sábado, 17 de dezembro de 2016

O JUDICIÁRIO E AS DEMANDAS CORPORATIVAS


Judiciário tem se blindado de controle ao longo de décadas

Por Eloísa Machado (Na Folha)

É gritante o disfuncional individualismo no STF (Supremo Tribunal Federal).
Mais uma liminar. A bola da vez é a decisão do ministro Luiz Fux contra emendas de deputados ao projeto de lei de iniciativa popular conhecido como "dez medidas contra a corrupção".
Fux não só suspendeu a tramitação de um projeto de lei em debate no Legislativo, como anulou toda a votação na Câmara dos Deputados.
Na prática, não gostou do resultado e mandou votar de novo. Não vamos esquecer, até pouco tempo atrás, esse tipo de artimanha era marca registrada de Eduardo Cunha, ou do Fluminense.
A justificativa da decisão é que as propostas de iniciativa popular não poderiam ser emendadas por parlamentares, pois essa interferência descaracterizaria o exercício da soberania popular.
Raras vezes uma decisão judicial se permite ser criticada por tantos aspectos.
A mais evidente vem do bom senso. Parece bastante óbvio que impedir que uma proposta de iniciativa popular seja emendada pelos representantes eleitos significaria exigir da população apurada técnica legislativa, sem a qual não haveria qualquer chance de sobrevivência da legislação no ordenamento jurídico. A essa altura do campeonato, desde 1988, nenhuma proposta de lei vinda do povo passou por isso.
É gritante também o disfuncional individualismo institucional no STF. As chamadas decisões monocráticas enfraquecem o colegiado e criam insegurança.
Se isso é problema antigo no tribunal, a novidade parece ser a extravagância, a firula. Basta lembrar a decisão de Gilmar Mendes sobre a posse de Lula, a liminar de Teori Zavascki que suspendeu o mandato de Cunha e a de Marco Aurélio que afastou Renan. Cada ministro é uma caixinha de surpresas.
Isso tudo, claro, sem esquecer o acentuado grau de interferência do Judiciário no Legislativo. Na maior parte das vezes, o tribunal costuma ser bastante cauteloso, não interferindo na deliberação legislativa, essência do poder representativo.
Isso não significa que depois o tribunal não possa anular a lei; mas é melhor aguardar o fim do processo legislativo –que inclui a possibilidade de veto presidencial– a substituir-se na atividade dos deputados e senadores. Na história toda, não deixa de ser irônico que tenha sido um parlamentar, Eduardo Bolsonaro, a dar de bandeja o poder da Câmara ao Supremo.
Todas essas críticas são verdadeiras, mas nenhuma delas é decisiva para explicar a decisão de Fux. A liminar parece ser, sobretudo, uma ação de retranca judicial, uma medida de autodefesa.
Não que o projeto de lei não tenha sérios problemas, inviabilizando o trabalho de investigação de promotores e podando a liberdade de atuação de juízes. Também não se ignora que esteja sendo usado por Renan como arma no mata-mata que se tornou a relação entre os poderes.
Mesmo assim, este é um debate que precisa ser feito.
Aposentadorias compulsórias não são uma boa resposta para juízes que prendem meninas em celas de adultos, para promotores que matam suas companheiras ou para os adeptos das carteiradas.
O Judiciário tem se blindado de qualquer controle ao longo de décadas. Lá se vão quase 30 anos de Constituição e o STF se negou, por várias vezes, a coibir os supersalários, autorizando a violação ao teto de vencimentos.
Nessa perspectiva, barrar o debate sobre abuso de autoridade, mesmo com todos os seus graves defeitos, é nada mais do que se defender de qualquer tipo de controle, a pior face do Judiciário, onde demanda corporativa se mata no peito. (Fonte: Folha de São Paulo; texto reproduzido pelo Jornal GGN - aqui).

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