Contingenciamento e securitização: o que isto diz sobre o governo do interino Temer
Por Fernando Brito
Os jornais estão cheios destes termos, estes dias, falando dos “planos” do Governo Temer na área orçamentária. Isto é, na área do “rombo das finanças públicas”.
Contingenciamento e securitização da dívida ativa da União.
São nomes complicados, que ou não são entendidos ou, ao menos, não são bem compreendidos pela maioria das pessoas.
Portanto, com minhas desculpas a quem conhece do assunto, acho útil explicar o que querem dizer.
Todo orçamento público tem uma rubrica (que é o tipo de emprego do dinheiro) chamada Reserva de Contingência. É o dinheirinho que deve ficar bloqueado para alguma emergência, ou necessidade de reforçar algum setor e que, ao final do ano, costuma ser usado para acertar os desequilíbrios orçamentários da administração.
Esta reserva entra na conta das despesas. Portanto, caso ela seja, por exemplo, de R$ 30 bilhões, e esteja previsto um déficit (anual) de R$ 50 bilhões, não quer dizer que o déficit verdadeiro seja de R$ 20 bilhões, porque o administrador sabe que aqueles recursos provavelmente serão distribuídos ao longo do ano, para suprir necessidades de gestão. Só podem ser descontados do déficit se o ano terminar e não forem gastos. Mas aí é no Orçamento executado, não no autorizado pela lei.
Se a área econômica está pedindo um contingenciamento de R$ 20 bilhões, é um indicador de que a reserva prevista não será suficiente e precisa ser recomposta, cortando uma porcentagem das autorizações de gastos de toda a Administração (contingenciamento linear) ou de algumas delas (contingenciamento seletivo).
A causa de criarem-se contingenciamentos “extras” é a chamada “frustração de receitas”: a arrecadação que se previa não está acontecendo, está caindo mais do que o previsto e, portanto, se não cortar (mais) as despesas, o “rombo” de R$ 170,5 bilhões estouraria. Neste caso, em cerca de R$ 20 bilhões, na avaliação que faz a área econômica do governo.
Esta chamada “frustração de receita”, tem uma outra consequência, que se estende no tempo. Se você previa chegar ao final do ano com receita, digamos, 100, e está vendo que só vai chegar a 98, significa que em janeiro, se esperava alcançar os, digamos, 102 que esperava para iniciar 2017, não terá que crescer 2, mas 4.
É um sinal de que a tão falada “recuperação da economia” pode estar nos jornais, mas não comparece ao caixa…
Para não realizar o contingenciamento formal, por decreto, há dois caminhos. O primeiro, é o do contingenciamento “informal”, quando se decide não executar certas despesas, embora autorizadas. Seja cancelando, seja adiando sua contratação e/ou seu pagamento. O segundo é aumentar a receita – que está caindo – pela adição de valor nos impostos. Como não se pode criar impostos sem autorização do Congresso e para valerem imediatamente (princípio da anualidade dos tributos; só valem no ano seguinte), o que se pode fazer é mudar as alíquotas de impostos já existentes que permitem que o Governo altere as taxas que serão cobradas ou de quem serão cobradas, no caso de terem sido deixados setores ou tipos de operação isentos por decisão administrativa, não legal.
Há vários em que se pode fazer isso: Cide (combustíveis), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF, com impacto direto no crédito, já caríssimo), PIS, Cofins…
Se prevalecer a posição anunciada pelo Planalto de evitar o contingenciamento e continuarem em queda as receitas – e estão, porque já se quer contingenciar recursos um mês e meio após a nova estimativa de receita e despesa aprovada no Congresso –, deveria ser adotada a segunda alternativa, que Temer não pode – ao menos até setembro, com o impeachment e, provavelmente, até novembro, com o fim das eleições municipais; a solução será, na prática, paralisar o governo.
É esta parte da razão pela qual Janio de Freitas diz hoje, na Folha (anteontem, 21) que em pouco mais de dois meses no poder, “nada do anunciado sequer passou da garganta para o papel: não se sabe de um só projeto, entre os temas de razoável expressão, que já esteja esboçado para discussão ao menos nos ministérios interessados”.
Até lá o Governo terá de viver de “gogó”, expectativas, promessas de maldades “calibradas” para não assustar a população, e Meirelles, de tratar dos aumentos de impostos como “uma possibilidade” para o futuro.
O outro tema recorrente nos jornais é o da “securitização da dívida”.
Isso quer dizer vender – provavelmente por leilão de deságio – as dívidas das quais a União é credora e que chegam perto de R$ 1,5 trilhão.
Acontece que só uns 5% destas dívidas interessariam ao “mercado”, justamente o “filé”. Tudo o que já está desembaraçado, que diga respeito a clientes em situação financeira saudável e que permita aos que vão se apossar das dívidas que têm com a União oferecerem descontos para que sejam liquidadas.
Evidente que isso será descontado do valor que pagarão ao Governo pelos créditos, bem como sairão dele os custos administrativos da cobrança e, claro, o lucro dos bancos e instituições que irão “securitizar” tais dividas e, provavelmente, formar “fundos de direito creditício” para recolher dos investidores o capital que empregaram na compra.
É por isso que os órgãos fiscais fazem tanta oposição a isso (nota deste blog: veja o que diz Anelize Almeida, procuradora da Fazenda Nacional - AQUI): porque se trata do dinheiro que mais rapidamente pode ser obtidos e que vai ser trocado, para ser imediato – ou em parcelas já determinadas – por uma percentagem de, talvez, 60% – débitos que estão em cobrança avançada e, até mesmo, parcelados.
De novo, peço desculpas aos especialistas por simplificações, mas é importante que as pessoas compreendam o que querem dizer os termos em “economês” que a imprensa não se incomoda em “traduzir” ao entendimento das pessoas comuns.
Aliás, faz questão, porque o domínio do conhecimento e da informação é peça-chave para o próprio controle da economia e da política. (Aqui).
Nenhum comentário:
Postar um comentário