Realmente, em se tratando de um ministro do Supremo Tribunal Federal, cargo da maior visibilidade e importância política, isso não importa para o que será analisado: sua atuação como juiz de direito, aspecto puramente profissional. Crítica ao legado de Teori Zavascki enquanto ser-político. Digo isso, pois em momentos de falecimento costuma haver muitas matérias, escritos e perfis influenciados para encaixar em alguma expectativa de nostalgia, de elevação dos pontos de destaque e omissão dos pontos de crítica.
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Certa vez, quando comentava o baixo nível do Supremo Tribunal Federal, muito por influência das treze indicações feitas pelos governos de Lula e Dilma, disse que Teori não surpreendeu quem dele esperava apenas a mediocridade nas decisões. Não me estendi a ele naquela oportunidade, razão pela qual volto ao seu legado para analisar quem foi enquanto ministro do Supremo Tribunal Federal.
Teori não escapou da lógica geral de um Supremo nivelado por baixo. Em função de uma série de fatores, a análise de seu acervo gira em torno de processos e ratificações de delações premiadas na Lava Jato, mas cabe explicar que suas decisões vão muito além dessa ação penal. Para começo de conversa, por exemplo, o ministro foi, ao lado do Luís Roberto Barroso, responsável por impulsionar a pauta e eliminar a presunção de inocência da Constituição Federal, quando decidiu que Tribunais de Justiça, ao julgarem apelações, podem de ofício determinar que o acusado seja preso, em que pese a Carta Constitucional – que Teori jurou guardar – dizer o contrário.
Não apenas na ação Teori se mostrou falho, como também na omissão. Foi na sua gaveta que o processo da descriminalização do porte de drogas para consumo dormiu por quase um ano e meio. No começo deste mês, o Justificando o cobrou pela demora no “perdido de vista”, fato que jamais gerou dele qualquer explicação para a sociedade que vive a maior crise carcerária e falência da guerra às drogas das últimas décadas. Cada pessoa usuária de drogas presa e condenada como se traficante fosse nesse tempo de espera tem o direito de cobrar o fechamento desse caso.
No campo trabalhista, Teori tradicionalmente se posicionou pelo esvaziamento da CLT. Foi um dos que votou pelo corte no ponto de funcionários públicos grevistas, praticamente inviabilizando qualquer paralisação no setor. O julgamento foi um dos mais preocupantes de 2016, pois a Corte fez isso sob o argumento de conter eventuais protestos que ocorreriam ante à recessão e o ajuste fiscal. Motivo jurídico algum, apenas político de ser mais governista do que o próprio governo.
Não se pode esquecer também que Teori decidiu como relator pela prevalência do negociado sobre o legislado em detrimento do trabalhador e da trabalhadora. A decisão veio no fim do ano, quando a Corte apontou seus canhões para a CLT, enquanto aplaudia a PEC do Teto de Gastos. Sua Excelência, então, fez coro à ideologia de uma espécie de constitucionalismo individual tão somente, desapegado dos direitos sociais e pouco se importando com o que a Constituição determina – outro grande exemplo é a declaração de ilegalidade da desaposentação pelo Supremo, julgamento no qual Teori compôs a maioria.
A lembrança desse e de outros episódios não compõem o réquiem de Teori, em função do magistrado ser lembrado como incorruptível e duro com políticos, imagem que soube muito bem construir na sua passagem. Afinal, ele foi primeiro ministro a determinar a prisão de um Senador, no caso Delcídio do Amaral, então no PT/MS e líder do governo no Senado. A decisão do dia para a noite, novamente, foi no sentido contrário da Constituição, mas isso não impediu que ministros por cima dela passassem, com direito a frases de efeito. A sessão histórica ficou marcada por Cármen Lúcia dizendo que o “crime não venceria a justiça” e o “escárnio não venceria o cinismo”, seja lá o que isso queira dizer.
Sobre a postura incorruptível, vale dizer que a queda do avião revelou aspectos relevantes de um debate posto à mesa há já algum tempo: a relação de favores entre autoridades públicas e empresários que têm interesses em processos pautados na Corte. Como revelou o De Olho nos Ruralistas, Teori viajava na companhia de Carlos Filgueiras, empresário sócio do BTG Pactual, banco de investimento investigado na Lava Jato. Ele ficaria o final de semana no hotel de luxo de propriedade do empresário e essa semana retornaria a Brasília.
O debate sobre as pessoas na aeronave focou na massoterapeuta Maíra Panas e sua mãe Maria Panas, para especular se a jovem seria prostituta ou não. Como me disse a advogada e ativista Gabriela Cunha Ferraz, pouco importava essa informação, ainda que eventualmente ela se confirmasse – o que não ocorreu, como revelaram diversos perfis jornalísticos sobre a jovem. A questão principal é o que fazia um ministro do Supremo com um empresário interessado no destino da Lava Jato? A pergunta, ainda não respondida, pelo menos coloca em cheque a relação simbiótica entre autoridades públicas brasileiras e poderosos detentores do capital e interesses privados.
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No sentido absolutamente contrário à dura decisão para o então governo, Teori teve participação protagonista no impeachment de Dilma, ao adiar o julgamento da ação movida pela Procuradoria Geral da República, que pedia o afastamento de Eduardo Cunha da Presidência da Câmara dos Deputados. O ministro preferiu adiar o desfecho processual do parlamentar para que ele definisse antes o destino da chefe do executivo e do país. Frise-se: Eduardo Cunha, unanimidade em termos de falta de ética, só fez o que fez, pois Teori estava nos bastidores, retardando seu afastamento.
Como disse o cientista político professor na Unicamp, Frederico de Almeida, “os ministros da corte precisam ter clareza de que o fato de que não tenham feito isso antes foi determinante para o destino do governo Dilma; e, por mais delicada que fosse a questão, o próprio Supremo já havia agido de maneira radicalmente oposta no caso da prisão do senador Delcídio Amaral”.
Somente esses julgamentos enterram a tese de que o ministro, protagonista em ambos, era “técnico”, como muito difundido na imprensa. A palavra técnico assume para esses efeitos um julgador sem ideologia, avesso ao perfil de Professor Pardal, ou coisas do gênero. Do ponto de vista mais jurídico, técnico assumiria uma característica positivista, apegado ao que está na lei e alheio a pressões externas.
Ora, leitor e leitora, um juiz que mantém Cunha para fazer o que fez de propósito não é técnico; é político-partidário. Fora que o argumento de técnico como cumpridor de lei cai por terra quando sucessivas vezes Zavascki preferiu o caminho fácil para se aliar ao desapego da Constituição, em um momento de profunda instabilidade política. Juiz constitucional que não respeita a Constituição não é um juiz técnico; é um juiz que estava no lugar errado.
Se nas decisões o ministro ia mal, pelo menos na postura era melhor que seus colegas. Em terra de pavão vazio de sentido, um magistrado que é discreto tem muito a ensinar. Celso de Mello e Rosa Weber o acompanham nessa característica que poderia muito bem espelhar Barroso, Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Cármen Lúcia, principalmente.
Entretanto, fazer dessa qualidade a conclusão de que era um excelente juiz indica que estamos mal de parâmetros. Para uma mínima avaliação de um ministro do Supremo, seria necessário compromisso com a Constituição, característica que faltou muito a Teori durante sua passagem no Supremo."
(De Brenno Tardelli, diretor de redação do site Justificando, post intitulado "Teori não escapou da lógica de Supremo nivelado por baixo" - AQUI).
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