"Apesar de recortar arbitrariamente a realidade, o filme estrelado pelos veteranos Tom Hanks e Meryl Streep é bem feito e vale o ingresso.", eis a síntese perfeita para um filme norte-americano candidato a clássico do cinema e que, claro, merece ser visto. Mas, convém lembrar que se contam nos dedos os filmes da espécie, em todas as potências mundiais, que NÃO recortaram a realidade. "Esconder pecadinhos" é prática rotineira.
A guerra suja do Washington Post
Por Fábio de Oliveira Ribeiro
Donald Trump declarou guerra a imprensa norte-americana. A declaração foi aceita, pois ele passou a ser acusado de agir como menino de recados de Vladimir Putin em Washington. Portanto, tem razão quem afirmou que:
Talvez The Post - A Guerra Secreta jamais existisse se Donald Trump não fosse eleito. Afinal de contas, foi a ojeriza do atual presidente dos Estados Unidos à imprensa que fez com que Steven Spielberg encampasse este projeto, ao ponto de realizá-lo a toque de caixa para que fosse lançado ainda em 2017... http://www.adorocinema.com/filmes/filme-254356/
Todavia, há algo mais que poderia ser dito sobre o filme. Ele faz um recorte arbitrário da história do seu principal personagem. Após se tornar nacional e mundialmente reconhecido, o jornal parece ter esquecido sua atuação no episódio dos Pentagon Papers.
O Washington Post repercutiu à exaustão e de maneira acrítica as acusações feitas pelo governo George W. Bush de que Saddan Hussein tinha armas de destruição em massa. O jornal tocou os tambores de guerra, repercutiu de maneira favorável as mentiras insistemente repetidas pela Casa Branca e apoiou a invasão do Iraque:
The Post's editorials favoured the war. The day after Colin Powell, the US secretary of state, made his pivotal presentation to the UN, its leader said: "It is hard to imagine how anyone could doubt that Iraq possesses weapons of mass destruction." https://www.theguardian.com/world/2004/aug/13/pressandpublishing.usa
É verdade que aquele jornal pediu desculpas aos leitores. Mas quando isso foi feito já era tarde. A carnificina havia começado e a xenofobia assassina já tinha se instalado nos corações e mentes de centenas de milhões de norte-americanos.
O Washington Post também aplaudiu o sorridente Barack Obama quando ele decidiu fomentar e financiar a primavera árabe e adotar uma nova doutrina militar (menos soldados, mais drones). O resultado foi igualmente sangrento. Vários países africanos e do Oriente Médio foram devastados por guerras civis. Em pouco tempo os EUA começaram a usar drones armados com mísseis para matar suspeitos e até crianças no Paquistão.
A Guerra do Iraque (iniciada pelos republicanos com ajuda do Washington Post), a primavera árabe e a Guerra Drônica (comandadas por democratas apoiados pelo jornal) fortaleceram o complexo industrial militar e ajudaram a provocar a hegemonia do discurso militarista, supremacista e imperialista que levou Donald Trump ao poder. Mas agora tudo isso se tornou irrelevante e deve ser esquecido. O herói dos Pentagon Papers está de volta em grande estilo para salvar a Widescreen América da barbárie.
Apesar de recortar arbitrariamente a realidade, o filme estrelado pelos veteranos Tom Hanks e Meryl Streep é bem feito e vale o ingresso. Não tenho dúvida de que o novo filhote de Steven Spielberg será premiado. Mas a premiação neste caso servirá apenas para esconder os “pecadinhos” do Washington Post. Os donos e empregados daquele jornal lavaram as mãos no sangue dos iraquianos, egípcios, tunísios, líbios, sírios, paquistaneses etc... e ajudaram a criar o fenômeno Donald Trump, mas essa é uma história que não será vista no cinema. - (Aqui).
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