sábado, 28 de janeiro de 2017

HAPPY HOUR EM DAVOS


Happy hour em Davos

Por André Araújo

O volume de desinformação que a mídia brasileira transmitiu a partir do Fórum Econômico de Davos vem batendo recordes. Nada sobre o essencial e tudo sobre a perfumaria dos entornos, nada de relevante para o Brasil.

Davos foi uma invenção esperta e lucrativa do empresário alemão Karl Schwab, é um clube de relacionamentos  nascido com o fim do mundo bipolar em 1990 e com a expectativa do domínio eterno do neoliberalismo e da globalização, bandeira que o Fórum se propunha a apoiar e propagar como o evangelho da verdade revelada, a de que a globalização era boa para todos, verdade que foi desmentida pela concentração de renda e riqueza que ela provocou no mundo e dentro dos países.


O Fórum é um palco iluminado para participantes fazerem seu marketing pessoal, de suas empresas e negócios, estabelecerem contatos para alavancar carreiras e acordos. Também é um podium para transmissão de recados e avisos, como fez o líder chinês neste ano.
Temos no Brasil algo similar em escala e profundidade bem menor no Grupo LIDE, de João Doria, um networking de troca de cartões e possíveis transações, nascido do novo mundo de ascensão de novas classes, que é também o pano de fundo de Davos.
Nos tempos do Congresso de Viena de 1814 não havia necessidade dessas montagens porque na aristocracia todos se conheciam, quando não eram parentes. Mas hoje os executivos, na maioria das vezes, vêm de baixo e não têm proximidade social, daí o mercado para o networking artificial desses eventos sociais com objetivos políticos e de negócios.
As mensagens que a mídia brasileira manda, a partir de Davos, são risíveis. Segundo a mídia, o Ministro Meirelles encantou "investidores" mostrando as medidas econômicas que o Brasil tomou, também ficaram encantados com o Procurador Geral Janot e sua luta anti-corrupção.
É tudo espuma que a GLOBONEWS divulga e os comentaristas do "Merval team" se encarregam de aumentar, enfeitar e fazer crer.
A mídia não avisa que esses encontros são os paralelos e não os centrais. Em Davos há 400 reuniões menores para grupos específicos de participantes e foi nesses que as autoridades brasileiras foram ouvidas, portanto um ambiente bem mais limitado do que o principal.
Quando uma empresa resolve investir no Brasil a decisão leva, no mínimo, um ano, no mais das vezes dois anos e depende de  levantamentos de mercado para ver se há demanda para seus produtos e serviços. Nos casos que conheço, e até participei, o interesse é despertado quando uma empresa começa a exportar para o Brasil, seu produto vende bem; vem daí o interesse de vender mais e, para isso, precisa ter uma operação no Brasil. Esse é mais ou menos o caminho de grande número de empresas industriais estrangeiras. No caso de empresas de serviços, algum empresário brasileiro descobre o produto nos EUA ou Europa, acha que pode ter mercado no Brasil e procura a empresa dona da tecnologia ou serviço, propõe uma parceria para o Brasil e se dá o inicio de um negócio para o mercado brasileiro.
Nunca ouvi falar de alguma empresa ter vindo ao Brasil porque foi convencida por algum Ministro em um evento desse tipo, não é assim que o mundo real funciona.
Nenhuma empresa investe porque o Congresso aprovou uma emenda de teto de gastos ou uma reforma da previdência ou porque o Ministro Meirelles "encantou" em Davos.
Isso é conversa para leigos completos em tudo, em mundo empresarial, em economia, em política, em mundo real. Não se tomam decisões a partir dessas circunstâncias.
Das 500 maiores empresas do mundo no ranking da revista FORTUNE,  410 já estavam no Brasil em 1980, algumas há mais de cem anos, como Siemens, GM, Ford, Nestle, Pirelli, British American Tobaco (Souza Cruz), Bunge & Born, SKF. Depois, grande número veio no Governo JK, que, este sim, trouxe grandes complexos industriais ao Brasil. Uma outra grande leva veio no governo Geisel, para bens de capital, porque o País atravessava enorme crescimento em todos os setores, chegando nessa década a ter um ano com crescimento de 11,3%, mesmo com inflação, déficits interno e externo, baixas reservas, lei trabalhista e lei tributária ruins, mostrando que crescimento NÃO depende dos sagrados fundamentos que vendem como essenciais os "economistas de mercado" que hoje dominam a mídia.
O público, em Davos, é do mundo financeiro: consultores, ONGs, políticos, especuladores, brokers, advogados internacionais. O enclave é caro para chegar e para entrar, por isso grande parte dos presentes teve seus custos pagos por governos por serem autoridades. É um passeio caro justificável para grande número de Ministros de economia de países pobres, seus assessores e comandados, como é o caso exclusivo da delegação brasileira, mas será que tem algum empresario brasileiro em Davos? Pode ser um ou outro, mas o grosso é de autoridades, o que é paradoxal em um fórum que propaga os benefícios da livre iniciativa.
O Fórum de Davos teve seu ciclo de glórias e está em claro caminho descendente porque as ideologias que foram suas alavancas, a globalização e o neoliberalismo, estão perdendo prestígio e força política pelo mundo, com o BREXIT, a eleição de Trump e o crescimento do populismo de direita na Europa, fricções em zonas estratégicas do mundo, rebrotamento da miséria na África, onda de milhões de refugiados batendo às portas da Europa e sendo rejeitados. A globalização foi generosa com os capitais mas não com as pessoas.
Quanto ao elogio da campanha anti-corrupção no Brasil, é uma gentileza social porque nada no mundo de Davos tem a ver com anti-corrupção, nem os governantes que lá estavam nem os empresários que vão lá operar. A Suíça tem um histórico inigualável de receber dinheiro sujo por séculos. Na Segunda Guerra a Suíça lavou ouro arrancado pelos nazistas dos dentes dos mortos em Auschwitz, recebeu com tapete vermelho dinheiro dos mais sanguinários ditadores africanos e asiáticos, de Jonas Savimbi a Ferdinand Marcos. A Suíça hoje quer limpar sua reputação cobrando multas de estrangeiros por fazer lá aquilo que a Suíça convidava a fazer. Mas a Historia não se apaga, os especuladores e empresários em Davos não fazem negócios com beatos e sim com as putas do capitalismo. Os elogios às campanhas moralistas são protocolares e nada têm a ver com a realidade na luta pelo dinheiro do mundo;  aqui, a imprensa não contextualiza  essas mensagens mal alinhadas, esquecendo de mostrar a realidade de Davos, na qual o Brasil simplesmente não aparece na tela do radar. O país está em baixa completa e não serão "elogios" pontuais que mudarão esse quadro. O Brasil será a estrela de Davos quando CRESCER com ou sem inflação, com ou sem corrupção, Davos gosta de dinheiro e não de princípios. (Fonte: Jornal GGN - aqui).

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Nos dois governos anteriores, o Brasil elegeu o fortalecimento do mercado interno como uma das diretrizes em busca da evolução econômica e da redução das desigualdades - incluindo as regionais -, e tal política produziu efeitos positivos nas esferas econômica e social. Atualmente, o mundo, Christine Lagarde [FMI] à frente, se empenha no sentido de que aquela política seja posta em prática - exatamente no momento em que o Brasil retrocede de forma acelerada.

Enquanto isso, o neoliberalismo, independentemente de sua coloração, jaz mundialmente desmoralizado, detalhe que, pelo visto, os míopes não enxergam com nitidez.

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