em japonês significa "Operação Amizade".

O tenente Steve Simmons é um dos signatários da ação. Antes de Fukushima, Simmons tinha uma saúde de ferro. Oito meses mais tarde, começou a ter problemas inexplicáveis de saúde. Disse em uma entrevista ao programa "Democracy Now!": "[Enquanto dirigia para o trabalho] perdi o controle em uma curva. Depois disso, comecei a ter sintomas do que pensei ser uma gripe e minha febre começou a subir persistentemente. Perdi entre 9 e 11 kg rapidamente. Comecei a ter suores noturnos e dificuldades para dormir, e fui ao médico várias vezes para que fizessem análises e outros estudos a fim de determinar o que estava acontecendo. E, de janeiro a março de 2012, fui internado três vezes. Na primeira vez, não puderam detectar nada. A única coisa que supostamente encontraram foi uma sinusite e descartaram a possibilidade de que estivesse ligada à radiação. De fato, o médico residente me disse que, se fosse provocado pela radiação, os sintomas deveriam ter se manifestado muito antes. Três dias mais tarde, depois que me deram alta, voltei ao hospital porque meus nódulos linfáticos começaram a inchar e a febre não baixava, eu estava com 39 ºC".

Em abril de 2012, enquanto estava internado, suas pernas ficaram imóveis. Desde então, está na cadeira de rodas e poderá solicitar baixa por "motivos médicos" em abril.

Essa é a segunda vez que os marinheiros e infantes da Marinha entram com uma ação contra a Tepco. O primeiro julgamento, no qual havia oito demandantes, foi rejeitado por motivos técnicos baseados na falta de jurisdição do tribunal. Charles Bonner, o principal advogado de defesa dos marinheiros, afirmou: "Em junho de 2013, 51 marinheiros e infantes da Marinha nos contactaram porque padeciam de diversas doenças. [Algumas das doenças] incluíam câncer de tiroide, câncer de próstata, câncer no cérebro, problemas uterinos pouco usuais, sangramento uterino excessivo, todo tipo de problemas ginecológicos, problemas que não são habituais em pessoas de 20, 22, 23, ou inclusive 35 anos de idade, como o Tenente Simmons, que tem essa idade. Por isso, agora entramos com uma ação coletiva em nome de cerca de 100 infantes da Marinha, e todos os dias recebemos ligações de oficiais que padecem de diversos problemas". Havia ao menos 5.500 pessoas a bordo do USS Reagan quando ele navegou pela costa do Japão.

Caberia também perguntar por que o grupo não aciona também o seu empregador, as Forças Armadas dos Estados Unidos. Sobre essa decisão, o advogado Charles Bonner disse: "A parte responsável pelo dano a esses jovens marinheiros é a Tokyo Electric Power Company, quarta maior empresa de energia do mundo. A Tokyo Electric Power Company não disse nem à população nem às Forças Armadas que havia ocorrido um grande acidente nuclear. Os núcleos de três dos reatores se fundiram após o terremoto e o tsunami. Não tinham geradores, não tinham um suporte de eletricidade. Não havia nenhum tipo de abastecimento auxiliar de água no qual colocar os reatores".

Entrevistamos Naoto Kan em janeiro deste ano em seu escritório em Tóquio. Kan era o primeiro-ministro do Japão no momento do acidente. De imediato, ele instalou um centro de controle para gerenciar a crise nuclear. Uma das pessoas que ajudavam a equipe a gerenciar a crise era um importante executivo da Tepco. Kan me disse: "Pelo que estavam me informando desde a sede da Tepco e, em particular, o sr. Takeguro, que era o vice-presidente da empresa, eles não estavam dando informações precisas sobre a situação real no lugar". Frustrado diante do bloqueio de informações, Kan viajou à usina para falar sobre a situação com os trabalhadores que estavam ali. O ex-primeiro-ministro, que antes era um firme defensor da energia nuclear, agora defende que ela deixe de ser utilizada no Japão.

O desastre nuclear de Fukushima, cujas consequências ainda persistem, deveria servir de alerta para o mundo. Em vez de aprender com a experiência de Naoto Kan, o presidente Barack Obama está comprometendo fundos públicos para construir novas usinas nucleares nos Estados Unidos pela primeira vez em mais de trinta anos. Após o ocorrido em Fukushima, a Comissão Reguladora Nuclear do governo Obama evitou falar de certos temas a fim de diminuir a crescente preocupação pública em relação à segurança das usinas de energia nuclear nos Estados Unidos.

A NBC News teve acesso a e-mails internos da Comissão nos quais se instruía o pessoal a menosprezar os riscos de segurança, apesar de as usinas nucleares dos Estados Unidos não serem seguras. Os infantes da Marinha da Operação Tomodachi merecem ser ouvidos pela justiça e a população norte-americana merece ter a oportunidade de fazer uma avaliação sobre os graves riscos da energia nuclear. (Fonte: aqui).

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O que impressiona é o quase completo silêncio da mídia ante ameaça mundial tão grave.

MACHISMO GALOPANTE


Amarildo.

1964: DESAPARECIDAS


Ana Rosa e 'Leila', desaparecidas que inspiraram livro e canção

Por Mônica Vasconcelos

"Há mais ou menos um ano, ganhei de presente um livro que me lançou em uma jornada inesperada pela história recente do Brasil, da minha família e de uma música".
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Trata-se do romance político K, do escritor e acadêmico brasileiro Bernardo Kucinski.

O livro narra a busca desesperada de um pai por sua filha desaparecida política durante a ditadura militar no Brasil. É ficção, mas baseado em fatos verídicos – a desaparecida, Ana Rosa Kucinski, é a irmã do autor. A verdade sobre o desaparecimento de Ana Rosa vem emergindo aos poucos. Em 2012, o ex-delegado do Dops Cláudio Guerra confessou ter incinerado seu corpo em uma usina de processamento de cana.

Enquanto lia aquela história comovente e triste, me vi resgatando cenas do meu passado, ainda adolescente, crescendo em São Paulo.

Frases do meu pai. "Não fique em grupos na porta da escola depois da aula. Venha direto para a casa".

Histórias da família. Por que mesmo o vovô foi preso?

E as músicas. Músicas que refletiam o clima daquele tempo, de segredos e meias verdades. Que traziam mensagens em códigos. Músicas que eu cantava, mas não entendia.

Entre elas, Aparecida, de Ivan Lins e Maurício Tapajós, incluída no álbum Somos Todos Iguais Nessa Noite, lançado em 1977. Não saía de minha cabeça enquanto refletia sobre a tragédia de Ana Rosa. Era como se a música tivesse sido feita para ela.

"Diz, Aparecida
Me conta por onde que você andou?
Me conta por que é que você
Não tem mais a mesma afeição
Não tem mais a mesma euforia
Não tem mais a mesma paixão?"

50 Anos do Golpe
A história de Ana Rosa me levou a sugerir um documentário de rádio para o Serviço Mundial da BBC que explicasse ao mundo o que foi o golpe de 1964. E mostrasse como o Brasil tenta, hoje, lidar com esse capítulo sombrio da nossa história. O documentário Brazil: Confronting the Past, em inglês, pode ser ouvido aqui.

Fui ao Brasil falar com Bernardo Kucinski e várias outras pessoas, inclusive meu próprio pai. Acabei me lançando em uma viagem sobre a história, nunca bem detalhada para mim, da minha família.

Descobri, por exemplo, que meu avô tinha sido preso duas vezes. A primeira, na década de 30, em Goiás.

Influenciado pelas ideias do líder comunista Luís Carlos Prestes, ele tinha se filiado a um partido de tendências comunistas.

Por causa desse "crime", meu avô foi parar na prisão.

Ele foi preso por "algum governo ligado a ideologias nazistas", meu pai contou. Foi amarrado e torturado sob guarda militar.

Meu avô sobreviveu, mas a vida em Goiás tinha ficado muito perigosa para ele. Temendo por sua vida, vendeu suas terras às pressas e se mudou com a família para Minas Gerais. Perdeu tudo o que tinha. Nunca mais quis se meter com política.

No entanto, 30 anos depois, o passado comunista voltou a assombrar a vida da família.

Em 64, quando o golpe militar estourou, meu avô foi preso novamente.

Ele não foi torturado dessa vez, mas aquela experiência de violência, tortura, perseguição e empobrecimento ficou marcada nele e na nossa família. Era como um trauma silencioso.

Entrevistei ainda brasileiros que hoje tentam ajudar o país a superar o trauma da ditadura e seguir em frente.

Entre eles, o presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, Ivan Seixas. Os psicanalistas Moisés Silva e Cristina Ocariz, que estão oferecendo apoio psicológico às vítimas da violência do Estado durante o governo militar.

Veroca Paiva, filha do deputado Rubens Paiva, que investigava o envolvimento dos Estados Unidos no golpe. Paiva foi torturado e morto pela ditadura. Até hoje seu corpo não foi encontrado.

Falei com tanta gente. Nem todos entraram no corte final – o velho e dolorido dilema do jornalismo - mas suas vozes estiveram comigo em minha jornada.

Finalmente, entrevistei o general de brigada, hoje na reserva, Durval Andrade Neri. Orgulhoso do golpe, o general defendeu e justificou a ditadura militar.

Trilha Sonora
Enquanto mergulhava nas histórias da minha família, de Bernardo Kucinski e de tantos outros, entrelaçadas na história do meu país, a canção Aparecida continuava a tocar na minha cabeça.

"Diz, Aparecida
Sumir desse jeito não tem cabimento
Me conta quem foi, por que foi
E tudo o que você passou
Preciso saber seu tormento
Preciso saber da aflição"

Quem seria essa Aparecida que - hoje me dou conta - era na verdade uma Desaparecida?

Procurei Ivan Lins. Ocupado, em turnê, ele não achava tempo para falar comigo.

Falei com João Lins, filho de Ivan. Simpático, orgulhoso do pai. Mas não conhecia a história por trás da canção.

Maurício Tapajós, autor da letra, já não está entre nós.

Decidi procurar Heloísa Tapajós, esposa do irmão de Maurício – o compositor Paulinho Tapajós. Quem sabe o Paulinho conhece a história? – pensei.

Para minha tristeza, descobri que Paulinho – com quem, por sinal, trabalhei em 2007, quando gravei uma canção dele - também havia partido.

Que aflição. Não é possível que desapareça também a história por trás da música.

Apelei novamente ao Ivan. E dessa vez, fui recompensada com uma história de superação.

"Essa canção foi escrita em 1976. A ideia foi do Maurício. Ele me falou de uma amiga dele que tinha desaparecido por uns quatro anos, presa pela repressão, e que tinha reaparecido. Como foi brutalmente torturada, trazia sequelas do vandalismo repressor", escreveu Ivan Lins, em um e-mail.

Três anos depois de comporem a canção, Maurício e Ivan viajaram para o casamento de um dos músicos da banda em Alfenas, Minas Gerais. E foi lá que Ivan conheceu a "desaparecida".

"O Maurício me apresentou. Ainda bonita, com grandes olhos verdes. Seu nome era, se não me engano, Leila - não posso afirmar com certeza".

"Ainda a encontrei mais uma vez, num evento (não lembro qual). Depois, nunca mais".

"E essa é a historia. Posso ter errado um pouquinho as datas, mas foi bem perto disso", concluiu Ivan Lins.

Aparecida não ficou tão conhecida como outras faixas do LP Somos Todos Iguais Nessa Noite.
Porém, quatro décadas depois, quando a Comissão da Verdade se esforça para recuperar a memória de um tempo de trevas na história do Brasil, me soa ainda mais bela e comovente. E não poderia ser mais relevante e atual.

"Diz, Aparecida
Diz, conta o segredo
Diz e denuncia
Que a verdade escondida
É mentira, é medo"

E por onde andará Leila? E quantas outras histórias deste doloroso período da nossa história se mantêm anônimas? (Fonte: aqui).

ARTE SACRA


Wolfgang Theiler. (Alemanha). Cartum já publicado. Vale o replay.

domingo, 30 de março de 2014

1964: DUAS ENTREVISTAS


'A luta armada se esqueceu de fazer consulta ao povo', afirma historiador

Falar em ditadura militar esconde a participação de civis no golpe e no regime instalado em 1964, afirma o historiador Daniel Aarão Reis.

Aos 24 anos, ele integrava o comando da Dissidência Universitária da Guanabara, que idealizou o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick para libertar presos políticos.

Aos 68 anos, considera que a luta armada fracassou por falta de apoio popular. O professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) acaba de lançar "Ditadura e Democracia no Brasil" (Zahar).

Folha - Por que Jango caiu?

Daniel Aarão Reis - O golpe se instalou com o discurso de defesa da democracia, que estaria sendo ameaçada pelas reformas do governo Jango e pelo comunismo. Havia muito medo, nas classes médias e mesmo em segmentos populares, de que o Brasil estivesse caminhando para uma revolução social. Lideranças da elite, eclesiásticas, empresariais e políticas, ficaram ao lado dos militares. O golpe foi dado por uma frente muito heterogênea. Havia ali de um tudo, como dizia Guimarães Rosa. Por isso, se tivesse enfrentado uma resistência, essa frente poderia se desmilinguir.

O golpe era evitável?

As esquerdas tinham uma força considerável, poderiam ter lutado. Depois de 1964, construiu-se uma visão de que a vitória da direita era inevitável. É o que a gente chama, em história, de profetas do passado. "O que aconteceu tinha mesmo que acontecer." Não é bem assim. A fuga do Jango foi importante, mas não faço dele um bode expiatório. A esquerda tinha outras lideranças, que não quiseram lutar. Parte delas tinha medo do povo. Me pergunto se o medo da revolução social não influenciou.

O sr. costuma falar em ditadura civil-militar. Por quê?

O termo ditadura militar era legítimo na luta política, mas é inócuo para compreender a história. Ele joga um manto sobre todos os civis que apoiaram a ditadura. Ao insistir que a ditadura era militar, põe na obscuridade as conexões civis que ela teve ao longo do tempo. A mídia jogou um papel importantíssimo. Os jornais quase unanimemente apoiaram o golpe. O que se quer, ao resgatar essas conexões civis, não é sair por aí fazendo caça às bruxas. É entender por que essa gente toda entrou na aventura da ditadura. Por muito tempo, falei isso quase sozinho. Na história, devemos nos afastar do militantismo.

Como avalia a luta armada, da qual participou?

Quando a ditadura se instalou, prevaleceu na esquerda a ideia de que o país havia chegado a um impasse. Como não havia alternativas, responderíamos com a guerrilha. A luta armada parecia muito viável. As experiências vitoriosas em Cuba (1959) e na Argélia (1962) enchiam de ânimo aquela geração. O que nós esquecemos de fazer foi consultar o povo. E o povo brasileiro não estava disposto a tomar o caminho da luta armada. A tortura funcionou, é claro, mas o que nos asfixiou foi a falta de apoio popular, que é o oxigênio de qualquer guerrilha.

Como foi sua prisão?

Passei 50 dias muito duros na tortura do DOI-Codi. Dali fui para a Ilha Grande e, três meses e meio depois da prisão, fui colocado na lista dos 40 presos trocados pelo embaixador alemão. A prisão é uma experiência-limite. Muito dolorosa, muito infame. A tortura é um inferno. É feita para destruir você, e não só fisicamente. O objetivo é destruir a alma do prisioneiro. É uma vergonha que as Forças Armadas até hoje escondam esse episódio que mancha sua história. Até hoje, elas omitem, escondem e falsificam a história. Enquanto grande parte das lideranças de esquerda faz autocrítica e reconhece problemas, as Forças Armadas continuam na retranca. Fui anistiado pelo Ministério da Justiça, e quem me torturou diz que não houve tortura no Brasil. É uma coisa esquizofrênica. Uma parte do Estado pede desculpas por ter me torturado. Outra parte, a que me torturou, diz que aquilo não existiu.

Qual é sua opinião sobre a Comissão da Verdade?

Uma comissão digna desse nome deveria ter o poder para vasculhar os porões das Forças Armadas. Apesar das limitações, ela tem condições de fazer um relatório esclarecedor sobre o comprometimento com a tortura como política de Estado. É importante abrir um debate nacional sobre a tortura como método. Ela não começou, e não acabou, com a ditadura

*Entrevista concedida ao repórter da Folha de São Paulo Bernardo Mello Franco-29/03/2014
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Fonte: aqui.

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Carmem Craidy: "Tortura é crime hediondo, não tem anistia em lugar nenhum do mundo"

Desde os 14 anos Carmem Maria Craidy está envolvida com a luta política, tendo integrado os movimentos de juventude ligados à Igreja Católica. Professora recém aposentada da Ufrgs, ela agora é colaboradora na Faculdade de Educação, trabalhando com adolescentes em conflito com a lei. A pedagoga com título de doutora tem uma trajetória que passou pelo exílio de oito anos (na França e em Moçambique), uma imposição diante da prisão iminente, naqueles tumultuados anos 70. Longe do Brasil, sentia uma tristeza imensa, mas fez sua parte ajudando na acolhida a exilados que chegavam a Paris. No ano da anistia, 1979, voltou a Porto Alegre. “Anistia é para crime político. Tortura é crime hediondo, não tem anistia em lugar nenhum do mundo”, opina Carmem, que concedeu entrevista ao Sul21 em sua sala na Faculdade, em Porto Alegre.

(Clique AQUI para ler entrevista concedida por Carmem às jornalistas Lorena Paim e Nubia Silveira).

UM PERFIL DO OUTRO MUNDO


Zop.

LOVE WAY


Constantin Kazachev. (Ucrânia).

BRASIL MÉXICO


"(...). os dados do CIA The World Factbook de 2013. Vamos comparar e desmistificar:

Produto Interno Bruto para 2013:

-Brasil: US$ 2.190 trilhões;
-México: US$ 1.327 trilhões.

Produto Interno Bruto para 2013 (Paridade do Poder de Compra):

-Brasil: US$ 2.422 trilhões;
-México: US$ 1.845 trilhões.

Nota-se, portanto, que o PIB brasileiro é 65% MAIOR que o PIB mexicano. Se levarmos em conta a "Paridade do Poder de Compra", o PIB brasileiro é 31% MAIOR que o PIB mexicano.

Passemos agora ao exame do PIB per capita, também conhecido como renda per capita.

PIB per capita para 2013:

-Brasil: US$ 10.800;
-México: US$ 11.000.

PIB per capita para 2013 (Paridade do Poder de Compra):

-Brasil: US$ 12.000;
-México: US$ 15.300.

Todos os dados apenas corroboram o fato de que a renda per capita do México é similar à renda per capita do Brasil no critério nominal (da produção real de bens e serviços) e um pouco superior pelo critério fantasioso da "Paridade do Poder de Compra" (critério pelo qual a economia da Índia, pausa para rir, é maior do que a economia da Alemanha e do Japão...).

No mais, apenas sensos comuns há muito divulgados pelos neoliberais. O primeiro deles se refere ao processo de industrialização. O México tem mais de 80% da sua corrente comercial atrelada aos EUA e foi inundado por maquiladoras de todos os tipos após a assinatura do NAFTA. O NAFTA dizimou a indústria mexicana e rebaixou o nível dos salários.

Agora, o segundo senso comum que tem a ver com as exportações. Em primeiro lugar, o Brasil não é um servo dos EUA, ou seja, não tem, nunca teve e nunca terá mais de 80% de sua corrente de comércio feita com os norte-americanos. Ainda bem! Outro ponto é que o Brasil exporta, como proporção do PIB, mais do que os EUA. Repito, o Brasil exporta, como proporção do PIB, mais do que os EUA!

Um país continental como o Brasil tem que fazer justamente o que os norte-americanos fizeram há décadas atrás, que é a criação de um pujante e diversificado mercado interno de massas. É isto que fará com que o Brasil não fique refém das incertezas dos fluxos comerciais internacionais, suportando melhor as crises cíclicas do capitalismo.

É isto que permitirá ao Brasil (junto com a diversificação dos parceiros comerciais) não ficar refém de nenhum país do mundo, como o México é hoje dos EUA. E é isto que está sendo feito no Brasil, para o bem de nossas gentes, desde o ano de 2003."



(Diogo Costa, em comentário a post publicado no jornal GGN intitulado "Comparação de PIB mostra semelhanças entre Brasil e México", de Gunter Zibeli, aqui.
A análise de Diogo guarda sintonia com o seguinte trecho de comentário de minha autoria, em post de ontem, 29: "... Já o 'naftiano' (?!) México, por exemplo, mesmo com certos indicadores inferiores aos nossos, contaria com critérios mais flexíveis de avaliação, razão de ostentar nota bastante confortável atribuída pela S&P". S&P: agência de risco Standard & Poor's).

CARTUM DITATORIAL


Edu.

A ONU E O ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL


ONU critica imposição de ensino religioso em escolas públicas

Além de desrespeito à laicidade do Estado brasileiro, relatora denuncia 'intolerância e racismo'

Por Jamil Chade

Centenas de escolas públicas em pelo menos 11 Estados do Brasil não seguem os preceitos do caráter laico do Estado e impõem o ensino religioso, alerta a Organização das Nações Unidas. Em relatório a ser apresentado na semana que vem ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, a situação do Brasil é criticada.

O documento foi preparado pela relatora da ONU para o direito à cultura, Farida Shaheed, que também alerta que intolerância religiosa e racismo "persistem" na sociedade brasileira. A relatora apela por uma posição mais forte por parte do governo para frear ataques realizados por "seguidores de religiões pentecostais" contra praticantes de religiões afro-brasileiras no País. Uma das maiores preocupações é o com o ensino religioso, assunto que pôs Vaticano e governo em descompasso diplomático.

Os Estados citados por Farida, que visitou o País no final do ano passado, são Alagoas, Amapá, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

A relatora diz ter recolhido pedidos para que o material usado em aulas de religião nas escolas públicas seja submetido a uma revisão por especialistas, como no caso de outros materiais de ensino. Além disso, "recursos de um Estado laico não devem ser usados para comprar livros religiosos para escolas", esclarece.

Para Farida, "deixar o conteúdo de cursos religiosos ser determinado pelo sistema de crença pessoal de professores ou administradores de escolas, usar o ensino religioso como proselitismo, ensino religioso compulsório e excluir religiões de origem africana do curriculum foram relatados como principais preocupações que impedem a implementação efetiva do que é previsto na Constituição".

Legislação 
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação diz que o ensino religioso deve ser oferecido em todas as escolas públicas de ensino fundamental, mas a matrícula é facultativa. A definição do conteúdo é feita pelos Estado e municípios, mas a legislação afirma que o conteúdo deve assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa e proíbe qualquer forma de proselitismo.

"Em tese, deveria haver um professor capaz de representar todas as religiões. Mas, como sabemos, é impossível", explica Roseli Fischmann, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). "Além disso, a aula não é tratada efetivamente como facultativa. O arranjo é feito de tal forma que o aluno é obrigado a assistir."

Roseli explica que o modelo brasileiro é pouco usual nos países em que há total separação entre Estado e religião. "Até Portugal, que no regime de Salazar tornou obrigatório o ensino religioso, aboliu as aulas. Educação religiosa deve ser restrita aos colégios confessionais. Lá, o pai matricula consciente." (Fonte: aqui).

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Comentário pinçado da fonte: O ensino religioso poderia ser tratado no currículo de história, como História das Religiões. Até aí acho aceitável. Sem lavagem cerebral e proselitismo.

CARTUM NADA LAICO


Benett.

sábado, 29 de março de 2014

CONVÉM LEMBRAR: RÁDIO E TV SÃO CONCESSÕES


"Todas as concessões são reguladas. Energia elétrica tem regulação, telefonia também. Só rádio e televisão não. Desde 1962, ainda no governo Jango, é o mesmo discurso. É preciso uma lei para regular o setor porque a Constituição só estabelece princípios. A comunicação não pode ter monopólio nem oligopólio. Nossa comunicação é uma das mais monopolizadas do mundo. O rádio e a TV têm que ter mecanismos de proteção à criança, tem que ter regras que impeçam a defesa do racismo. Essa é uma questão central da democracia. Existe regulação nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França. O Uruguai está aprovando a regulação do setor agora".



(Franklin Martins, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, em debate realizado quarta-feira no Teatro Casa Grande, Rio de Janeiro. Martins foi um dos  debatedores da mesa "Comunicação, Democracia e Reforma Política", promovida pelo Instituto Casa Grande na abertura do ciclo "Território Livre da Democracia – Debates no Teatro Casa Grande". A matéria completa está aqui.
As diretrizes constitucionais sobre comunicação somente poderão ter efetividade após regulamentadas; a pendência, que se arrasta desde 5 de outubro de 1988, é um baita desafio, agravado pelas recentes medidas adotadas pela Argentina, notadamente as relacionados ao grupo Clarín. O empenho dos monopólios/oligopólios brasileiros contra a iniciativa, depois de tais providências, certamente será redobrado).    

PIAUIGREY


Notícia divulgada no mês em curso: cientistas descobrem no Piauí ossos de 3.000 anos. Acima, esqueleto de criança (segundo a fonte). Não localizei menção a sítios arqueológicos da Serra da Capivara, mas aquele é um pródigo celeiro.

O BRASIL NA VISÃO DE AGÊNCIA DE RISCO CHINESA


Agência chinesa dá nota 'A' ao Brasil

A milhares de quilômetros de Nova York, uma agência de classificação de risco vê o Brasil em posição muito mais confortável do que a Standard & Poor’s, a Moody’s e a Fitch. Para a chinesa Dagong Global Credit Rating, o Brasil tem rating "A-". Assim, a agência de classificação de risco estatal da China coloca o Brasil três patamares acima da avaliação anunciada, na segunda-feira, 24, pela Standard & Poor’s.

Ao contrário dos comentários duros contra o governo brasileiro, a Dagong tem avaliação mais amena. A última revisão da nota brasileira foi feita em janeiro, quando reafirmou a nota "A-" e disse que o ambiente para a dívida brasileira é relativamente estável. "A situação política basicamente estável do Brasil e a vantagem da atual presidente Dilma Rousseff na eleição presidencial são fatores favoráveis para a continuidade e estabilidade das políticas", diz relatório divulgado em Pequim.

Os analistas chineses reconhecem, porém, que nem tudo são flores. "O ambiente político interno complexo constrange as reformas estruturais de longo prazo, que são repletas de grandes dificuldades."

Em um ponto Dagong e S&P concordam: a política fiscal. "O déficit fiscal e a situação da dívida pioraram de forma consistente. Afetados pelo gasto que aumentou significativamente, o déficit público aumentou para o equivalente a 3% do PIB em 2013", diz a Dagong. Economistas da agência preveem que a dívida pública subirá para 68,2% do PIB em 2014.

Criada em 1994 pelo governo, a Dagong é a resposta de Pequim às agências ocidentais. Com critérios diferentes dos usados pelas concorrentes, a agência se gaba de ter sido a primeira a rebaixar a nota soberana dos EUA - movimento seguido por S&P, Moody’s e Fitch. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. (Fonte: aqui).

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É sempre salutar ouvir o outro lado, como dizem os profissionais de imprensa e analistas isentos...
Especula-se sobre se, entre outros fatores, a proximidade entre Brasil e China (hoje a nossa maior parceira comercial) estaria por trás da 'atitude' das agências de risco norte-americanas relativamente ao Brasil. Já o 'naftiano' (?!) México, por exemplo, mesmo com certos indicadores inferiores aos nossos, contaria com critérios mais flexíveis de avaliação, razão de ostentar nota bastante confortável atribuída pela S&P.
O fato, porém, é que notícias 'inusitadas', como essa da agência de risco chinesa, não costumam merecer repercussão por parte da mídia.

TRANSPARÊNCIA ENCAPUZADA


Alpino.

SOBRE O MARCO CIVIL DA INTERNET


Marco civil: comemorar é preciso

Por Renato Rovai

 A aprovação do Marco Civil pela Câmara Federal é uma das melhores notícias políticas do Brasil dos últimos tempos. Equivale à criação do Bolsa Família e à aprovação das garantias trabalhistas para empregadas domésticas. É uma lei libertária. E coloca o país num outro patamar do debate internacional da internet.

Não à toa o criador da web, Tim Berners-Lee, pediu de presente de aniversário para o seu invento, que fez 25 anos no último ano, a aprovação da lei. Ele sabe o quanto a legislação brasileira pode reordenar o debate no mundo sobre a garantia de neutralidade e direitos na rede. A internet que ajudou a criar está sob ameaça. E pode se tornar apenas um instrumento de controle e um ambiente de negócios. Há imensos interesses em jogo direcionando-a para esse caminho. Mas o Brasil está ousando pontuar internacionalmente uma nova possibilidade. A aprovação do Marco Civil no Brasil reafirma a internet como um ambiente sem donos, onde a privacidade precisa ser respeitada e num espaço de direitos e de criatividade. Não é pouca coisa. Além disso, ainda permite que a multiplicidade informativa ampliada com a internet não se torne refém das teles.

E como foi que conseguimos aprovar essa lei num ambiente tão desfavorável a ela quanto a Câmara Federal? E como conseguimos escrever essa lei a milhares de mãos e debatendo-a em dezenas de espaços públicos repletos de pessoas com diferentes visões de mundo e da internet? E como foi possível fazer isso operando contra segmentos empresariais poderosos como as teles e a Globo?

Não foi um processo simples, mas foi impressionantemente exemplar. Houve grande descentralidade e horizontalidade na construção do projeto entre os atores da sociedade civil. E, na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ) garantiu à tramitação uma qualidade poucas vezes registrada na costura e aprovação de uma lei.

O caso Snowden, registre-se, foi fundamental para que o Marco Civil se tornasse prioridade para o governo. Foi naquele episódio que a presidenta Dilma percebeu que aprovar a lei era algo fundamental para que o Brasil passasse a jogar um papel de destaque no debate mundial sobre o futuro da internet. E, cá entre nós, o ex-ministro Franklin Martins teve papel importante nisso. Franklin é hoje uma das pessoas de sua geração que mais entende o papel da garantia da liberdade na rede neste processo democrático. E como tem interlocução tanto com a presidenta quanto com o ex-presidente Lula, certamente ajudou-os a entender melhor a questão.

Entre os ativistas, talvez mais de uma centena mereça destaque. E vou cometer injustiças citando alguns, mas vocês podem e devem ampliar essa lista na caixa de comentários. A turma do (Comitê Gestor da Internet) CGI, como o professor Sergio Amadeu e a Veridiana Alimonti foram importantíssimos. O incansável Caribé e a Beatriz Tibiriçá também. O Marcelo Branco, o Ronaldo Lemos, o Pablo Ortellado, o Fábio Malini, a Ivana Bentes, o pessoal do Fórum de Mídia Livre, vários dos blogueiros progressistas e coletivos de cultura digital, a moçada do Intervozes, do Fora do Eixo e de inúmeros pontos de cultura espalhados Brasil afora. O Gilberto Gil, tanto no Minc quanto no manifesto do Avaaz. Vários deputados sérios, principalmente do PT, Psol e PCdoB. Mas não apenas desses partidos. Mesmo no PMDB houve quem ajudasse no debate da aprovação, como o deputado João Arruda, do Paraná.

O governo também foi de suma importância. E fez a diferença quando a chantagem tomou conta da Câmara na ação do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Dilma decidiu comprar a briga e ontem a palavra Marco Civil se tornou sinônimo de festa. Foi certamente a lei mais celebrada na história das redes. E tende a fazer história não só por aqui.

Mas o jogo ainda está sendo jogado. Ela vai para o Senado e depois precisa ser sancionada pela presidente. E as teles ainda não desistiram. Já estão divulgando que ela permite vender pacotes. Ou seja, comemorar é preciso, mas com um olho na gato e outro no peixe. (Fonte: aqui).

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Reparo feito - aqui - pelo jornalista Jânio de Freitas:

A primeira intransigência do black blocão criado pelo PMDB na Câmara foi derrotada, com a aprovação do "Marco Civil da Internet" incluindo os itens repelidos pelo deputado Eduardo Cunha em nome da tropa. Mas desse avanço para a internet no Brasil não se deduza que, em sua área, tudo está resolvido.

O projeto aprovado pela Câmara pode até surpreender, em se tratando dos deputados. Leva para a apreciação do Senado, porém, um problema de extrema gravidade: a proteção moral das pessoas ficou, na prática, reduzida a nada. Salvo em caso de obscenidade pessoal, a vítima de postagem difamatória ou injuriosa não terá como obter a retirada senão com recurso judicial. Ou seja, com a velocidade do Judiciário, o difamado de amanhã só terá a difamação retirada em tempo de que seu futuro neto não a encontre ao se tornar internauta.

O direito dos difamados não pode desaparecer em uma lei que se chamará de "Marco Civil".

MENTALIDADE BRASIL (II)


Duke.

sexta-feira, 28 de março de 2014

MENTALIDADE BRASIL


Lute.

STF: QUESTÃO DE FORO


Ontem, 27, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por oito votos a um, que o ex-governador e ex-deputado federal Eduardo Azeredo, envolvido no "mensalão tucano", deve ser julgado pela primeira instância, não obstante sua renúncia ao cargo na Câmara Federal se tenha revestido de nítido propósito escapista e a despeito do incisivo parecer condenatório do Procurador-geral da República.

O STF foi ao ponto: o tucano mineiro renunciou ao mandato de deputado federal e, com isso, perdeu a prerrogativa de foro.

Perfeito - valendo lembrar o velho ditado: onde a Lei não distingue, a ninguém é lícito distinguir.

Fica definitivamente evidenciado, diante da decisão acima, o erro em julgar, na Ação Penal 470, pessoas que nada tinham a ver com foro privilegiado, como José Dirceu e Delúbio Soares.

Diante do exposto, não causará surpresa futuro acatamento, pelo STF, de pedido de revisão criminal da AP 470 - oportunidade em que outros 'furos', como a famosa teoria do domínio do fato, virão à tona.

IMPRENSA: DOIS CASOS NADA EDIFICANTES


Os cabelos da Coreia do Norte e a falência do jornalismo

Por Michel Arbache

Receita prática e rápida de jornalismo barato: pegue uma notícia esdrúxula numa agência de notícias qualquer, adicione uma dose generosa de pimenta sensacionalista, bata tudo no liquidificador e sirva, sem filtrar, para que os desavisados saiam por aí papagaiando para ajudar a mídia a vender mais notícia barata. A última foi o que a mídia nacional noticiou, ou, ecoou: “homens são obrigados a usar o mesmo corte de cabelo na Coreia do Norte”. Quando vi tal notícia no telejornal mais visto do Brasil, eu, escaldado pela gloriosa velha mídia, comentei com quem assistia comigo: quer apostar que essa notícia é falsa? Fui à internet e não deu outra: não há confirmação alguma sobre a veracidade da notícia, que partiu da BBC.

O curioso é que a senha para o desmonte do factoide está na própria notícia disponível no site da BBC, na base da malandragem da “uma fonte ouvida”; ou: “há relatos conflitantes”. Bom, essa coisa de “fonte”, a vaca sagrada do jornalismo (para o bem ou para o mal), é tão confiável como aquela fofoca que você ouviu a respeito do seu chefe a partir do relato do seu colega, que ouviu do vizinho, que ouviu do amigo de um primo que é muito amigo do irmão do chefe. Tudo fonte fidedigna, claro, não importa que você não tenha entendido bulhufas sobre a engenharia da rede de informação do colega.

Voltemos aos cabelos da Coreia do Norte. Pesquisando um pouco mais, você descobre que alguns poucos - porém criteriosos -  informativos desconfiam da tal notícia. O jornal israelense Haaretz, por exemplo, lembra que as extravagâncias do líder norte-coreano Kim Jong-un e mais as dificuldades de se verificar a veracidade da notícia num regime fechado como a Coreia do Norte, dão margem a toda sorte de “criatividade jornalística”.  O que existiria de fato – segundo relatos, frise-se – seria uma campanha na Coreia do Norte para que os homens não usem cabelos compridos. E só. Tal informação teria surgido em 2008 quando o jornal japonês (epa!) Mainichi Shimbun, sem citar fontes críveis, teria noticiado que Kim Jong-il (pai de Kim Jong-un), que adorava basquete, teria torcido o nariz ao ver jogadores de um time norte-coreano de cabelos compridos. “Isso é time de homens ou de mulheres?” - teria comentado o ex-líder norte-coreano, falecido em 2011. Logo após aquele jogo de basquete, o governo teria espalhado avisos (ninguém sabe informar se é proibição ou orientação) em locais de trabalho para que homens evitassem usar cabelos compridos. Em seguida, um viral na internet passou a espalhar a “notícia” de que a Coreia do Norte havia liberado apenas 28 tipos de cortes de cabelos – 14 para homens e 14 para mulheres; a “Radio Free Ásia”, que é bancada pelos EUA (epa! epa!), fala em 10 cortes para homens e 18 para mulheres. Uma pequena divergência ante um contexto tão idôneo, criterioso e relevante com que o jornalismo ocidental presenteia a humanidade, não?!

Moral da história: com dez minutos de pesquisa na internet, foi fácil para um usuário de computador verificar o contraditório que afronta o factoide. Se a velha mídia – com toda a sua estrutura (financeira, humana, estrutural e técnica) – é incapaz, ou melhor, não faz questão alguma de verificar isto, é sinal de que, para a indústria da informação, a verdade factual se tornou, há um bom tempo, subproduto descartável ante a facilidade de se inventar, manipular e vender uma notícia turbinada para ficar atraente. E se o jornalismo irresponsável tem tal facilidade é porque sabe que, na outra ponta, a maioria das pessoas acatará como verdade – esmagando a minoria com senso crítico que ainda teima em prezar o bom jornalismo e gritar por ele. (Fonte: aqui).

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Ainda no âmbito da imprensa nacional, convém destacar a denúncia a seguir. Funcionou assim: dez dias atrás, a Globo recebeu os números da pesquisa CNI/Ibope sobre a corrida eleitoral para a Presidência da República. Então, 'dividiu-a' em duas partes: 

A) parte boa para o governo: percentuais de intenção de votos nos candidatos, com Dilma Rousseff com os mesmos 43% da pesquisa anterior, ganhando no primeiro turno, Aécio Neves com 17% e Eduardo Campos amargando 7%;

B) parte ruim: avaliação sobre o governo Dilma: queda em ótimo/bom, empatando com regular, e  ruim subindo. 

O que fez a Globo? Divulgou no mesmo dia, como de praxe, a pesquisa, mas apenas a parte boa (dez dias atrás!), e somente ontem, 27, por coincidência dia da exibição do programa do PSB no horário eleitoral, mostrou a parte ruim, como se desejando levar o espectador a pensar: "Ora, se há alguns dias o percentual de votos de Dilma estava em 43%, depois dessa deve ter caído!". 

Esse grave caso de divulgação fatiada de pesquisa passou batido, numa boa, e os informativos das demais emissoras e publicações em geral engoliram direitinho a manobra.

No mais, como diria João Saldanha, vida que segue.

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Após a versão acima exposta, surgiu possibilidade - AQUI - ainda mais grave...

ROCKABILLY


Luigi Rocco.

DA SÉRIE O RISCO DE CRÉDITO E OS BONS PARCEIROS


O México entregou seu petróleo ao interesse externo, apresenta maus indicadores sociais e econômicos e continua sufocado pelo narcotráfico - o que não impediu a agência Standard & Poor's de brindá-lo com a nota BBB+. Por que será?

Clique aqui, para colher interessantes subsídios.

O PIANISTA


Piotr Kulinich. (Rússia).

quinta-feira, 27 de março de 2014

PICLES NOTICIOSOS



A pesquisa foi divulgada por todos os jornais globais? Elementar: os números são desfavoráveis ao Planalto.


Desemprego em fevereiro é o menor para o mês na série histórica desde que em vigor a sistemática de aferição observada pelo IBGE (março de 2002). No UOL, a manchete não mereceu de imediato o olho da rua, mas momentos após divulgada foi jogada para o rodapé da telinha.


Standard & Poor's rebaixa a nota de 13 bancos, estatais e privados. Itaú e Bradesco entre eles. Saída global: dar a manchete, claro (visto que desfavorável...), mas omitir os nomes das instituições.


Resolução da ONU condena incorporação da Crimeia pela Rússia, sob a alegação de que a consulta popular do último dia 16 na Crimeia é inválida por não ter sido aprovada pelo governo da Ucrânia. Ignora-se se a validade jurídica do golpe que destituiu o governo ucraniano anterior foi posta em discussão.


O embaixador da Ucrânia no Brasil exorta o País a manifestar-se contrariamente à anexação da Crimeia pela Rússia. Já, já, analistas iluminados seguirão o mesmo caminho: solenes editoriais exigirão que o Brasil rasgue alguns dos princípios de regência alinhados no artigo 4º da Constituição Federal e não só subscreva a resolução da ONU, mas rompa relações comerciais com a Rússia - o que, além de afetar nossos interesses comerciais, feriria o BRICS, para alegria de muitos.

OLD WAR

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Em março de 1964, o democrata Lyndon Johnson pôs em prática a ideia de John F. Kennedy de lançar a WAR ON POVERTY, a guerra à pobreza. Consta que, ao longo desses 50 anos, o montante despendido no combate alcançou 15 trilhões de dólares (praticamente o atual PIB americano). Na charge abaixo, o cicerone Tio Sam, no labiríntico Memorial da Guerra à Pobreza, diz a seus convidados, nos dias de hoje: "Acho que caímos numa armadilha" - insinuando que de nada valeu a iniciativa, pois atualmente os pobres norte-americanos corresponderiam à população de Portugal e Grécia. Subrepticiamente, pretende-se desmerecer os programas sociais governamentais e eleger a livre iniciativa como única alternativa de progresso. É a defesa do american way of life, tão louvado pelos WASP e seus fãs.

                      Tio Sam: "Acho que caímos numa armadilha."

Nate Beeler. 

Quanto ao Brasil, clique aqui, para ler "Brasil está mostrando o caminho na luta contra a pobreza, diz presidente do BIRD", que dá conta de que "O presidente do Banco Mundial (BIRD), Jim Yong Kim, ressaltou (...) que o Brasil está à frente de parte fundamental do esforço do organismo internacional para combater a pobreza. Isso é possível, segundo ele, por meio da "Iniciativa Brasileira de Aprendizagem para um Mundo sem Pobreza" (WWP, World Without Poverty). (...)."

TALK SHOW


"Ele não tem vaidade. Ele faz o seu trabalho e chega preparado. Se está falando com o autor de um livro, ele leu o livro. Ele cativou a burguesia americana sem ofender os intelectuais e nunca disse nada que não fosse liberal ou progressista."




(Do cineasta Billy Wilder, sobre Johnny Carson, o norte-americano apresentador de TV que consagrou o formato do sujeito que recebe gente num show de variedades - talk show - sintonizado no padrão monólogo de abertura, entrevista, música, comédia. Carson, que manteve no ar o 'Tonight Show' ao longo de 30 anos, lançou nomes como David Letterman, Jay Leno, Jerry Seinfeld, Ellen DeGeneres e Drew Carey.
A citação de Wilder sobre Carson foi feita por Kiko Nogueira, em post sobre os três talk shows atualmente oferecidos pela televisão brasileira no início da madrugada. Para saber a avaliação de Nogueira acerca dos seguidores brasileiros de Carson, clique aqui).

POLUIÇÃO, FLAGELO MUNDIAL


Lute.

DITADURA, PONTO


O que aprendi sobre a ditadura

Por Carlos Orsi

Nas últimas semanas, entrevistei uma série de professores da Unicamp sobre a ditadura de 64-85 e seu legado. Foram horas de conversa com historiadores, cientistas sociais, críticos de arte e de literatura. O resultado aparece na edição de 1º de abril (pois é) do Jornal da Unicamp, e se me permitem dizer, representa uma das coisas mais relevantes que já fiz em quase 25 anos de jornalismo.

As avaliações que coletei foram bem nuançadas, com alguns méritos reconhecidos (expansão do ensino público, modernização da economia), alguns bichos-papões redimensionados (a censura pegava mais no pé da música brega que da música de protesto, o regime foi amicíssimo do cinema nacional). Tudo isso, coisa que dá para discutir ad eternum. Mas o que sempre ficou claro, em todas as conversas, em todos os balanços, foi um dado só, constante: essa porra foi uma ditadura.

Não há méritos, não há conquistas, que "relativizem" isso. E esta talvez seja a faceta mais difícil de capturar e transmitir: o que é uma ditadura. Para nós, que vivemos numa democracia, e onde o discurso dito "sofisticado" se apropria da palavra como metáfora, quase até castrá-la ("ditadura do mercado", "ditadura da beleza", "ditadura do agronegócio", "ditadura gay", etc., etc.) a consciência do estar-em-ditadura não existe.

Como quem nunca viu uma vítima de pólio pode acabar acreditando que vacina é frescura, quem só tem a experiência da liberdade pode acabar achando que esse negócio é supervalorizado. Não é. "Melhor ter pão que liberdade". E sem liberdade, como você vai saber se o seu vizinho tem mesmo pão? Quem o seu vizinho vai avisar quando o pão dele acabar? Quem você vai avisar?

Ditadura -- qualquer ditadura, seja de esquerda, de direita, alienígena, genocida, complacente, "ditabranda", etc. -- pressupõe o exercício do poder sem freios, sem peias, sem necessidade de prestação de contas. Numa ditadura, não só Amarildo teria desaparecido, como as pessoas teriam medo de falar nele: medo de se exaltar perto de um vizinho dedo-duro. Medo de desaparecer, também, na calada da noite.

Existe algo, uma experiência da opressão, o medo que paira no ar, a sensação de que toda autoridade é arbitrária, de que direitos fundamentais na verdade são privilégios que podem ser revogados a qualquer momento, dependendo do humor do guarda da esquina: de que não há recurso, ouvido ou apelação -- existe algo que não aparece nos dados do PIB, nas estatísticas de saúde pública, nos números da educação. Mesmo se a ditadura tivesse sido o sucesso tecnocrático que seus ideólogos esperavam (e não foi: é sempre bom lembrar que entregou à sociedade civil um país na lona, destruído e desmoralizado), não teria valido a pena. Porque era uma ditadura.

E há a questão das Comissões da Verdade. Que os opressores de ontem dizer ser "unilaterais". Curioso. Todo mundo sabe quem sequestrou o embaixador X ou assaltou o banco Y. Todo mundo sabe, também, que muitas dessas pessoas foram punidas -- nos porões, com tortura, com exílio, com a morte. Agora, quem matou Herzog? Quem assassinou Rubens Paiva? Ninguém sabe. Quem foi punido? Há uma assimetria, uma "unilateralidade" nessa situação, sim. Só que não é a que se propaga por aí.

Depois da mentira de que liberdade e democracia são luxos negociáveis, a maior de todas é a de que havia alguma simetria na luta entre os agentes da repressão e os guerrilheiros de esquerda. "Excessos foram cometidos dos dois lados", diz a platitude corrente.

Mesmo que aceitando, por um só instante e para fins de argumento, que todas as vítimas da ditadura eram assaltantes, sequestradores e terroristas (e não também intelectuais, políticos, artistas, gente comum que só estava no lugar errado e na hora errada), existe uma diferença brutal entre criminosos cometendo crimes, de um lado, e agentes públicos valendo-se do aparelho do Estado para impor o terror, torturar e punir extrajudicialmente, do outro. Bandidos desrespeitam direitos humanos, e é por isso que são bandidos. Um Estado que se iguala a eles torna-se algo muito pior.

Voltando às entrevistas para o Jornal da Unicamp, outro ponto que a maioria dos professores que ouvi fez questão de deixar claro foi que se tratou não de uma "ditadura militar", mas de uma ditadura civil-militar. Como um deles me disse, os militares não "roubaram" o país da sociedade civil, mas sim, uniram-se a parte dessa sociedade: juntos, esses dois grupos apossaram-se do Brasil, com os resultados trágicos conhecidos. Esses civis -- entre eles, alguns que são peças-chave da base do governo do PT e, a acreditar nas foto-ops que circulam por aí, amigos do peito do ex-presidente Lula -- não foram "apoiadores" da ditadura militar, como damas constrangidas arrastadas para um baile pelos maridos rabugentos. Foram, isso sim, parte integral dela. (Fonte: aqui).

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'Foram, isso sim, parte integral dela'. Nenhum reparo; mas bem que seria cabível aludir à sensibilidade de Lula, que, com acerto, percebeu inexistir chance para a governabilidade num cenário marcado pelo sectarismo. Qual seria a alternativa a isso? 
As comissões da verdade seguem em pleno vapor, o que é eloquente demonstração de regime democrático. Quem tiver sido parte integral da ditadura e  incorrido em ilegalidades que seja enquadrado pelas comissões. A despeito, claro, da anistia - aprovada ainda no curso do regime ditatorial e posteriormente ratificada pelo STF, medida que poderá vir a ser tornada sem efeito por instâncias externas.

CROP CIRCLES


Glennz.

FLAGRANTE EUROPEU


Luojie.

quarta-feira, 26 de março de 2014

MARCO CIVIL DA INTERNET: INICIATIVA POSITIVA


Marco civil democratiza internet e traz segurança à população

A garantia da liberdade de expressão, da privacidade dos internautas e do tratamento sem discriminação por empresas são os principais avanços do marco civil da internet, de acordo com defensores do projeto (PL 2126/11). (...).

“O marco civil não vai mudar a internet, vai proteger a internet para que ela continue funcionando como vem funcionando. Ele vem para barrar essas ameaças à rede”, disse a integrante do Coletivo Intervozes Bia Barbosa.

A neutralidade é o ponto mais defendido. Esse princípio proíbe empresas de discriminar os dados dos usuários – tornando mais lento o acesso a alguns sites ou aplicativos ou vendendo o acesso por produtos (apenas e-mail, apenas redes sociais).

Para o diretor do site avaaz.org, Michael Mohallem, a neutralidade vai impedir que grandes empresas dominem o tráfego da internet. “O Google, o Netflix, o Facebook não vão poder negociar com provedores para que os seus serviços tenham privilégio na rede e sejam acessados numa velocidade superior do que o serviço de um concorrente menor que não tem como pagar”, explicou Mohallem.

Esse princípio, segundo ele, é o que permite que a internet seja um campo de inovação. “Numa internet sem neutralidade, um aplicativo inovador pode até ser lançado, mas ele não vai chegar ao conhecimento dos internautas e não poderá ser acessado livremente a não ser que pague por essa prioridade no tráfego dos dados”, disse o diretor do avaaz.org.

O Coletivo Intervozes e o avaaz.org fazem parte do movimento “Marco Civil Já”, que acompanhou de perto a votação do projeto em Plenário. Antes da votação, representantes do avaaz, que organiza petições na internet, vieram à Câmara entregar 344 mil assinaturas pedindo a aprovação do marco civil com a neutralidade de rede. (Para continuar, clique aqui).

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O Senado promete votar o projeto com celeridade. Em abril, o Brasil receberá representantes de vários países para cuidar da questão, agravada a partir da constatação de violação perpetrada pela NSA envolvendo as comunicações do Palácio do Planalto e da Petrobras. Será estratégico para o País, na oportunidade, já contar com lei que discipline o assunto.

FORTUNA, O CARTUNISTA DOS CARTUNISTAS


Nos vinte anos de sua morte, o legendário Fortuna (1931-1994), cartunista dos cartunistas, será homenageado com o lançamento de livro organizado por Cássio Loredano, a ser lançado amanhã, 27, no Rio de Janeiro. Nada mais coerente: um monstro sagrado, em trabalho coordenado por um mestre das artes gráficas.

Aqui, alguns dos posts sobre Fortuna e/ou desenhos de sua autoria publicados neste blog.

Fortuna era também sutil escritor, e assinava seus textos como Professor Reginaldo. Tomara que a homenagem preparada inclua crônicas do Professor!

OLD CARTUM


Fortuna. (Nos anos de chumbo...).

EUA RÚSSIA: TENSÃO NO TABULEIRO GEOPOLÍTICO


EUA e aliados empurraram Rússia a intervir na Ucrânia

Por Reginaldo Mattar Nasser (*)

A escalada da crise na Ucrânia fez com que as bravatas belicistas atingissem o seu mais alto nível nos EUA. Alguns anunciam uma Nova Guerra Fria, outros não ficam por menos e já prevêem uma Terceira Guerra Mundial. A ex-secretária de Estado, Hillary Clinton, comparou as ações de Putin com o que fez Hitler no acordo de Munique em 1938. Reportagens, editoriais e comentários nos principais jornais, como New York Times e Washington Post, já não respeitam padrões mínimos do jornalismo. (Distorting Russia. How the American media misrepresent Putin, Sochi and Ukraine. Stephen F. Cohen March 3, 2014 edition of The Nation) Tem razão o professor Stephen Cohen quando observa que a cobertura que a mídia norte-americana faz hoje, sobre a crise na Ucrânia, é menos objetiva e equilibrada do que quando cobriam a União Soviética durante a Guerra Fria.

Alguns analistas tentam encontrar os desígnios do Líder Russo num longínquo passado heróico dos Czares. Revanchismo, desejo de vingança, ódio, complexo de superioridade são algumas das adjetivações que têm se repetido nos últimos dias na tentativa de compreender a anexação da Crimeia pela Rússia.

Mas, será que não podemos admitir, ainda que hipoteticamente, que Putin esteja agindo de modo racional, capaz de pesar os custos, benefícios e consequências associados aos seus propósitos?

Não precisamos lembrar que é evidente que Putin possui todos os atributos de alguém que foi treinado para ser um agente da KGB que já pode demonstrar, fartamente, o modo autoritário que governa a Rússia durante mais de uma década. Mas isso não significa dizer que ele não compreende os riscos de uma ação tresloucada.

Convenhamos que, nesse momento, Putin poderia até transformar a Rússia em “Estado pária” agindo militarmente na Ucrânia. Mas sua ação foi ponderada, levando em consideração as circunstâncias altamente explosivas, o que fez com que sua popularidade entre os russos aumentasse. (Is Putin Rational? Probably. Here's How to Work With Him Alexander J. Motyl March 18, 2014).

A Alta Representante da União Europeia, Catherine Ashton, declarou que estava "tentando enviar os sinais mais fortes possíveis para a Rússia... tentando garantir que eles compreendessem a gravidade da situação." Ora, quem realmente que não consegue entender a gravidade? Rússia ou os EUA e seus aliados (qualificação mais apropriada do que Ocidente)? ( A Coup in Crimea—or in Russia? By Scott McConnell • March 19, 2014 )

Nas semanas tensas que se seguiram à mobilização popular em Kiev vários senadores dos EUA fizeram da praça Maidan seu palanque favorito para atacar a Rússia e seus líderes, causando frisson na  grande mídia. O senador republicano John McCain apareceu nos jornais e redes de notícias fazendo discursos inflamados ao lado de conhecidos neonazistas ucranianos. (Sen. John McCain appearing with Ukrainian rightists at a rally in Kiev.) Na sequência do golpe, foi montado um governo com pessoas claramente hostis à Rússia, principalmente nos cargos de segurança e defesa. (Who's Who In Ukraine's 'Kamikaze' Cabinet)

Na verdade, todo esse processo ocorreu da seguinte maneira: os EUA e aliados “empurraram” a Rússia para (a) intervenção, sabendo claramente que não restaria a Putin nenhuma outra opção a não ser a anexação da Crimeia. Era isso ou a submissão.

A premiada jornalista norte-americana Anne Applebaum, especialista em questões do leste europeu, chegou à seguinte conclusão: desistam! A Rússia não é como nós (ocidente) e também não é uma potência ocidental fracassada que pode ser convertida. A Rússia é uma potência antiocidental com uma visão diferente da política internacional!

O “Ocidente” (isto é, os EUA e seus aliados) "força" a intervenção e, quando ela ocorre, eles se dizem indignados. Esta não é uma tática que soa familiar aos padrões de ação internacional de Washington?

Ações norte-americanas de “pró-democracia” chegam à porta russa

O presidente do National Endowment for Democracy, Carl Gershman, um dos principais distribuidores de dinheiro para ações "pró-democracia" no mundo, e que contribuiu nos protestos em Kiev, advertiu, ano passado, que Putin arriscava perder não apenas os vizinhos mais próximos, mas a própria Rússia.  Há dois anos, McCain tuitou, "Querido Vlad, Primavera árabe está chegando nos vizinhos perto de você." (A Coup in Crimea—or in Russia? By Scott McConnell • March 19, 2014 ).

Robert Craig, secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan, um dos cofundadores da Reaganomics, tem posições opostas aos de seus ex-aliados republicanos que conhece muito bem. Para Craig, quem esta sob ataque, no momento, não é a Ucrania, mas a própria Russia.

Tudo isso faz com que voltemos ao inicio dos anos 80 para compreender qual a doutrina que está sendo adotada no momento. De acordo com a versão oficial da história, a ajuda da CIA para os Mujahadeen teve início em 1980, depois que o exército soviético invadiu o Afeganistão em dezembro de 1979. Mas, na verdade a história da guerra começou, em 3 de julho de 1979, quando o então presidente Carter assinou a ordem para ajuda secreta aos opositores do regime pró-soviético de Cabul.  Vinte anos depois (1998), o então secretário de segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski, veio a público esclarecer que naquele mesmo dia ele escreveu uma nota ao presidente explicando que esta ajuda iria induzir uma intervenção militar soviética. (January 15, 1998 Zbigniew Brzezinski)

Brzezinski e Bernard Lewis eram membros do Grupo Bilderberg, formado, em 1979, quando formularam a estratégia angloamericana para o Oriente Médio. Lewis argumentou que o Ocidente deveria encorajar grupos tribais e religiosos a reivindicar sua autonomia. Se o poder central é suficientemente enfraquecido, não há verdadeira sociedade civil para manter uma identidade nacional. O caos político poderia transbordar para as regiões muçulmanas da União Soviética, configurando aquilo que Brzezinski denominou "arco de crise". (ver entre outros. Robert Dreyfuss, Devil’s Game: How the United States Helped Unleash Fundamentalist Islam. Owl Books, 2005)

No final da década de noventa, Brzezinski publicou um livro bastante comentado entre os policymakers norte-americanos (“The grand chessboard: American primacy and its geostrategic imperatives”, 1997). Nele, preconizava que uma nova ordem mundial, sob a hegemonia dos EUA, deveria ser criada contra, e sobre, os fragmentos da URSS. Nesse sentido, a Ucrânia aparecia como o posto avançado de uma estratégia para evitar a recriação do Império Soviético.

Em artigo escrito numa das mais importantes revistas norte-americanas sobre Política Internacional, Foreign Affairs, em 2010 (,,,), Brzezinski avalia positivamente o governo Obama, que “tem demonstrado um genuíno senso de direção estratégica, uma sólida compreensão do mundo de hoje e um entendimento sobre o papel que os EUA deveriam assumir”. Mas, fez algumas ponderações sobre suas relações com a Rússia.

Para Brzezinski, os EUA deveriam prosseguir uma política de duas vias: tem de cooperar com a Rússia sempre que for mutuamente benéfico, e não deve tolerar “ações de intimidações” na Geórgia ou na Ucrânia (“heartland” industrial e agrícola da URSS). Qualquer hesitação dos EUA, adverte Brzezinski, seria um passo para trás estimulando a nostalgia imperial da Rússia e os temores de segurança da Europa central. Acrescentou ainda, em tom de conselho, que os EUA e a UE deveriam ser mais ativos e sensíveis às aspirações europeias da Ucrânia.

Reafirmar o interesse de longo prazo dos EUA, esclarece Brzezinski, é fortalecer o “pluralismo político dentro do antigo espaço soviético”.

Soa algo exagerado afirmar que estamos iniciando uma Nova Ordem Mundial, mas podemos afirmar, com razoável grau de certeza, que o leste Europeu será importante foco de tensão, além de impactos consideráveis nas questões Síria e Irã (acordo Nuclear).

(*) Chefe do Departamento de Relações Internacionais da PUC(SP) e professor do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e Puc-SP). - (Fonte: aqui).

A ARTE E OS CRÍTICOS CAVERNOSOS


Rodrigo Chaves.

terça-feira, 25 de março de 2014

AINDA A NOTA DO BRASIL


Enquanto a Rede Globo abre generosas alas para os mais sombrios comentários sobre a economia brasileira, face ao rebaixamento da nota atribuída pela Standard & Poor's, de BBB para BBB-, outros veículos se dispõem a colher outras avaliações (inclusive sobre a própria 'julgadora'), como se vê abaixo:

'Que significado isso tem? Isso é coisa de estelionatários', afirma Belluzzo

Por Luiz Guilherme Gerbelli

O ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Luiz Gonzaga Belluzzo classificou de "estelionatária" a decisão da agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P) de rebaixar a nota do Brasil de BBB para BBB-. "O que vem a ser isso, essa decisão das agências? Que significado isso tem? Isso é coisa de estelionatários. Eles, na verdade, participaram de um estelionato na crise de 2008."
Na avaliação de Belluzzo, haverá um "tremelique" no mercado, mas pouca coisa deve mudar por causa da baixa credibilidade das agências.
A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado.

Como o sr. analisa a decisão da agência de rebaixar o Brasil?
Eu acho que as agências de risco não têm nenhuma credibilidade depois da crise de 2008. Elas é que deveriam ser rebaixadas. Como se pode acreditar numa agência de risco que deu nota AAA a um pacote de créditos sem que soubessem o que tinha dentro? O que eles alegaram agora? Que piorou a situação de endividamento da economia brasileira? Mas qual é a nota que elas (agências) dão aos Estados Unidos e à França?

A decisão foi injusta, então?
A dívida brasileira é de 60% do Produto Interno Bruto (PIB), a dívida líquida de 30%. O Brasil teve superávit todos os anos, caiu um pouco agora, para 1,9% do PIB. Mas ainda assim somos um dos poucos países com superávit. O que vem a ser isso, essa decisão das agências? Que significado tem? Isso é coisa de estelionatários. Eles, na verdade, participaram de um estelionato na crise de 2008. É inacreditável ter que dar um opinião sobre uma coisa tão evidentemente inexpressiva, todo mundo acredita na S&P, na Moody's, mas esse pessoal das agências nem formação econômica decente tem.

Qual o impacto que essa decisão pode trazer para o mercado?
Vai mudar muito pouca coisa. Eu acho que a reputação delas (das agências) não justifica uma mudança muito importante. Vai ter, claro, uns tremeliques aí, mas nada definitivo.

Onde estarão esses sinais?
Talvez você tenha alguns tremeliques no mercado de ativos porque isso afeta um pouco a expectativa dos agentes.

O governo tentou melhorar a comunicação com o mercado. A tentativa foi em vão?
Me parece que essa decisão de rebaixar estava tomada há algum tempo, mas o efeito vai ser muito passageiro. Como o Brasil continua com grau de investimento, vai haver um pouco de turbulência e depois as coisas voltam ao normal. Outra coisa: no Brasil, quando a inflação mostrou um pouco de ímpeto, o BC imediatamente elevou a taxa de juros, mas enfim, não há o que fazer. Estamos sob a observação desses estelionatários, vai se fazer o quê? Como uma pessoa honesta pode acreditar nas avaliações deles ao longo dos anos 2000 até a crise? Se você ler o relatório do Congresso americano, feito depois da crise, você vai ver que as referências ao comportamento das agência eram casos de mandar para a cadeia. Eles burlaram a confiança dos investidores, de todo o mundo. (Fonte: aqui).

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Há quem atribua o comportamento das agências de risco, antes e depois da eclosão da crise mundial de 2008 - e especialmente essa atitude de agora contra o Brasil, em pleno ano eleitoral -, a um motivo singelo: a Standard age em sintonia com outras instâncias, locais e externas. Daí, certamente, Belluzzo ter afirmado "que essa decisão de rebaixar estava tomada há algum tempo"...