terça-feira, 31 de janeiro de 2017

TRUMP TOWERS


Patrick Chappatte. (Suíça/Líbano).

UM OLHAR SOBRE A CONJUNTURA


Xadrez da delação e a dança dos mineirinhos

Por Luis Nassif

Peça 1 – o assalto final ao país

Tem-se um presidente da República suspeito de corrupção. Seu preceptor maior, ex-deputado Eduardo Cunha, já está preso. Se receberem o mesmo tratamento dado a Cunha, seus dois lugares-tenentes – Ministro Eliseu Padilha e Secretário Moreira Franco – também irão para a prisão.

Nos últimos tempos, no entanto, esse grupo abaixo de qualquer suspeita colocou em prática as seguintes medidas, tentando desesperadamente acumular poder para impedir a marcha dos processos:

1. Assumir o controle geral das definições de produtos de conteúdo nacional para as compras públicas, colocando de lado os técnicos do BNDES e Finep. Empresa que quiser ter seu produto enquadrado, terá que beijar as mãos do grupo.

2. Colocar sob seu controle as decisões de investimento do FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador), afastando o conselho que define as políticas de investimento. Os dois grandes especialistas do grupo em FAT eram Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima.

3. Flexibilizar as datas de reajuste de medicamentos e submeter as propostas a um grupo restrito de Ministros, deixando de lado os escalões técnicos.

4. A antecipação das licitações do pré-sal, sem uma explicação plausível.

Em relação aos chamados interesses nacionais, a cada dia que passa o jogo de desmonte se acelera mais:

1. A proibição de empresas nacionais nas licitações para a conclusão dos trabalhos da Comperj (https://goo.gl/yJkIII).

2. A decisão da Aeronáutica de contratar empresas norte-americanas para serviços de sensoriamento remoto por satélite, por ordem da Casa Civil, de Eliseu Padilha (https://goo.gl/W0kVxq).

3. A plataforma desenvolvida pelo Exército contra guerra cibernética. A plataforma serve Itaipu, Angra e outras áreas críticas. Se, no bojo da cooperação com autoridades norte-americanas, a senha do sistema for exposta, deixará vulneráveis as principais áreas críticas do país.

4. Os riscos de paralisação do Prosub – o programa de construção de submarinos nucleares, essencial para a defesa do pré-sal.

5. O controle direto dos EUA sobre os trabalhos da Embraer, a pretexto de fiscalizar a implantação do sistema de compliance (https://goo.gl/0JYi7H)

(Nota deste blog: Compliance = conformidade de procedimentos às normas respectivas).

Para ganhar tempo e consumar o saque, estão oferecendo em pagamento:

1. O desmonte do Estado.

2. Uma reforma da Previdência mais severa que a mais severa reforma em país europeu.

E aí esse símbolo máximo da liberalidade política brasileira, um Presidente suspeito até a tampa indicando o juiz que participará do seu julgamento.


Peça 2 – a estagnação econômica

Como vimos alertando desde o início da gestão Henrique Meirelles, a equipe econômica não está preocupada em recuperar a economia. Seu objetivo é unicamente ideológico, de aproveitar a crise para o desmonte total das políticas públicas e dos instrumentos de ação do Estado.

Este ano, já está dada a continuidade da estagnação da economia, com o agravamento da questão fiscal da União e dos Estados, o aumento do desemprego.

O jogo de expectativas positivas é ridículo. A mídia celebra a redução de 0,75 ponto da Selic, com o índice ficando em 13,0% - em cima de uma economia que já caiu 8 pontos percentuais.

Toda a movimentação pretendendo criar artificialmente expectativas otimistas está indo ladeira abaixo com a divulgação dos dados de janeiro.

Daqui para a frente será deflagrada a guerra contra a reforma da Previdência. À medida que forem clareando os efeitos da reforma sobre os aposentados, nem plantão de 24 horas da Globonews contornará a decepção popular.

Peça 3 – o papel da oposição

Com o governo sem condição de apresentar uma ideia sequer de futuro, a oposição fica com a faca e o queijo na mão para desenvolver seu projeto de país. Dentro de um ou dois meses haverá um grande seminário nacional com as chamadas forças progressistas apresentando seu projeto.

Mesmo assim, o jogo continua nublado na frente das esquerdas, e mais nublado ficou com o AVC que vitimou dona Marisa, esposa de Lula. Há o risco concreto de tirar Lula de combate por algum tempo, em um período que exigiria cada vez mais sua presença em duas frentes: a do PT e a nacional.

No PT, sua eleição para presidente seria a única maneira de impedir o esfacelamento do partido entre as diversas tendências. A chamada frente de esquerdas perde mais tempo se digladiando, aliás, do que pensando em projetos comuns.

A espinha dorsal dessa frente continua sendo o PT, com 20% do eleitorado nacional, diretórios na maioria das cidades e máquina política. Ele poderia ser revitalizado, mas hoje em dia, com exceção de Lula (que não parece inclinado a assumir o partido) não há uma referencia sequer para o cargo de presidente.

Quem vem despontando é o senador Lindbergh Faria, mas considerado ainda um pouco verde por parte dos petistas históricos.

Não há consenso sobre o papel do Estado, a maneira de coordenar as expectativas empresariais visando a retomada dos investimentos, as formas de convivência com o mercado. Não há consenso sequer sobre o que poderia ser uma política econômica alternativa.

Antes do AVC da esposa, Lula estava se preparando para lançar publicamente suas ideias, mas no bojo de uma ampla crítica-autocrítica dos erros cometidos por Dilma Rousseff. Mas, ao seu feitio, aguardava uma conversa com Dilma para combinar os termos da autocrítica sem melindrar a companheira.

Peça 4 – a delação, Cármen e Rodrigo

É nesse quadro econômica e politicamente confuso que explode a nova bomba política: a homologação da delação da Odebrecht. E aí, os olhos se voltam para a mineiridade.

Há dois estereótipos fortes do mineiro. Há a imagem de mineiridade, significando a capacidade de conciliar adversários, montar acordos impossíveis, com doçura e sagacidade.

E há o estereótipo do “mineirinho” – significando a capacidade de não entrar em nenhuma dividida e não correr nenhum risco, nem dizer o que pensa.

As delações da Odebrecht estão sob controle de dois “mineirinhos”: a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia e o Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot, ambos especialistas na arte de se valer de toda ênfase para não tomar nenhuma decisão de risco.

Cármen Lúcia homologou as delações, mas as manteve sob sigilo. Com isso, as decisões sobre que medidas tomar ficariam teoricamente sob controle de Janot. Ambos – Cármen e Janot – têm posição claramente partidária. Ninguém no país acredita na isenção de Janot.

Desde o primeiro momento da Lava Jato, Janot - sob cuja responsabilidade estão os casos envolvendo pessoas com prerrogativa de foro - manobrou discricionariamente o ritmo das denúncias e dos inquéritos.

Na partida, a primeira leva de delações de políticos, pediu a denúncia do senador Lindbergh Faria em cima de afirmações vagas. E solicitou o não indiciamento de Aécio Neves, que tinha contra si uma delação que mencionava o operador (Dimas Toledo), a estatal (Furnas), o método da lavagem de dinheiro (a Bauruense) e a conta onde era depositado o dinheiro (da irmã de Aécio).

Para dar aparência de neutralidade ao seu jogo, denunciou o senador Antônio Anastasia em cima de indícios mínimos. Tão vagos que não houve a menor dificuldade no pedido posterior de seu arquivamento.

Fez muito mais. Permitiu o uso político desmedido dos vazamentos, manteve engavetada a denúncia contra Aécio Neves, por manutenção de conta no exterior, nada fez em relação às denúncias envolvendo José Serra.

Finalmente, impediu a delação de Leo Pinheiro, presidente da OAS, quando os termos lhe foram apresentados, e consistia em entregar o sistema de propinas em obras do governo de São Paulo, nas gestões Geraldo Alckmin e José Serra.

Como o mineirinho Janot exercita a arte da tergiversação?

Simples. Um processo é constituído de uma infinidade de passos sucessivos, obedecendo ao ritmo ditado por sua complexidade e pela intenção política do operador.

Quando as cobranças por isonomia se intensificam, o expediente consiste em dar UM passo pontual, atender às pressões e, depois, tirar o tema do ritmo Lava Jato.

Aí entram em cenas os vazamentos.

Esta semana foi anunciado o bloqueio da conta suíça de Ronaldo César Coelho, por onde passavam as contribuições da Odebrecht para José Serra. Foi uma novela para que a decisão fosse tomada. Houve um vazamento inicial da denúncia para o Estadão, que se recusou a publicá-la. O material acabou sendo enviado e publicado pela Folha. Ou seja, o vazador e um resto de competição entre os jornais obrigaram Janot a se mexer e tomar a providência de solicitar o bloqueio da conta.

Peça 5 – a prova do pudim de Janot

Agora se tem a prova do pudim para Janot. Caberá a ele pedir (ou não) a quebra do sigilo das delações da Odebrecht.

Acabará pedindo por duas razões. A primeira, a pressão da opinião pública e da mídia. A segunda, a constatação de que as delações acabarão vazadas por terceiros. Ou seja, inevitavelmente ele perderá o controle que mantém sobre os vazamentos.

Obviamente, a velha mídia centrará toda a cobertura em cima das delações contra o PT. Mas não haverá como impedir a disseminação das denúncias contra o PSDB e, especialmente, contra a camarilha de Temer.

Em cima desse terremoto aproxima-se outro: a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre as contas de campanha de Dilma e Temer. Por mais ginástica que faça o principal advogado de Temer, Gilmar Mendes, não haverá como separar a chapa para questões eleitorais. Se a chapa for impugnada, significa que todos os votos serão anulados. E os mesmos votos sufragaram Dilma e Temer.

A eventual separação entre ambos só haveria para fins penais ou administrativos.

A única peça a sustentar Temer é a absoluta anomia do PSDB, incapaz de formular um programa sequer.

(Fonte: Jornal GGN - aqui).

OLD CARTOON

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.PRIORIDADES


George Gallagher. (EUA).
Parade, newspaper magazine, circa 1970.

TRUMP RADICALIZA


Dálcio.

TRUMP RIDICULARIZA


Mariano.

ENTREOUVIDOS AO FINAL DO DIA




'Que nada! Fizemos tudo para que a montanha parisse uns ratos, e deu certo'.


'Você achou aqueles números fora de propósito, a grana é gorda, de fato. Mas você agora vê o quanto a bolsa mídia funciona!'


'Expusemos o Eike pelo triplo do tempo necessário; quando finalmente entramos com a Odebrecht, já havia um certo enfado. Foi uma grande sacada'.


'O Eike foi gente fina, elogiou nossos parceiros. Em retribuição, não o mostramos sem peruca'.


'A receita é infalível: os assuntos constrangedores saem logo na abertura. Do meio para a frente, a gente vai amaciando, e no final exibe matéria para lá de edificante. Pronto. Fica aquela leveza no ar, propícia para a novela das dez. O Brasil mais uma vez volta ao curso glorioso da tranquilidade'.


'A manutenção do sigilo deixou-nos aliviados. Foi uma providência muito bem vinda. Deixamos o Janot meio exposto, mas ele entenderá. É fino. Vamos agora bombar a ideia de que delação não passa de indício, carecendo de confirmação. Caixa 2, por sua vez, é mero recurso contábil. Antes era diferente, lembra?, agora não'.


'Imprensa é oposição àquele partido abjeto, o resto é jornalismo ímprobo'.


'O negócio agora é internacionalizar ao máximo a pauta, e torcer para que não haja vazamento de delação. Vazamento perdeu a serventia'.


'Jornalismo investigativo pra quê? Passou o tempo de desperdiçar dinheiro'.


'O que preocupa é não termos boas notícias na área da economia. O incômodo é indisfarçável. A cada dia, vai se esfarrapando o argumento da herança maldita. Assim fica complicado amaciar o tema Odebrecht'. 


'Perigosos, mesmo, são aqueles sujeitos que dispõem de tempo para se informar por intermédio de outras fontes e assistem aos nossos jornais só para ver as distorções de fatos e, pior, os detalhes e até mesmo os temas que sonegamos ao público. Eles deveriam entender que estamos num país livre, em que cada um é dono de sua parcialidade e pode fazer dela o que bem entender!'

UNIDOS PARA SEMPRE


Paresh Nath. (Índia).

WITHOUT WORDS


Adam Zyglis. (EUA).

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

CARTUM DA BACIA DAS ALMAS


Encantado com Carnaval Fora de Época Black Friday,
francês promete vir conhecer Carnaval tradicional

Autor enigmático.
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AQUI: a performance da Petrobras nos últimos tempos.

ALAS ABERTAS PARA OS VAZAMENTOS


"Ao decidir homologar as delações da Odebrecht mantendo o sigilo dos documentos, a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Cármen Lúcia, tomou uma decisão que prejudica o país. Deixa na sombra fatos que o Brasil merece conhecer porque muita coisa já foi vazada nos últimos meses.
Esses vazamentos causaram incertezas políticas e econômicas e deram margem a manipulações para direcionamento das investigações. Uma das delações veio à tona na íntegra, vazada e distribuída por meio das redes sociais, a de Cláudio Melo Filho.
Cármen Lúcia obedeceu aos sinais que emitiu publicamente. Não faria sentido ir ao gabinete no sábado estudar um caso que não estava diretamente sob os seus cuidados. Agiu assim para homologar, recorrendo a brechas no regimento do Supremo. Não era o caminho preferido de colegas dela no STF, mas o regimento da corte é suficiente amplo para dar esse poder à presidente.
O novo relator da Lava Jato deverá ser escolhido nesta semana. Logo, do ponto de vista prático, as homologações poderiam ter esperado a escolha do substituto de Teori Zavascki, ainda mais com a manutenção do sigilo. É prudente que esse novo relator seja escolhido ainda nesta semana.
A homologação feita pela presidente do STF é uma atitude política de Cármen Lúcia para atender a um desejo da opinião pública. Porém, é uma decisão que vem pela metade. Falta dar publicidade e transparência ao que foi revelado pelos 77 delatores da empreiteira. O segredo tende a elevar especulações.
Delação por si não é prova. São necessárias a denúncia e o processo. Todos os acusados têm direito de defesa. Mas é preciso que o país saiba o que foi descrito pela Odebrecht. Certamente, essas revelações resultarão numa enorme turbulência política e econômica. Melhor que aconteça logo a deixar o país à espera de uma tempestade que só ameaça e não cai nunca."



(Do analista Kennedy Alencar, post intitulado "Homologar delações sem torná-las públicas prejudica o país" - subtítulo: 'Presidente do STF toma decisão pela metade e estimula incertezas', publicado no blog do jornalista - AQUI
Enquanto isso, o Congresso promove eleições internas 'no escuro', o Planalto aplaude o despacho da ministra e os responsáveis por vazamentos podem agir seletivamente, pinçando 'o que interessa', deixando por sua vez os privilegiados midiáticos igualmente livres para selecionar as dádivas recebidas.

Aqui: mais comentários)

O MIDIOTA FRENTE AOS CONTORCIONISMOS MIDIÁTICOS


Manual do perfeito midiota - 60: O que aconteceu com a economia brasileira?

Por Luciano Martins Costa

O dileto midiota deveria estar se perguntando: “o que aconteceu com a economia brasileira nos últimos dias?”
Acontece que nove entre dez daqueles sábios que pontificam nas emissoras de rádio e TV vendem a ideia de que a crise econômica está passando.
Se não se pode ainda afirmar que aconteceu um milagre, o que esses “especialistas em tudo” estão fazendo é uma coleta seletiva de indicadores, para demonstrar que a coisa não é assim tão feia.
Curiosamente, alguns desses indicadores foram usados no ano passado para convencer você de que o mundo estava acabando. Por exemplo, naquela ocasião a queda de preços era uma notícia ruim: dizia-se que o fato era provocado pela redução da atividade econômica, “comprovando” agravamento da recessão.
Nesta semana, a queda de preços, aliás prevista pelo mercado desde meados  de 2015, passa a ser um elemento de otimismo, um “ajuste do mercado à nova realidade”.
Mas no meio dessas conjecturas explodem os juros do cartão de crédito, sobe a taxa de administração das contas bancárias – não de todas, apenas daquelas comuns, onde os assalariados e os pequenos empresários tentam se resguardar – e o dólar retoma trajetória de subida, o que pode anular o efeito da recessão sobre os preços.
E olha só que interessante: alguns analistas que condenavam as políticas econômicas vigentes no Brasil e em outros países latino-americanos até muito recentemente, chamando-as de “populistas”, usam a mesma expressão para condenar as medidas econômicas anunciadas pelo novo governo dos Estados Unidos.
Assim, Donald Trump, Dilma Rousseff e, digamos, Cristina Kirschner são igualmente chamados de “populistas” e anti-mercado.
A pesquisa Bank of America – Merryl Linch sobre economia global, publicada no dia 7 de dezembro, aparece em artigos nesta semana, e ajuda a entender como as grandes fortunas se movimentam: seu pressuposto é de que a política protecionista anunciada por Trump, e sinais de “populismo” na Europa, exigem mais flexibilidade do capital financeiro.
E adivinhe qual é uma das recomendações? – a compra de ativos em países emergentes.
Mas essa é apenas uma das muitas possibilidades que o estudo oferece aos investidores. Evidentemente, uma pesquisa como essa contém uma enorme complexidade, suas indicações são destinadas a quem administra dinheiro realmente grande e são recebidas como uma orientação geral de estratégias de investimento.
Acontece que os analistas que pontificam na mídia brasileira, principalmente aqueles que dominam a cena da chamada grande imprensa, pegam esses dados e fazem uma digestão rápida, usando-os seletivamente para justificar certas propostas do governo interino.
Por exemplo, o trecho da pesquisa que fala no provável interesse do capital internacional por ativos, é usado pelo jornalista para defender a privatização do patrimônio público, considerando que o governo precisa fazer caixa muito rapidamente para – digamos – reformar ou construir presídios.
Entende como funciona? – Primeiro deixamos explodir os presídios, depois vamos vender o patrimônio público para construir presídios.
Na verdade, nenhum desses especialistas em generalidades tem tempo sequer para ler o resumo executivo de uma pesquisa como essa, porque eles têm que estar o tempo todo produzindo – estão onipresentes no rádio, na TV, na internet e nas folhas de jornais.
O que eles fazem é catar aqui e ali argumentos supostamente bem fundamentados para defender a ideia de que um bom governo é aquele que direciona as políticas públicas no sentido do interesse do sistema financeiro.
Quem disse?
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(Fonte: AQUI).
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Sobre o termo MIDIOTA, o autor escreveu elucidativo texto, divulgado em 2015 - aqui. Um trecho:
"... Como no 'vidiota' do romance de Jerzy Kosinski que inspirou o filme intitulado Muito além do jardim, a intensa exposição à mídia, sem o contraponto do senso crítico, pode ser uma prática perigosa. O indivíduo habilitado para interpretar a narrativa e o discurso propostos pela mídia nesse papel é também capaz de questionar o sentido que a mídia propõe para os acontecimentos do cotidiano.
Um grande contingente de cidadãos em condições de distinguir os vários significados das situações que a imprensa lhes apresenta será mais senhor de seu destino e se tornará menos vulnerável a discursos manipuladores e demagógicos.
O dilema está no fato de que esse benefício depende em grande parte de uma determinação da mídia hegemônica de usar seus recursos eticamente e com grande empenho estético. O problema se complica quando a própria imprensa faz escolhas contrárias à ética, esteticamente inadequadas e fora do propósito do bem, com o objetivo de usar a conectividade social que lhe é atribuída para arregimentar adeptos a um modo de vida simbólico que contraria o interesse coletivo."
O arremate:
"...Quando dizemos que 'você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito', estamos apostando que, exercitando a observação crítica da imprensa, o indivíduo se educa para a mídia. Essa distinção de habilidades é o que faz, de uns, midialiteratos e, de outros, no ponto extremo dos que acreditam em tudo o que leem, midiotas."
Mais didático, impossível.

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Nota:

Exemplo eloquente da necessidade de acionamento de senso crítico: a cobertura midiática (GloboNews à frente) sobre Lava Jato e arredores: na manhã de hoje, o jornalista Camarote abordou durante longo tempo a real possibilidade de colaboração premiada de Eike Batista, mas observando o seguinte roteiro: sobre o partido político golpeado, explícita alusão (como no que respeita ao ex-ministro Mantega); sobre os virtuosos, referência vaga ("partidos de 'a' a 'z'), com obsequioso silêncio relativamente ao fato de o ex-bilionário haver, em interrogatório realizado meses atrás, revelado a disposição de falar sobre o PSDB, para o que entregou em mãos relação de nomes, a qual foi imediatamente recusada pelos doutos interrogadores, conforme se vê AQUI.

NÃO QUEREMOS VOCÊ


Osama Hajjaj. (Jordânia).

NÃO QUERO VOCÊ


Jarbas.

A FRAGILIDADE DA AMÉRICA LATINA


Primeira semana de Trump evidencia fragilidade da América Latina

Por Jânio de Freitas

Os adversários se completam. Desde Barack Obama, os partidários de Hillary Clinton sustentam que o governo russo teve participação eleitoral contra a candidata democrata. Como candidato, Donald Trump acusou a existência de fraude, advertindo que não aceitaria sua derrota; como eleito, admitiu a participação informática de russos contra Hillary, e, como presidente, acusa a participação fraudulenta de quase três milhões de imigrantes ilegais na eleição. Os dois lados concordam que a eleição foi fraudada. Logo, ilegal, criminosa e inválida. E de uma eleição assim não resulta um eleito.
Os ganhos recordistas que a Bolsa de Nova York produziu, em euforia com a reversão autoritária inaugurada por Trump, explicam a aceitação de um suposto eleito como presidente. E sugerem um quadro interno dos Estados Unidos muito diferente da expectativa pessimista que perpassa o mundo. O mais provável é que as esperanças de impeachment ou renúncia, sustentáculo de muitas opiniões, traduzam excesso de irrealismo. Ou dependam de que Trump avance até além do que anunciou e começa a praticar.
Diante disso, a primeira semana de Trump foi suficiente para indicar a fragilidade medíocre da América Latina, na qual o México é um alvo em nome de todos os latino-americanos. Antes da eleição, os ataques de Trump ao México eram palavras de candidato. Ninguém precisava protestar, nem mesmo o México o fez. O ataque passou a ser do presidente. Era, portanto, o governo dos Estados Unidos a determinar que o México custeie, sob pena de represálias, os 3.000 quilômetros de um muro que satisfaça o segregacionismo e a pretensa superioridade de americanos. Um caso internacional de interferência.
Nenhum país latino-americano emitiu uma só palavra de solidariedade ao México. Ou, ao menos, de ponderação sobre a atitude do presidente americano tão arbitrária e adversa à muito cantada, sobretudo pelos Estados Unidos, "fraternidade panamericana". De fato, o que não falta entre nós são tratados, acordos e cartas prescrevendo convivência fraterna entre os países da região e condução pacífica dos desentendimentos. Um dos mais importantes desses laços até se chama Tratado do Rio de Janeiro. E existe mesmo uma tal Organização dos Estados Americanos, com a qual, apesar do nome, os governos americanos sempre puderam contar.
Medo, pusilanimidade, subserviência, malandragem à espera de uma vantagenzinha, há de tudo na omissão dos governos latino-americanos, excetuado o México compelido a ficar de pé. Seja construído ou não, o muro de Trump separa, na verdade, os seus Estados Unidos e a América Latina. Para a qual, fosse como candidato, como eleito ou já presidente, essa figura própria para os anos 1930 não dirigiu nem sequer um aceno de cumprimento.
A América Latina faz-se dispensável. Com o Brasil à frente.
(Para continuar a leitura da coluna dominical de Jânio de Freitas, clique AQUI).
................
Há quem generalize: Na verdade, ainda estão todos atordoados.
(Mas, há ilhas de paz e tranquilidade: imperturbável, a Petrobras se apressa em licitar fatias do Pré-Sal, enquanto a Exxon e parceiras esfregam as mãos. E que ninguém se atreva a questionar ou mesmo lamentar a entrega: esse negócio de nacionalismo, independentemente do que os EUA de Trump apregoam e adotam, é coisa de anacrônicos...). 

OLD CARTOON


Tom Hudson.  -  EUA. 1958.

domingo, 29 de janeiro de 2017

CRÔNICA MOREYRENSE


Através

Por Álvaro Moreyra

O Brasil tem superprodução de ideias. Como nenhum país estrangeiro nos importa essa mercadoria, o resultado de tantos anos perdidos só não vê quem não quer: cada vez as ideias se tornam mais baratas e a maior parte delas já se deteriorou.
Não garanto mas desconfio que a culpa é do clima. Tanto calor, tanto temporal. Tanta gente “a dizer o que entende”, a expor planos, a criticar o que se faz direito, a insistir pelo o que se faz torto. Ninguém fica quieto no que é. Não há votação nem profissões. Há confusão. Dia de S. Bartolomeu perpétuo nas cabeças.
Há anos, um homem que eu conheci, calmo, simpático, de casaco de alpaca, me declarou:
- Sabe de uma coisa? Vou deixar de ser burro!
Ideia que inventara de repente. Tentei convencê-lo de que devia continuar como era. Não convenci.
Meses depois estava excitado, carrancudo, com outro casaco, foi a Caxambu e nunca mais melhorou. Esqueceu-se das origens. Saiu dos limites.
Muitos assim, agindo em setores diferentes, criaram essa balbúrdia, essa mistura, esses boatos…
(Álvaro Moreyra, 1932. - Fonte: aqui).
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No Brasil de hoje, instado a citar ao menos uma coisa gratificante no cenário político-econômico, Moreyra, que abominava as notícias sombrias ("As Amargas, Não"), daria o 'calado por resposta', como dizia o coronel Joffre, irascível personagem do folclore político piauiense de décadas atrás.

OS EUA E A LIBERDADE DE IR E VIR


Dálcio.

ELOS


Oguz Gurel. (Turquia).

TRUMP E SUA POLÍTICA DE IMIGRAÇÃO


Angel Boligan.

A ASTROLOGIA E OS NEGÓCIOS


Eike e as estrelas

Por Carlos Orsi

Meu Livro da Astrologia trata, em diversos pontos, da influência das previsões astrológicas na política, mas não falo sobre economia. Depois de ver a notícia (de que o ex-bilionário Eike Batista cultuava a astrologia - aqui), pergunto-me se não seria o caso de escrever um posfácio.

As pessoas talvez fiquem surpresas ao saber que investidores com bilhões em jogo dão atenção a coisas como mapas astrais, mas a verdade é que, quando se compara o mundo das altas finanças a um cassino, a metáfora está muito mais próxima da realidade do que o mito de um mercado regido por decisões racionais de agentes ideais bem-informados sugere. Sempre que risco e incerteza entram em jogo, a superstição nunca está muito longe.

Falando especificamente de "consultoria" financeira e administração de investimentos, sempre que se busca ir além do óbvio ditado pelo bom-senso, torna-se virtualmente impossível distinguir competência de simples sorte (ou venalidade, como em casos em que a posse de informação privilegiada cria uma vantagem real para alguém).

A longa lista de mega-gurus das finanças caídos em desgraça é, de certa forma, uma lista de apostadores que acabaram alcançados pela lei das probabilidades: nesse tipo de cenário, apelar para os astros pode ser tão (i)racional quanto dar ouvidos ao seu consultor cinco estrelas.

Artigo publicado em 2013 no Journal of Finance, de autoria de pesquisadores da Universidade de Oxford, aponta que os conselhos de consultores sobre a seleção de fundos para investir são, no geral, inúteis ou levemente prejudiciais: "não encontramos evidências de que os produtos recomendados superam, de modo significativo, outros produtos (...) determinamos que o retorno médio dos produtos recomendados é, na verdade, 1% inferior ao de outros produtos". Astrólogos dificilmente se sairiam pior.

Outro trabalho, publicado em 2008 no mesmo periódico, mostra que as performances de gestores de fundos recém-contratados (porque vinham se saindo muito bem no emprego anterior) e recém-demitidos (porque estavam indo muito mal) são estatisticamente equivalentes no longo prazo -- mais uma vez, indicando que sorte, e não competência, é o fator preponderante. (...)


(Fonte: Blog Carlos Orsi - aqui).

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"Falando especificamente de "consultoria" financeira e administração de investimentos, sempre que se busca ir além do óbvio ditado pelo bom-senso, torna-se virtualmente impossível distinguir competência de simples sorte (ou venalidade, como em casos em que a posse de informação privilegiada cria uma vantagem real para alguém)."

Ao ler o texto acima, provavelmente virá à mente de alguns o fato de que o cumprimento do mandado de prisão, assinado quase duas semanas antes, somente foi tentado  horas após o ex-bilionário haver fugido do País. A se confirmar a informação, baita sorte.

OLD CARTOON

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Grandes invenções:  Limpador de Chaminé


Al Kaufman. (EUA).
Saturday Evening Post, circa 1970.

O QUE DISSE MARISA LETÍCIA


"Qual a origem da sua família? 

Meus pais são descendentes de italianos. O sobrenome do meu pai é Casa; o da minha mãe, Rocco. Meus avós, tanto do lado paterno, como os do lado materno, conheceram-se no navio vindo da Itália. Conheceram-se no mar, casaram-se em São Bernardo e tiveram vários filhos. Foram posseiros e para não dividir as terras faziam casamentos entre eles, algo que naquele tempo era normal. Tenho várias primas-irmãs: os irmãos de meu pai casavam-se com as irmãs de minha mãe e vice-versa.

Em que bairro eles moravam? 

Atualmente chama-se bairro dos Casa, em São Bernardo do Campo, antigo sítio dos Casa, onde meu avô fez a capela de Santo Antônio, que está lá até hoje. A maioria dos irmãos do meu pai chama-se Antônio; os de minha mãe também; o meu avô, idem.

Eles plantavam o quê?

De tudo um pouco. Batata doce, batatinha, milho. Tinha gado, tinha galinha, pato. Saí do sítio com cinco anos de idade.

Vocês são em quantos irmãos?

Minha mãe teve quinze filhos. Três morreram ao nascer. Vivos, hoje, somos em nove. Mamãe trabalhava na lavoura, os maiores ajudavam e os menores ficavam num chiqueirinho cavado na terra. Minha mãe deixava a gente ali dentro, para não fugir. Eu tinha uns dois ou três anos. Sou a penúltima dos irmãos. Tenho irmã que poderia ser minha mãe, pela diferença de idade.

Qual é o nome dos seus pais?

Regina Rocco Casa e Antonio João Casa.

Foi uma infância difícil?

Não, em casa tinha fartura. Como minha mãe plantava e colhia e também tinha criação, nunca ninguém passou fome. Ela fazia aquela galinhada, galinha com polenta para o jantar ou a minestra, um caldo de feijão com muito legume, arroz, carne...

Vocês frequentavam a cidade?

A gente só saía para ir a capela. A cidade era longe. Só por volta de 1955, quando minhas irmãs mais velhas começaram a trabalhar nas tecelagens a gente saiu do sítio, aí em definitivo. Meus irmãos também estavam buscando emprego nas fábricas de móveis. Mudamos para o bairro Assunção. Meu pai comprou uma casa muito grande, com quintal onde ele continuou criando seu porquinho, galinha, horta. Ficou sempre nessa vida. Mas ainda não tínhamos luz, a água era de poço. Minha mãe cozinhava no fogão à lenha. Foi nessa época que comecei a estudar, numa escolinha de madeira. Só na terceira série é que fui para um colégio no centro, o Grupo Escolar Maria Iracema Munhoz.

Qual era teu sonho de vida?

Eu queria dar aula, gostava muito de criança. Meu pai achava que mulher tinha que aprender a lavar, cozinhar e costurar. Educação rígida, à antiga. Aos nove anos as meninas começavam a ajudar dentro de casa. Eu não gostava muito dessas coisas, mas fiz cursinhos de corte e costura, culinária...

Você começou a trabalhar com que idade? 

Aos nove anos. Fui ser pajem dos filhos do sobrinho do Cândido Portinari, um dentista muito famoso em São Bernardo, o Jaime Portinari. Ele tinha três filhas. Eu tomava conta dessas meninas porque a mãe dava aula. Ela trabalhava à tarde e eu estudava de manhã, as duas no mesmo colégio. Depois nasceu mais uma menina e eu com nove anos tomava conta de uma recém-nascida. Morava nesse emprego, dormia lá.

Ficou muito tempo?

Saí mocinha para trabalhar em fábrica, na Fábrica de Chocolates Dulcora. Tinha 13 anos. Foi necessário tirar uma carteira especial de menor, com autorização do pai. Tenho essa carteira até hoje. Depois, com 14 anos, você já tirava a carteira normalmente. Eu comecei como embaladora de bombom alpino.

Como era para você trabalhar assim tão criança? 

Sempre gostei de ser útil, adorava isso. Era um sonho trabalhar fora, ter o próprio dinheirinho. Fazia com prazer, mas hoje tenho consciência de que lugar de criança é mesmo na escola, com tempo para brincar e aprender. Trabalhei na Dulcora oito anos. Saí para casar.

Seus pais eram bravos?

Meu pai era muito enérgico, minha mãe contornava as coisas. Mas namorar não podia, imagine! Minha mãe inventava historinhas para a gente poder sair, mas era difícil. Das irmãs eu era a mais rebelde. Gostava de participar de tudo, reuniões, centro cívico, festinhas de igreja, meu pai não deixava...

E para namorar?

Namorar naquela época era bate-papo, dava a mão, ele levava você até a esquina de casa e ponto.

Você tem alguma lembrança política dessa época? 

Não, nenhuma. A gente não tinha televisão e meu pai proibia falar de política dentro de casa. Ele não gostava. Nunca comentou o porquê. A gente sabia é que os avós tinham passado momentos difíceis na Itália, vieram fugidos por causa de política e proibiam de falar no assunto. Meu pai seguiu a regra. Televisão em casa só entrou quando eu já era bem mocinha. Mas nós ainda rezávamos toda tarde, às seis horas. Paquera então, só longe de casa, na Marechal Deodoro (rua central de São Bernardo), logo após o cinema, à tarde. Comprava-se pipoca e depois era sobe e desce a Deodoro...

Com que idade você teve o seu primeiro casamento?

Casei com o primeiro namorado, o Marcos, aos 19 anos. Casei e continuei trabalhando. Só saí da Dulcora quando engravidei. Marcos era motorista de caminhão, transportava areia. Como a gente queria comprar casa própria, ele pegava o táxi do pai, que só trabalhava à noite, para fazer bicos à tarde e nos fins de semana. Ficamos casados apenas seis meses. Marcos foi assassinado quando eu estava grávida de quatro meses. Trabalhava com o táxi num domingo à tarde quando foi assaltado e morto. Meus sogros queriam demais essa criança, aí praticamente me adotaram. Fiquei morando com eles até o Marcos completar um aninho. Então fui trabalhar num colégio de Estado, como inspetora e substituta, mas contratada pela prefeitura. Aí voltei para a casa de minha mãe, porque ela tinha mais tempo para tomar conta do nenê, enquanto eu estivesse no serviço.

Como você conheceu o Lula?

Eu recebia uma pensão de viúva. Naquela época você tinha que passar em qualquer sindicato para recolher um carimbo e depois receber no INPS (hoje INSS). Costumava ir ao sindicato dos marceneiros. Mas houve umas mudanças de local e a sede dos metalúrgicos passou a ficar mais perto para mim. Foi assim que conheci o Lula, que trabalhava no Serviço de Assistência Social do sindicato.

O Lula já conhecia seu sogro? 

É o que ele conta. Diz que eles se conheciam porque tomava o táxi do seu Cândido às vezes. Os dois conversavam sobre a nora viúva etc, mas ele não me conhecia, nem houve nenhum arranjo para esse encontro entre nós. Foi pura coincidência a ida ao sindicato.

Ele atendeu você?

Não, foi um menino, um mocinho chamado Luisinho. Expliquei que precisava do carimbo para receber a pensão. Diz o Lula que já havia avisado a esse rapaz: assim que chegasse uma viuvinha nova, era para chamá-lo porque ele também era viúvo (a primeira esposa de Lula, Maria de Lurdes, operária tecelã, faleceu grávida e o filho também morreu).

O tal Luisinho chamou mesmo o Lula?

Exato. Inventou que o carimbo estava com um probleminha, foi lá dentro e quem voltou foi o Lula. Chegou e já senti que havia algo diferente. Percebi logo, porque nunca precisou tanta cerimônia para receber uma pensão que eu já tinha há três anos. O Lula disse que havia mudado a lei, eu teria que deixar o carnê para renovar etc... E pediu meu telefone. Caí que nem uma bobinha. Trabalhava na secretaria de uma escola na época. Desse dia em diante o telefone não parou mais de tocar.

E você não atendia?

Um dia atendi. Ele disse que já podia passar para assinar a papelada. Cheguei, começou tudo de novo. Senta um pouquinho; vou te explicar; aquele papo... Vamos tomar um cafezinho? Foi nessa hora que deixou cair a carteirinha do sindicato e falou: tá vendo, eu também sou viúvo. Respondi: ah é?

Nenhuma simpatia nesse primeiro contato?

Não, naquele tempo, o que uma mulher mais queria na vida era casar e ter um filho. Eu já tinha passado por essa experiência. Mas ele não desistiu. Telefonava, insistia, por fim, marcamos um almoço no São Judas, no bairro Demarchi (tradicional restaurante do ABC).

O Lula sabia que você era nora do tal chofer de táxi?

Ele diz que ficou desconfiado, porque as histórias batiam. Mas foi tudo coincidência. Jamais foi montado um encontro.

E o namoro como começou?

Eu já tinha um namorado, vizinho da família que eu conhecia desde criança. Uma coisa assim descompromissada. Mas o Lula não queria saber. Um dia descobriu a minha rua. Chegou com um TL azul turquesa. Viu uma senhora, pediu informações. Era justamente minha mãe. Eu estava tomando banho para encontrar o namorado. Quando saio, quem está lá com a minha mãe? O Lula. Pedi que fosse embora porque tinha um compromisso, mas ele só deu uma voltinha com o TL e retornou. Chegou e foi logo dizendo para o meu namorado dar licença, que tinha assunto muito sério a tratar comigo. Mandou o cara embora. Pode? Aí já havia conquistado a simpatia de minha mãe porque era um sujeito mais alegre, mais dado que o outro. Ela ofereceu um aperitivo, o Lula entrou e, bom, tive que acabar o namoro porque ele já não saía mais de casa...

Casaram-se rápido?

Depois de sete meses. Mas não casei grávida não (risos). O Fábio, meu primeiro filho com o Lula, nasceu com nove meses e nove dias depois do casamento. Depois, com um ano de casado, em 1975, ele ganhou a eleição para a presidência do sindicato dos metalúrgicos.

Como foi essa coisa de ele virar uma figura pública?

Eu não estranhei muito porque, como disse, comecei a acompanhá-lo. Levava as esposas dos trabalhadores, organizava festas, projetos sociais. Passamos a reivindicar a presença de mulheres nas chapas. Então foi uma evolução junto.

E quando começam as greves, veio o medo?

Medo a gente sempre tem um pouquinho. Mas o dia a dia vai mostrando tanta força que muitas vezes você se pergunta: será que eu fiz isso mesmo? Por exemplo, nós fizemos aquela passeata das mulheres em 1980, quando os dirigentes sindicais estavam todos presos. Hoje, você pensa, parece uma loucura. Encheu de polícia. Os homens queriam dar apoio, mas nós dissemos, não, e saímos. Fizemos só com as mulheres. Botei as crianças na rua, meus filhos no meio daquela multidão, polícia para tudo quanto é lado.

Como era para eles ver o pai na televisão?

Tive que fazer um trabalho com isso mas acho que ficaram com uma cabeça boa. As coisas foram acontecendo aos poucos, fomos nos adaptando. Quando ele aparecia na tevê eu brincava com os meninos: querem ver seu pai, olha ele aí, porque eles já quase não viam mais o pai.

Você virou mãe e pai?

É, mas foi tranqüilo. Tinha reunião de pais na escola, lá ia eu. Tinha joguinho dos pais, lá ia a mãe. Não tinha problema, eu sabia que era importante.

A sua casa também virou uma sucursal do sindicato? 

Virou mesmo. Em 1980, tomaram o sindicato da gente com a intervenção. Não tínhamos para onde ir. Desocupei a sala da frente (da residência onde moravam) e disse: pronto, aqui é o sindicato. E a secretária era eu. Vinham políticos, almoçavam, alguns dormiam lá em casa. Depois, montamos um fundo de greve na Igreja, para arrecadação de alimentos. Aí desconcentrou um pouco. Quem ajudou muito nessa época foi Dom Cláudio Hummes, que era bispo de Santo André e hoje é arcebispo de São Paulo.

Vocês acabaram conhecendo muita gente nesse processo. O Fernando Henrique Cardoso também?

Sim, sim, em 1978 quando ele foi candidato ao Senado, o Lula apoiou, demos o maior apoio a ele. Foi nessa época também que conhecemos os deputados do PMDB, Suplicy, Geraldinho Siqueira, Sérgio dos Santos... Mas a gente ficava com um pezinho atrás, porque nós éramos sindicalistas e eles, políticos.

E a prisão do Lula, em 1980?

Nossa casa estava cercada há muito tempo. Policiais na esquina, gente rondando à noite. Eu tinha um pouco de medo pelas crianças. Mas tinha consciência de que estávamos mudando alguma coisa importante. Depois, o irmão do Lula, o Frei Chico, já havia sido preso. Preso político. Fomos visitá-lo, conversamos muito. Aquilo tudo foi deixando um sentimento de revolta em mim. Eu sabia que era preciso mudar. E para mudar alguém tinha que enfrentar aquela situação porque se ficasse pensando como meu pai, que não queria nada com política, as coisas não sairiam do lugar nunca.

Quando o Lula decolou como liderança, o que você sentiu?

Achei que era isso mesmo, um momento importante, algo que alguém precisava assumir. Tinha orgulho. Mas também sentia falta dele, claro, sentia falta de ter alguém com quem conversar, discutir...

E a prisão?

Então, a casa estava cercada há várias semanas. Frei Betto, Geraldinho Siqueira, o Jacó Bittar, o Olívio Dutra e vários outros dormiam lá para nos dar alguma cobertura.

Como é que vocês conheceram o Frei Betto?

Olha, foi até gozado. Um dia o Lula avisou: vem um frei almoçar aqui. Para mim, tudo bem, almoçava tanta gente lá que não fazia diferença. Come o que tem. O Lula precisou sair e lá pelas tantas me aparece na porta um jovem. Eu estava esperando um frei, com aquela bata, chinelo, um velhinho, enfim, com roupa toda marrom. Então me aparece um rapazinho e diz: - Sou o frei Betto, trouxe uma pasta para o almoço. Respondi brincando: você pensa que nesta casa não tem comida? Somos grandes amigos até hoje.

E quando a polícia chegou?

Bom, primeiro ligaram dizendo que o motorista do deputado Geraldinho Siqueira havia sumido. Saiu para buscar jornais e sumiu. Fomos dormir. Cedinho bateram no portão. Era umas cinco e meia. Tudo escuro. Frei Betto atendeu - Cadê o Lula, nós vamos levar o Lula, nós vamos levar o Lula.... Um bando de homens armados de metralhadora com uma Veraneio que fechou a saída da garagem, onde ficava o nosso Fiat. Meu quarto dava para a rua. Acordei assustada, chamei - Lula, Lula, estão aí atrás de você.

E ele, apavorou?

Nada. Falou exatamente assim - Calma, calma, vou tomar meu café, trocar de roupa, manda esperar. Eu queria que o Frei Betto e o Geraldinho acompanhassem a viatura, mas eles já tinham prendido o motorista do deputado justamente por isso. E barraram a saída do nosso Fiat. Foi uma cena horrorosa, metralhadoras para tudo quanto é lado, mas as crianças não acordaram, graças a Deus. Pegaram o Lula, enfiaram dentro do carro e sumiram. Não falaram nada, na-da. A gente não sabia para onde o levariam. Até o Fiatizinho esquentar, já tinham desaparecido. Então começamos a ligar para Deus e o mundo, e descobrimos que estava no DOPS. Ele e vários outros. Foram pegando todo mundo da diretoria do sindicato.

Lula tomou o tal café?

Tomou, trocou de roupa...

E as crianças?

Não falei sobre a prisão num primeiro momento. Dei um tempo em banho-maria, depois expliquei devagarzinho, direitinho para não assustar. Mas eu tive problemas com o mais velho na escola. O Marcos se recusava a ir à aula. Quando fui saber, eram colegas que acusavam: seu pai é bandido. Está preso, é bandido. O Marcos sentava lá na frente, eles jogavam aviãozinho dizendo essas coisas. Acabei permitindo que ele se afastasse por um tempo, o que o levou perder o ano letivo. No semestre seguinte fui à escola e falei com a diretora. Expliquei o que havia acontecido e disse que elas deveriam esclarecer as crianças. Esse tipo de preconceito não podia continuar. Só então o Marcos voltou aos estudos.

O Marcos era filho do seu primeiro casamento?

É. Eu o ensinei a chamar o Lula de tio, mas ele preferia pai mesmo. Aos nove anos, disse ao Lula que queria ter o mesmo sobrenome dele. E o Lula assumiu isso legalmente com alegria, com a maior satisfação. Hoje ele é Marcos Cláudio Lula da Silva.

Nesse período da prisão morreu a mãe do Lula?

Ela já estava muito mal, com câncer, queria ver o filho. Nós conseguimos que o Lula saísse uma vez da prisão, antes da morte, coisa que pouca gente sabe. Convencemos o Romeu Tuma (diretor do Dops na ápoca) a permitir essa visita. Depois, ele voltou para o velório. Saí do Dops com o Lula. Mas quando chegamos ao enterro os trabalhadores cercaram o carro da polícia. Estavam revoltados. Lula pedia calma. Mas os operários haviam parado as fábricas, eram ônibus e ônibus que chegavam, uma situação tensa, de nervos à flor-da-pele, que exigiu muita habilidade e liderança do Lula.

As crianças foram visitar o pai no Dops?

Foram. Preparei os meninos. Expliquei como era, para eles não terem medo. Disse que tinha polícia, mas que o papai estava bem, contei sobre o lugar, enfim, tentei evitar surpresas que assustassem uma criança. Quando chegamos, o Tuma disse: --Olha, dona Marisa, é melhor a senhora ir para a minha sala com as crianças que eu vou buscar o Lula. Quando ele apareceu na porta, o Fábio pensou que a cela era ali e falou -- Papai você não tá preso, você tá num hotel! Tinha quatro aninhos.

Quando você ouviu falar em PT pela primeira vez?

Nesse tempo a discussão já havia começado, em pequenos grupos, lá em casa. No início, muitos políticos diziam: Lula, para que criar outro partido, basta entrar num dos que já existem. Mas ele respondia: quero criar um partido diferente de todos, um partido dos trabalhadores. A primeira bandeira do PT eu é que fiz.

Como é essa história?

Eu tinha um tecido vermelho, italiano, um recorte guardado há muito tempo. Costurei a estrela branca no fundo vermelho. Ficou lindo. A gente não tinha núcleo, não tinha nada. Minha casa era o centro. Começamos então a estampar camisetas para arrecadar fundos. Vendíamos uma para comprar duas. Estampava a estrelinha, vendia, comprava mais. Foi assim que começou o PT.

Você se lembra da primeira vez em que se falou de Lula na Presidência?

Em 1980, Lula foi julgado no Superior Tribunal Militar, em Brasília. Foi a primeira vez que visitei a capital. Fizemos um passeio e o guia foi mostrando as mansões, aquela ostentação toda. Quando acabou eu disse - Lula, vamos parar com tudo isso: esses caras não vão deixar você chegar ao poder nunca. Eles não vão largar isso aqui jamais. Fazem qualquer coisa, mas não abandonam essa vida...

Você mantém essa opinião?

Não, hoje não mais. O PT cresceu muito e na verdade já começou a mudar o país. Tem prefeituras, tem governos de estado. A mudança começou. Mas ainda vão resistir muito. Vão lutar muito para deixar a gente chegar ao poder. Mas hoje temos chance. O povo está descontente demais. Além do que, existe uma característica do Lula que pesa muito. É algo que vem de berço: o Lula quando quer uma coisa consegue. E ele vai conseguir melhorar esse país. Ele mudou na época da ditadura militar, não mudou?

O que te dá mais medo no Brasil hoje?

A violência. Os nossos jovens são a principal vítima. Quando leio os jornais já não olho nem nome, nada. Me fixo na idade: uns moleques, viu? Só moleques. É o que me dá mais medo, me dá dó, dá pena. Mas eu sei que se essa juventude tiver a chance de uma escola, uma boa educação e trabalho, o país muda. 

Muda. Tenho certeza que muda."




(De Marisa Letícia, mulher do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, em entrevista concedida quando da campanha na qual Lula concorreu à eleição presidencial de 2002. Fonte: site Carta Maioraqui.

Dica de leitura: 'Marisa Letícia', por Frei Betto - aqui).