sábado, 31 de dezembro de 2016

FELIZ ANO NOVO


Domacedo.

....

Mãos dadas
Carlos Drummond de Andrade

Não serei o poeta de um mundo caduco
Também não cantarei o mundo futuro
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças
Entre eles, considero a enorme realidade
O presente é tão grande, não nos afastemos
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história
Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida
Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes
A vida presente

A ESPERANÇA É IMORTAL


Claudius.

COMO SE O FUTURO FOSSE UMA BOMBA PRESTES A EXPLODIR (II)


Cinco filmes para ver depois do Ano Novo

Por Wilson Ferreira, no Cinegnose.

Cinco filmes sobre o Ano Novo para ver depois das comemorações do Ano Novo. Filmes que vão do humor politicamente incorreto, humor negro ao pessimismo filosófico e ao próprio fim do mundo. Filmes que nos fazem pensar sobre as principais instituições que envolvem essas festas: a contagem regressiva, as promessas para o próximo ano, o futuro e o passado. Rituais que cuidadosamente repetimos todo ano. Mas se o leitor quiser assistir antes das festas da virada de ano, é por sua conta e risco...




1. “200 Cigarrettes” – Ano Novo, cigarros e a geração MTV

O filme “200 Cigarettes” (1999) é um programa oportuno para essa época de comemorações do ano novo, pois nos faz refletir sobre o tempo e as mudanças da cultura e identidade entre as gerações X, Y e Z. 

Por que na virada para o terceiro milênio, a MTV produziu um filme tão nostálgico, cuja história se passa na noite de ano novo de 1981? “200 Cigarettes” é o testamento de uma geração que a MTV soube muito bem moldar, aquela que acreditava que a própria vida poderia ser um vídeo clip. 

Porém, não esperava que a cultura punk DIY (Do It Yourself – “faça você mesmo”) que ela ajudou a destruir com a cultura pop retornaria como vingança, dessa vez renascida pela Internet 2.0. Mas o mal estar da incomunicabilidade permanece porque os meios digitais se tornaram nada mais do que uma nova plataforma comercial.


2. Curta “Dinner For One” – tenha um final de ano politicamente incorreto

Por que TVs europeias, principalmente alemãs, a cada 31 de dezembro exibem um velho curta em preto e branco chamado Dinner For One, desde 1963? Alemanha, Leste Europeu e países nórdicos exibem todo final de ano o curta original ou versões com um humor mais politicamente correto. 

Dinner For One é a síntese da fleugma e humor negro inglês: uma senhora da alta sociedade comemora seus 90 anos e um mordomo finge servir a convidados em uma grande mesa de jantar com cadeiras vazias – são os lugares de amigos de outras comemorações, já falecidos. Um bizarro mix de embriaguez involuntária, morte e aniversário. Por que a cada final de ano os europeus continuam assistir fascinados a esse estranho curta?




3. “A Roda da Fortuna” – a gnose de Ano Novo

Vale a pena assistirmos ao filme “A Roda da Fortuna” (The Hudsucker Proxy, 1994) dos irmãos Coen. Ainda mais nas comemorações de chegada do Ano Novo, onde todos parecem querer capturar e reter um momento no tempo, que então já será passado. 

Por isso, “A Roda da Fortuna” é um grande filme para ser visto e refletido nesses últimos momentos de ano velho. Uma fábula sobre os nossos vícios temporais que estão sempre presentes em todo final de ano: ou caímos no tempo linear (as famosas promessas e desígnios para o ano novo) ou no tempo cármico - a ilusão de que tudo depende de nossa vontade para a roda da fortuna girar, sem entendermos que somos prisioneiros da cilada do “eterno retorno”.



4. “Last Night” – Ano Novo e o fator humano no fim do mundo

Não sabemos como e por que o mundo vai acabar à meia noite nas comemorações do Ano Novo. Habitualmente nos filmes-catástrofes hollywoodianos temos muita ação, destruição e explosões que acabam desviando a atenção do espectador do sintoma cultural que representa a recorrência do tema fim do mundo no cinema.

Ao contrário, no canadense Last Night (1998) a narrativa disseca uma variável que nenhum filme-catástrofe desenvolve: o fator humano. No filme não há ônibus espaciais, generais estressados ou cientistas heroicos. Apenas pessoas comuns que tentam realizar seus últimos desejos antes do fim. E esses desejos transformam-se em termômetro do mal estar cultural que estava por trás da histeria midiática do “novo milênio” no final do século XX.





5. “Lua de Fel” – quando a contagem regressiva do final de ano é uma bomba-relógio

Mais um final de ano e outra contagem regressiva para a meia-noite. Por que essa contagem, como fosse uma bomba relógio? Essa é uma pergunta feita por pensadores como Jean Baudrillard até chegarmos ao filme Lua de Fel (Bitter Moon, 1992) de Roman Polanski. (...)

(Sobre 'Lua de Fel', veja AQUI).

NEW WORLD 2017


Erdogan Basol. (Turquia).

ATÉ O FIM


Jarbas.

POLANSKI: COMO SE O FUTURO FOSSE UMA BOMBA PRESTES A EXPLODIR


Em 'Lua de Fel' a contagem regressiva de fim de ano é uma bomba-relógio

Por Wilson Ferreira

A contagem regressiva para o Ano Novo sempre foi a principal instituição do réveillon. Na rápida contagem regressiva de dez segundos é como se repassássemos nossas resoluções para o próximo ano, transformando mente e alma em uma página em branco novinha em folha.

O pensador Jean Baudrillard via com desconfiança essa contagem regressiva, fazendo uma analogia com a contagem regressiva de uma bomba prestes a explodir – a liquidação de todo e qualquer futuro em uma contagem regressiva, o futuro transformado em bomba relógio - Baudrillard chamava de "necrospectiva" -clique aqui.

Por trás da comemoração de uma efeméride sobre a obsolescência e fim de validade de um período do tempo está a percepção pessimista de que tudo tem um fim. O tempo faz qualquer coisa caminhar para a entropia, esgotamento e, finalmente, a morte.

Roman Polanski parecia ter em mente alguma coisa nesse sentido ao escrever e dirigir o filme Lua de Fel (Bitter Moon, 1992) quando o protagonista Oscar (Peter Coyote) sentencia de maneira sombria, poucas horas antes da festa de réveillon em um cruzeiro: “Os casais deviam se separar no auge da paixão, e não esperar o inevitável declínio”.  

Polanski aproxima essa percepção esmagadora do tempo (como uma inexorável flecha que aponta sempre para o futuro) com o tema do amor, da vida conjugal e do matrimônio. Assim como sabemos que todo ano irá terminar, também sabemos que algo bom nunca dura para sempre. As coisas boas nunca duram, e nada temos a fazer a não ser lamentar e lutificar.


E se tentarmos agarrar com as mãos para evitar que esses bons momentos se dissolvam como “lágrimas na chuva” (como lamentava o replicante Roy em Blade Runner), o amor pode se converter em algo amargo e perverso.

O amor pode se transformar em algo que nos faz em pedaços, como cantava Ian Curtis na clássica música da banda pós-punk Joy Division: “Love Will Tear Us Apart”.

O pior filme de Polanski?


Lua de Fel é um filme que não goza da mesma reputação das obras primas do diretor, como O Bebê de Rosemary ou Repulsa ao Sexo. As críticas negativas, a maioria, falam de “embaraço” de Polanski – demasiado artificial, exagerado, overacting, extremamente misantrópico. O filme seria o retrato de um casamento “condenado a alta pornografia e baixa arte”. (Nota deste blog: Não incluir 'O Pianista' entre as obras primas de Polanski - aqui - é um senhor equívoco).

E o que é pior: Polanski lançava na época sua própria esposa, Emanuelle Seigner, no papel central como uma sedutora voraz com tendência a viúva negra cuja diversão é destruir os homens através da sua sexualidade. Sua performance foi criticada como o trabalho de uma atriz que só conseguiu o papel por ser esposa do diretor.


Mas parece que os críticos passaram batidos por uma sutil autoconsciência da narrativa: o protagonista Oscar é um escritor fracassado que jamais publicou um livro se quer. Por isso, a narrativa em flashback que faz da vida conjugal com Mimi (Seigner) é de pouca imaginação. Por isso, repleta de clichês e overacting: frases como “inseparáveis durante o dia e insaciáveis à noite” e o acúmulo de clichês pornográficos como, por exemplo, o café da manhã com o leite espalhado pelos seios de Mimi explicitam isso.

Polanski parece querer brincar com esses clichês e mostrar o porquê de Oscar ter se tornado um escritor fracassado – na verdade não passava de um playboy rico que queria viver os clichês literários de Paris fingindo ser intelectual e escritor apenas para seduzir mulheres.

O Filme


Nigel (Hugh Grant) e Fiona (Kristin Scott Thomas) fazem um cruzeiro marítimo até a Índia para tentar renovar os seus sete anos de casamento. Em primeiro lugar, conhecem um amigável indiano viúvo com sua filha que recomenda ao casal ter filhos para equilibrar o casamento – primeiro tema polanskiano: o ajuste de um casal sempre está alinhado com a ausência total de sexo.

Mas não demora muito para o casal ser introduzido à sexualidade transgressiva. São apresentados ao casal Oscar e Mimi, obviamente presos a algum tipo de ódio mútuo – ele um escritor preso a uma cadeira de rodas, cínico e autodepreciativo; ela, uma mulher voluptuosa que sugere a possibilidade de traição a Nigel em todas as oportunidades.


Oscar convida o jovem e fleumático britânico Nigel a sua cabine para revelar-lhe sua história longa e sinuosa de como a paixão o destruiu entre impulsos doentios, obsessão sexual, encontros amorosos até um ficar cansado do outro e entrarem num ciclo infernal de traição, abusos e tortura.

De início Nigel sente repulsa àquela história que Oscar começa a contar, mas sente um incontrolável impulso de olhar para o abismo e mandar Fiona e o casamento às favas em troca de uma noite com a sedutora Mimi – ouvir a história até o fim é a condição imposta por Oscar para que a traição receba suas bênçãos.

Se para Oscar a narração da sua tragédia (o primeiro flerte, a sedução, sexo compulsivo, ódio, traição e crime até ficar entrevado em cadeira de rodas sob os cuidados da vingativa Mimi) é uma forma de expiar o ódio de si mesmo, para Nigel é tudo aquilo que os sete anos de vida conjugal nunca tiveram no que se tornou a “tumba matrimonial” do casamento.

E para alimentar ainda mais a obsessão de Nigel, Fiona é uma mulher fria, distante, um pouco seca que parece que oferecerá pouca resistência à voluptuosa Mimi. Mas Fiona alerta Nigel: “o que você fará, eu posso fazer melhor!”. Sugerindo a lendária crueldade e frieza femininas das mulheres quando sentem-se traídas.


A tibieza espiritual: niilismo e hedonismo


Ao longo da narrativa episódica de Oscar nas horas que antecedem à festa do réveillon, fica também evidente o segundo tema polanskiano: a decadência dos corpos humanos como um reflexo da tibieza espiritual. 

Aos pouco percebemos, nos flashbacks das desventuras de Oscar, como o niilismo e o hedonismo (as verdadeiras doenças espirituais modernas) começam a impregná-lo. Do desinteresse sexual por Mimi até chegar ao acidente e a prisão do corpo na cadeira de rodas.

Esse segundo tema dileto de Polanski conecta-se a essa interessante aproximação que o diretor faz do bizarro triângulo amoroso com a contagem regressiva de final de ano.

Na crise final entre Mimi e Oscar, ela lamenta: “Quando algo é bom, não queremos que dure para sempre?”. “Claro, mas as coisas boas nunca duram”, reponde melancolicamente Oscar.

Oscar sente-se incapaz de escrever um livro ou de ter filhos – submete Mimi a um doloroso aborto que a deixa infértil. Para ele, nada de bom dura nesse mundo.


Por isso, devemos nos apegar aos momentos fugidios de prazer como se não houvesse amanhã. Estamos no terreno psíquico da doença espiritual contemporânea: o minimalismo do hedonismo e niilismo – a percepção do tempo como uma contagem regressiva tão acelerada que o futuro só poderá ser uma bomba que explodirá.

Niilismo (do latim “nihil”, “nada”) como o ceticismo radical frente ao futuro, e o hedonismo (do grego “hedonê”, “prazer”, “vontade”) já tiveram sua época heroica como crítica consistente a sistemas opressivos que nos aprisionavam ao presente, negando-nos o futuro.

A filosofia hedonista do Carpe Diem (“aproveite o dia”), imortalizada na figura contestadora do professor Keating (Robin Williams) no filme Sociedade dos Poetas Mortos (1989), e no lema niilista anarco-punk “No Future”, teve sua época libertária.

Porém, hoje tornou-se uma doença espiritual de imobilização do espírito frente à seta do Tempo. Sem fé ou esperanças em transformações futuras, substituímos o desejável pelo possível: o apego aos momentos que não duram.

Se não duram, devem ser experimentados de maneira tão intensa que podem perigosamente se aproximar da morte, da overdose à perversão sexual. Esse parece ser o tema que persegue a carreira do diretor Roman Polanski.

Ficha técnica:

Título: Lua de Fel (Bitter Moon)
Direção: Roman Polanski
Roteiro:  Roman Polanski baseado em novela de Pascal Bruckner
Elenco:  Peter Coyote, Emanuelle Seigner, Hugh Grant, Kristin Scott Thomas
Produção: Canal +, RP Productions, Les Films Alain Sarde
Distribuição: Fine Line Features
Ano: 1992
País: França, Reino Unido, EUA

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

ADEUS, ADIEU, GOODBYE, ADDIO, VERABSCHI, ADIÓS ETC ETC ETC


Michael Kountouris. (Grécia).

UM RÉQUIEM PARA A ENGENHARIA BRASILEIRA


Nota de falecimento: a engenharia brasileira está morta

Por Mauro Santayana

A Engenharia Brasileira está morta. Será cremada no altar da Jurisprudência da Destruição, do entreguismo e da ortodoxia econômica. Suas cinzas serão sepultadas em hora e local a serem anunciados no decorrer deste ano de 2017.
Em qualquer país minimamente avançado, a engenharia é protegida e reverenciada como o outro nome do poder, da prosperidade e do desenvolvimento. Não há países que tenham chegado a algum lugar sem apoiar soberana e decisivamente sua engenharia.
Assim como não existem nações que tenham crescido econômica e geopoliticamente sabotando, inviabilizando, destruindo, execrando, ensinando seu povo a desprezar, odiar e demonizar essa área, seus técnicos, trabalhadores, suas empresas, projetos, líderes e empresários, como o Brasil está fazendo agora.
Sem engenharia, os soviéticos não teriam derrotado a Alemanha nazista, com suas armadilhas para Panzers e seus portentosos tanques T-34. Nem enviado o primeiro satélite artificial, o Sputnik, para a órbita terrestre, nem feito de Yuri Gagarin o primeiro homem a viajar pelo espaço.
Sem engenharia, os Estados Unidos não teriam construído suas pontes e arranha-céus, monumentos inseparáveis da mística do american way of life no século 20. Nem produzido a primeira bomba atômica, ou chegado à lua em menos de 10 anos, a partir do desafio estabelecido pelo presidente John Kennedy em 1961.
Desde a consolidação do Império Britânico, ela mesma filha direta, dileta, da Revolução Industrial inglesa; desde a substituição de importações pelos Estados Unidos após a independência, e pela URSS, depois da Revolução de Outubro de 1917, o mundo sabe: não existem nações dignas desse nome que consigam responder a questões como para onde avançar, como avançar, quando avançar, sem a ajuda da engenharia.
Como fez Juscelino Kubitschek, por exemplo, com o binômio “Energia e Transporte” e seus “50 anos em 5”, e os governos militares que – embora o tivessem combatido e perseguido em várias ocasiões – o seguiram na adoção do planejamento como instrumento de administração pública e no apoio a grandes empresas brasileiras para a implementação de grandes projetos nacionais.
Empresas e grupos que estão sendo destruídos, agora, pelo ódio, a pressão e a calúnia, como se tivessem sido atingidos por uma devastadora bomba de nêutrons.
Com a maior parte de seus executivos presos em algum momento, as maiores empreiteiras do país foram levadas a avalizar a transformação de doações legais de campanha e de caixa dois em propina – retroativamente, nos últimos três anos.
A aceitar, na ausência de provas cabais de pagamentos de corrupção na escala bilionária apresentada pela imprensa e aventada pelo Ministério Público a todo momento, a imposição de multas punitivas “civis” a título de nebulosas “indenizações por danos morais coletivos” da ordem estratosférica de bilhões de dólares.
A render-se a discutíveis acordos de delação premiada impostos por uma operação que já acarretou para o país – com a desculpa do combate à corrupção – R$ 140 bilhões em prejuízo, a demissão de milhares de trabalhadores, a interrupção de dezenas de projetos na área de energia, indústria naval, infraestrutura e defesa, a quebra de milhares de acionistas, investidores e fornecedores.
Diante de tudo isso, não podemos fazer mais do que comunicar o falecimento da engenharia brasileira, famosa por ter erguido obras pelo mundo inteiro, de rodovias no deserto mauritaniano a ferrovias e sistemas de irrigação no Iraque; passando pela perfuração de galerias e túneis sob as montanhas dos Andes; pelo desenvolvimento de sistemas de resfriamento contínuo de concreto para a construção de Itaipu; ou pela edificação de enormes hidrelétricas na África Subsaariana.
A engenharia nacional está perecendo. Foi ferida de morte por um sistema judiciário que pretende condenar, a priori, qualquer contato entre empresas privadas e o setor público, e desenvolveu uma Jurisprudência da Destruição de caráter descaradamente político, que não concebe punir corruptos sem destruir grandes empresas, desempregar milhares de pais de família, interromper e destroçar dezenas de projetos estratégicos.
Um sistema judiciário que acredita que deve punir, implacável e estupidamente, não apenas as pessoas físicas, mas também as jurídicas, não interessando se esses grupos possuem tecnologia e conhecimento estratégicos, desenvolvidos ao longo de anos de experiência e aprendizado, se estão envolvidos em projetos vitais para o desenvolvimento e a segurança nacional, se deles dependem, para sobreviver, milhões de brasileiros.
A engenharia brasileira faleceu, com seus escritórios de detalhamento de projetos, suas fábricas de bens de capital, seus estaleiros de montagem de navios e plataformas de petróleo fechados, suas linhas de crédito encarecidas ou cortadas, seus ativos vendidos na bacia das almas e seus canteiros de obras abandonados.
E o seu sepultamento está marcado para algum momento de 2017.
Será sacrificada no altar da estúpida manipulação midiática de factoides econômicos, com atitudes desastrosas como a antecipação suicida pelo BNDES – em plena recessão – do pagamento de R$ 100 bilhões ao Tesouro. Um dinheiro que poderia ser imediatamente aplicado em infraestrutura, vai em troca de uma insignificante, irrelevante, pouco mais que simbólica redução de 1% na dívida pública, quando, sem fazer alarde, os dois últimos governos reduziram a Dívida Nacional Bruta de 80% (Nota deste blog: Redução relativamente ao PIB) em 2002 para 67% em 2015, e a Dívida Líquida de 60% para 35% no mesmo período, pagando US$ 40 bilhões devidos ao FMI, e economizando mais de US$ 370 bilhões em reservas internacionais nos anos seguintes.
A engenharia brasileira está/será sepultada, ou cremada, porque não pode mais sobreviver, a longo prazo, em um país que aceitou aumentar os gastos públicos apenas pelo índice de inflação do ano anterior, durante os próximos 20 anos, engessando estrategicamente o seu desenvolvimento, com uma imbecil e limitante camisa de força, enquanto outros países e regiões, como os Estados Unidos e a Europa, muito mais endividados – e desenvolvidos – do que nós, continuarão a se endividar, a se desenvolver e a se armar cada vez mais, já que seu discurso neoliberal e ortodoxo só serve para enganar e controlar trouxas de terceira categoria como os nossos, e quase nunca é aplicado no caso deles mesmos.
Esse hipócrita discurso para trouxas não é apenas econômico, mas também jurídico. E nesse caso, gera ganhos reais, que vão além da eliminação ou diminuição da concorrência de potenciais competidores em campos como o da engenharia.
Da estratégia geopolítica das nações mais poderosas do mundo, não faz parte apenas fortalecer permanentemente a sua própria engenharia e suas maiores empresas, mas, também, sabotar as empresas e a engenharia de outros países, usando desculpas de diferentes matizes, que são repetidas e multiplicadas pela mídia sabuja e babosa desses mesmos lugares.
Não é outra coisa o que os Estados Unidos fazem por meio de órgãos como o Departamento de Justiça e de iniciativas como o próprio Foreign Corrupt Practices Act, sob o manto do combate à corrupção e da proteção da concorrência. Leniente com suas próprias companhias, que não pagam mais do que algumas dezenas de milhões de dólares em multa, os Estados Unidos costumam ser muito mais duros com as empresas estrangeiras.
Tanto é que da lista de maiores punições de empresas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos por corrupção em terceiros países – incluídos alguns como Rússia, que os Estados Unidos não querem que avancem com apoio de grupos europeus como a Siemens – não consta nenhuma grande empresa norte-americana de caráter estratégico.
A Lockheed Martin e a Halliburton, por exemplo, pagaram apenas uma fração do que está sendo imposto como punição, agora, à Odebrecht brasileira, responsável pela construção do nosso submarino atômico e do míssil ar-ar da Aeronáutica, entre outros projetos, que deverá desembolsar, junto com a sua subsidiária Braskem, uma multa de mais de R$ 7 bilhões, a mais alta já estabelecida pelo órgão regulador norte-americano contra uma empresa norte-americana ou estrangeira. (Fonte: aqui).

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A engenharia nacional foi morta por um concurso de crimes: de corrupção, mal caracterizada ou não, e, mais importante, de lesa-pátria.

No apagar das luzes, diante do desastre nacional e do desespero de milhares e milhares de famílias, tentou-se firmar acordos de leniência, momento em que lídimos integrantes do MP e da mídia se apressaram em protestar veementemente em sentido contrário. Nada mais sintomático.

2016, SOLIDARIEDADE ZERO


J Bosco.

CARTUM RETRÔ (II)


Clayton.

ISRAEL, PALESTINA E O FATOR TRUMP

Ilustração de Banksy.

Trump e a política fracassada de dois Estados na Palestina

Por José Carlos de Assis

Barack Obama deu um belo presente de Natal a Donald Trump: estimulou a condenação de Israel pelo Conselho de Segurança da ONU em face da política de assentamos ilegais nos  territórios palestinos ocupados. Naturalmente, Obama sabia que Netanyahu, o premiê israelense, ficaria enfurecido. E talvez tenha achado que, com isso, daria uma chave de braço em Trump, que já declarou várias vezes que é contra a política de dois Estados, isto é, um palestino e outro israelense, na terra palestina original.
Vejam agora que coisa interessante: se é contra a política de dois Estados, Trump indiretamente está a favor da plena integração dos dois povos num único Estado. O premiê israelense talvez preferisse uma solução final para os palestinos mas nos tempos atuais isso não seria tolerado, sobretudo pelos russos, que são aliados indiretos dos palestinos através da Síria. Em razão disso, a única coisa lógica a se adotar é a política de um Estado para dois povos, algo que parece ser o secreto objetivo de Trump. Isso levaria paz ao Oriente Médio.
O fato é que a política de dois Estados, arquitetada por Rabin e Arafat décadas atrás, nunca funcionou. Os governos israelenses jamais resistiram à pressão de seus fundamentalistas no processo de provocar os palestinos com assentamentos ilegais em terras deles. Na verdade é pouco provável que venha a funcionar algum dia. Os israelenses são arrogantes e expansionistas, e estão ancorados num poderio militar invejável, que sabem usar com suas forças armadas muito bem treinadas, ou as mais bem treinadas do mundo.
No período de sua constituição Estados são expansionistas pela própria natureza. Israel e Palestina são dois grupos territoriais que querem tirar pedaços uns dos outros, em último caso pela força, no seu processo de afirmação estatal. Aliás, pela força, Israel tomou vários pedados dos palestinos. Estudei no doutorado  modelos simples de sistemas complexos nos quais Estados eram representados por quadradinhos em interação. A força que movia os quadradinhos era a busca de expansão. Naturalmente, o sistema era instável.
Contaram-me que quando Carlos Lacerda, como repórter, foi enviado à Palestina para cobrir a declaração de independência de Israel, patrocinada pela ONU em 1948, escreveu vários artigos concluindo que jamais haveria paz naquela região. A história mostrou que tinha razão, pelo menos enquanto durar a política de dois Estados. Ao contrário do que israelenses hipócritas e observadores superficiais acreditam, para descongelar a situação no Oriente Médio só alguém com aparente brutalidade de Trump, propondo um só Estado.
Curioso é que, mesmo sem saber exatamente o que Trump tem na cabeça, ele não tem muita margem de escolha, dada a preliminar de que não quer dois Estados. A reação de Netanyahu à resolução da ONU, determinando a construção de mais um assentamento do lado palestino, é a maior e mais imediata evidência de que a solução dos dois Estados não funciona. Se não funciona, deve-se buscar outra. Qual delas seria senão a integração dos dois povos numa só nação, mesmo porque todos são de remota origem abraâmica?
Israel certamente teria que resolver o problema democrático, ou seja, a questão da democracia relacionada com a demografia. O país é jovem, mas tem uma democracia consolidada. Os palestinos, com menor tradição democrática, terão, se for revertida sua diáspora, uma população maior que a israelense. Não é um problema insolúvel nos termos de uma Constituição pactada, na qual a representação israelense teria preeminência por um determinado período de tempo no futuro, até se equilibrarem demograficamente os povos. (Fonte: aqui).

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A influência israelense nos EUA (dos WASP) é insuperável, que o digam a mídia consolidada e o chamado Cinturão da Bíblia. Trump tem lado, e tudo para, em conjunto com Israel, indagar jocosamente, como outros fizeram, em tempos e circunstâncias outras: 'Afinal, quantas divisões (militares) tem a ONU?' Enquanto isso, a Palestina se mantém conturbada, acossada, sob o distante olhar oprimido de Gaza.
É lamentável tal estado de coisas, mas, ao que tudo indica...

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

CAMINHANDO NAS NUVENS

                           - Não se aflija, princesa, mamãe está aqui!

Bob Englehart. (EUA).

SUPER-SALÁRIOS TAMBÉM CONFIGURAM CORRUPÇÃO


"Os pensadores que se propuseram a ensaiar explicações abrangentes sobre a formação de nosso país, de um modo ou de outro, afirmaram as características da colonização portuguesa e o ranço patrimonialista que dela herdamos.
Em seu ensaio sobre o segundo escalão do poder no Império, Antonio Candido afirma que uma das formas de ascensão social no Brasil estava na nomeação para cargo público, o que aproximava o funcionário dos donos do poder, dava-lhe amplo acesso à burocracia, propiciando-lhe, assim, proteção institucional de direitos, interesses e privilégios.
Claro que a crítica se centrava na nomeação de apaniguados, muitas vezes não habilitados para o exercício das funções públicas. A nova ordem constitucional procurou, por meio da regra do concurso público, prestigiar o mérito para a investidura no serviço.
Ocorre que isso acabou por alimentar a capacidade organizacional das categorias de servidores, situação institucional facilitadora da conquista de direitos e privilégios, muitas vezes em detrimento da maioria da sociedade civil, a qual não conta com o mesmo nível de organização.
Infelizmente, a Constituição de 1988 não encerrou esse ciclo. Conta-se que Sepúlveda Pertence, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, costumava dizer que o constituinte foi tão generoso com o Ministério Público que o órgão deveria ver o Brasil com os olhos de uma grande nação amiga.
Na prática atual, no entanto, os altos salários, muitas vezes inaceitavelmente acima do teto constitucional, e os excessos corporativistas dos membros do Parquet e do Judiciário nos levam a enxergar a presença de um Estado dentro do Estado, obnubilando, por um lado, a divisão de tarefas entre as instituições, que deveria viabilizar o adequado funcionamento do governo, e escancarando, por outro, o crescente corporativismo que se revela a nova roupa do nosso velho patrimonialismo.
Em contexto de abalo das lideranças políticas e de irresponsabilidade fiscal, esse cenário nos levou a vivenciar fenômenos como liminares judiciais para concessão de aumento de subsídios a juízes -travestido de auxílio-moradia- e também conduziu o Congresso à aprovação de emenda constitucional que estendeu a autonomia financeira à defensoria pública, o que obviamente se fez acompanhar por pressões de diversas outras categorias para obter o mesmo tratamento.
Tais providências trazem grandes prejuízos, tanto por reduzirem drasticamente a capacidade de alocação orçamentária dos Poderes eleitos para tanto como porque sempre são adotadas em detrimento dos que necessitam de políticas publicas corajosas e eficientes.
Reiteradas vezes afirmei que o Brasil está a se transformar em uma República corporativa, em que o menor interesse contrariado gera uma reação descabida, de forma que a manutenção e conquista de benesses do Estado por parte de categorias ganham uma centralidade no debate público inimaginável em países civilizados.
A autonomia financeira que se pretende atribuir aos diversos órgãos e as reações exageradas contra quaisquer projetos que visem a disciplinar seus abusos são a nova face de nosso indigesto patrimonialismo.
Diante da realidade fiscal da nação e dos Estados, é imperioso acabarmos com vantagens e penduricalhos ilegais e indevidos concedidos sob justificativas estapafúrdias e com base nas reivindicadas autonomias financeiras e administrativas que todo e qualquer órgão pretende angariar para si.
Esse tipo de prática alija o Poder Legislativo do processo decisório, tornando, assim, extremamente difícil o exercício de qualquer forma de controle sobre essas medidas.
No momento em que encerramos um dos anos mais difíceis de nossa história recente, devemos pensar no futuro do país e de nossos filhos e netos. É hora de finalmente ousarmos construir uma sociedade civil livre e criadora e colocar freios em nosso crescente corporativismo."



(De Gilmar Mendes, ministro do STF e presidente do TSE, post intitulado "É hora de acabar com vantagens ilegais de juízes e MP e frear o corporativismo", publicado em 28.12 na Folha de São Paulo e reproduzido no Jornal GGN - AQUI.


Independentemente das motivações do ministro - que sempre fez vista grossa a essa questão e outros absurdos tupiniquins -. importa dizer que a presidente Dilma Rousseff enviou à Câmara dos deputados, em 2015, projeto de decreto visando à supremacia do teto remuneratório de que trata o artigo 37 da Constituição. O decreto simplesmente extinguiria as excrescências que marajás da República, com destaque para integrantes do Judiciário e do MP, auferem mês a mês, até hoje, impunemente. O decreto, claro, encontra-se devidamente engavetado. 

Mas antes mesmo de 2015 - para ser exato, em 2012 - a presidente já vinha tentando 'botar moral' nessa vergonhosa história, sempre, porém, deparando-se com resistência e revolta dos privilegiados:


'The Guardian': Dilma não aceitou compactuar com política suja do Brasil

Carta escrita pelo professor Kevin Dunion, da University of Dundee, onde o também diretor diretor na Faculdade de Direito Executivo do Centro de Liberdade de Informação: 

Os desafios que Dilma Rousseff enfrentou na limpeza da política brasileira não podem ser subestimados. Em 2012, fui contratado pela Unesco para aconselhar o governo sobre a implementação do decreto de acesso à informação que a presidente tinha assinado. Entre as primeiras exigências de divulgação feitas pela imprensa diziam respeito aos detalhes de salários e regalias recebidas por ministros, juízes e funcionários públicos.

Isso levou a uma ação legal por parte dos sindicatos (que haviam negociado acordos lucrativos para seus membros) para tentar impedir a divulgação e uma resistência feroz dentro do governo de coalizão. Quando o assunto foi levado a Dilma Rousseff ela instruiu que a divulgação completa deveria ser feita, começando com seu próprio pacote salarial.
Posteriormente, os detalhes publicados revelaram que um terço dos ministros e quase 4.000 funcionários federais violavam o teto de pagamento estabelecido pela Constituição e estavam ganhando mais do que a presidente. Recompensas infladas eram incluídas e até um salário adicional de seis meses por ano, contabilizados como subsídios de custo de vida ou como licença educacional. - [Para continuar, clique AQUI].
Em tempo: O salário-limite previsto pelo artigo 37 da Constituição não é o da presidente da República, mas o dos ministros do STF, atualmente em torno de R$ 33.700).