domingo, 31 de janeiro de 2021
ELES DISSERAM E/OU CANTARAM
NO PAÍS DO AFOGADILHO
SOBRE REVELADORES INDÍCIOS DE PARCIALIDADE ESCANCARADA DA LAVA JATO CURITIBA (II)
sábado, 30 de janeiro de 2021
ELES DISSERAM E/OU CANTARAM
CINEMA: 'O MÁGICO E O CONCRETO' (SOBRE O FILME 'CIDADE PÁSSARO')
Não é a primeira vez que Matias Mariani se volta para estrangeiros à deriva no Brasil. Junto com Maíra Bühler, corroteirista de Cidade Pássaro, ele já tinha realizado o DOCTV Exterior, sobre expatriados detidos em prisões brasileiras, e o longa documental A Vida Privada dos Hipopótamos, que enfocava Chris Kirk, hacker e traficante de cocaína americano que passou quatro anos num presídio brasileiro e fugiu do país durante a liberdade condicional. Nesse primeiro filme de ficção, o diretor aborda a comunidade de imigrantes africanos em São Paulo, o que configura uma visão bastante original da maior cidade brasileira.
Para se acercar dos nigerianos, Matias e Maíra deram aulas de português gratuitas em São Paulo e depois viajaram à Nigéria para conhecer a Igboland. Grande trunfo desse esforço foi a contratação dos conceituados atores nigerianos O. C. Ukeje (Amadi) e Chukwudi Iwuji (Ikenna). A atuação do primeiro, de uma precisão espantosa, nos mantém inteiramente conectados com a jornada do personagem.
Vemos São Paulo através dos olhos de Amadi, que precisa se integrar sem saber uma palavra em português. A fotografia excepcional de Leo Bittencourt, no formato 4x3 para enfatizar a verticalidade da cidade, sublinha o ponto de vista do estrangeiro, que tende a ser de baixo para o alto ou vice-versa. O espaço urbano é esquadrinhado em função ora do deslumbramento, ora da perturbação provocados em Amadi. Na Galeria Presidente, onde muitos comerciantes africanos têm seus negócios, o rapaz se emprega na loja de um tio, que comercializa cabelo humano de várias procedências (mais um indicativo da diversidade étnica da cidade). Outros locais icônicos, como a suntuosa Sala São Paulo, o prédio do SESC 24 de maio, uma ocupação e um bar de karaokê, dão lugar a algumas das cenas mais bonitas e sugestivas do filme.
Ikenna estava supostamente desenvolvendo uma teoria do físico holandês Erik Verlinde, que tenta explicar a gravidade e repercute na própria compreensão do tempo. Ikenna é um personagem ambíguo por natureza, que tanto pode ser um gênio como um escroque viciado em jogos e apostas. Por sua vez, a gradual aproximação de Amadi do irmão em São Paulo estaria ligada a elementos da mitologia Odinani, fator constituinte da comunidade Igbo da Nigéria. Nessa crença, cada pessoa tem um tutor espiritual, o seu "chi". Pelo que eu entendi, Ikenni seria o "chi" de Amadi, razão pela qual prepara o caminho do irmão em São Paulo.
Algum mistério (ou mesmo indefinição) certamente ficará depois que termina o filme. Mas até ali já nos encantamos com as deliciosas interações à margem do idioma entre Amadi e Emília (Indira Nascimento), ex-namorada de Ikenna, e com as intervenções de diversas etnias de imigrantes na paisagem ultraconcreta da metrópole. Além da distintiva concepção visual, uma trilha musical tão eficaz quanto discreta, um tratamento sonoro delicadíssimo e uma montagem primorosa completam as qualidades de um filme singular para os padrões habituais do cinema brasileiro. - (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui),
E SEGUE A ROTINA DE SEMPRE
EMPRESAS PRODUTORAS DE VACINAS ANTI COVID-19 PODERÃO NÃO CUMPRIR CONTRATOS
Gatis Sluka. (Latvia).
SOBRE REVELADORES INDÍCIOS DE PARCIALIDADE ESCANDARADA DA LAVA JATO CURITIBA
A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu acesso às mensagens da força-tarefa da Lava Jato vazadas por hackers, que foram classificadas como ‘Vaza Jato’, pelo The Intercept. As conversas suspeitas, entre o ex-juiz federal Sergio Moro e o ex-coordenador da investigação Deltan Dellagnol, foram colocadas sob sigilo nesta quinta-feira (28), pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski.
A defesa de Lula incluiu na ação, sobre o acesso às conversas, uma petição em que os próprios advogados divulgam algumas mensagens já analisadas por um perito judicial. O profissional já analisou cerca de 10% dos 740 gigabytes de dados fornecidos. A revistaVeja publicou, nesta sexta-feira (29), parte do conteúdo apresentado ao STF pela defesa como sua “análise preliminar”.
Em uma das mensagens, trocadas em 23 de fevereiro de 2016 e incluídas pela defesa de Lula na ação, Moro pergunta se os procuradores têm uma “denúncia sólida o suficiente”. Dallagnol responde que os procuradores guiariam uma delação do então deputado Pedro Correa. “Estamos trabalhando a colaboração de Pedro Correa, que dirá que Lula sabia da arrecadação via PRC (Paulo Roberto Costa)”, escreveu.
Em outra conversa, de 2015, Moro e Dallagnol falam sobre investigações sobre contas no exterior. Então, o procurador citar uma reunião com “os suíços, que vêm pra cá pedindo extremo sigilo quanto à visita”. No ano seguinte, o ex-procurador suíço Stefan Lenz, que liderava as investigações contra a Petrobras e a Odebrecht na Suíça, sugeriu ao procurador Orlando Martello, da Lava Jato, que a estatal brasileira o contratasse para ampliar a possibilidade de a empresa recuperar dinheiro desviado. A carta faz parte dos documentos obtidos por Lula e publicada pelo jornalista Jamil Chade, do UOL.
Defesa de Lula
De acordo com a reportagem da Veja, os advogados do ex-presidente dizem ser possível “já constatar, para além da escancarada ausência de imparcialidade que deveria haver entre juiz e acusação”. A efetiva existência de troca de correspondência entre a “força-tarefa da Lava Jato” e outros países que participaram, direta ou indiretamente, do Acordo de Leniência da Odebrecht, como, por exemplo, autoridades dos Estados Unidos da América e da Suíça.
A defesa argumenta ainda que os documentos e informações configuram “quebra da cadeia de custódia relacionada aos sistemas da Odebrecht” e consta a “a busca selvagem e a lavagem de provas pelos órgãos de persecução, com a ciência e anuência do juízo de piso”.
O sigilo da ‘Vaza Jato’ foi decretado a pedido da defesa de Lula “por haver nos autos material que a defesa considerou ser sigiloso”. Em dezembro, Lewandowski havia determinado à Justiça Federal que as mensagens apreendidas deveriam ser compartilhadas com os advogados do ex-presidente. Nesta última quarta-feira (27), um grupo de sete procuradores, composto por membros e ex-integrantes da Operação Lava Jato, enviou a Lewandowski um pedido de reconsideração das decisões que deram a Lula o direito de acessar o material apreendido.
Críticas
A professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luciana Boiteux discordou da decisão de Lewandowski sobre o sigilo. A especialista classifica como “promiscuidade jamais vista no processo penal” e afirma que as mensagens mostram Moro e Deltan articulando a acusação – o que é proibido por lei. “As mensagens mostram que eles se juntaram com o objetivo de condenar Lula. Em qualquer país sério do mundo uma conduta assim de um juiz dava até cadeia”, disse no Twitter.
O advogado sanitarista e pesquisador da Universidade de Paris, André Dourado, também chamou a ação de “vergonhosa”. “Esses processos não terem sido anulados até hoje é um absurdo tão grande quanto as coisas do Bolsonaro. Imagina se fosse o juiz combinando com advogado a defesa do réu. Isso continuar valendo é vergonhoso para o país”, publicou no Twitter.
O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) lembra que as mensagens da Vaza Jato, divulgadas pelo The Intercept, antes da decretação do sigilo pelo Ministro Lewandowski, “já são suficientes para entender o medo de Moro e Dallagnol”. “Trata-se de formação de quadrilha para perseguir Lula e ganhar dinheiro prestando serviço aos Estados Unidos”, afirmou. - (Fontes: Rede Brasil Atual - Aqui - e Site Brasil 247 - Aqui).
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"A Democracia Impõe a Prisão de Toda a Quadrilha"
Do senador Renan Calheiros nas Redes Sociais: “As novas aberrações da #Lavajato vão além da mera promiscuidade entre @SF_Moro e @deltanmd. O bando, chefiado por Moro, montou uma arapuca para fraudar a história brasileira. Mais do que declarar a parcialidade do Torquemadas, a democracia impõe a prisão de toda quadrilha. #AnulaSTF”, escreveu Calheiros na rede social. - (Clique Aqui para ver o Twitter , incluindo a repercussão).
sexta-feira, 29 de janeiro de 2021
ELES DISSERAM E/OU CANTARAM
MORO E DALLAGNOL, AS PROVAS DA PROMISCUIDADE EM CURITIBA
Atesta que ele e os procuradores chefiados por Deltan Dallagnol agiam em absoluta promiscuidade, numa associação para delinquir contra o sistema judicial.
Você pode ver aqui os diálogos que a revista transcreve, todos já periciados e dados como verdadeiros.
Moro orienta e combina pedidos de perícia, encomenda manifestações do MP, define o que os delatores podem ou não tratar em depoimentos, cobra a anexação de documentos, interfere nas articulações com agentes suíços e norte-americano para que estes produzam provas.
E tudo isso em apenas 10% dos 740 gigabytes de dados que registram as mensagens obtidas pelo hacker Walter Delgatti Neto e em parte divulgadas pelo The Intercept.
Os documentos foram obtidos um dia antes de tudo ser colocado sob “absoluto” segredo de Justiça, o que é incompreensível, pois não há investigações em curso que possam ser prejudicadas, não se trata de intimidades de Moro e dos procuradores, mas de diálogos relativos às suas funções públicas e é assunto, pela sua repercussão política, sobre o qual cada brasileiro tem o direito de estar informado: afinal, foi algo que levou à prisão, por 580 dias, um presidente desta república.
Por serem provas obtidas de maneira ilegal, além do mais, não se cuida de dar ao ex-juiz e aos procuradores punição por seus atos ilegais, mas tão somente fazer com que eles parem de produzir efeitos sobre terceiros, porque praticados ilegalmente e em desrespeito ao princípio constitucional de que todos possam ser julgados com imparcialidade.
E esta abjeção é a maior das corrupções, porque, além de negociar a liberdade de indivíduos, pode levar às mais tenebrosas transações, todas acobertadas pelo “sigilo” e “privacidade” a que não tem direito quem exerce função pública. - (Fonte - Tijolaço - Aqui).
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"E assim segue a poderosa Lava Jato curitibana, encarando fortemente a todos os que ousarem conceder Justiça ao ex-presidente. Considerando os apoiadores incondicionais com que conta no Judiciário (e arredores!), em especial no plenário do Supremo, não será estranhável que suas manobras sejam coonestadas. Resta saber o que o ministro Gilmar Mendes, presidente da Segunda Turma do STF e que, segundo anuncia, proximamente concluirá o julgamento de pedido de suspeição do ínclito ex-juiz Sérgio Moro, está achando desses acontecimentos."
(Comentário deste Blog relativamente ao post "Lava Jato Quer Contestar Acesso de Lula a Mensagens Raqueadas" - Aqui -, publicado em 26.01.21).
FORÇA LAERTE!
VARIANTE DO CORONAVIRUS PODE RESULTAR EM MEGA EPIDEMIA NO BRASIL
quinta-feira, 28 de janeiro de 2021
ELES DISSERAM E/OU CANTARAM
SERIOUS CARTOON
EUA DE VOLTA À MESA
ECOS DE TRUMP E DO SISTEMA QUE O PRODUZIU
Por um lado, os infindáveis conflitos políticos de Trump – e alegações de que a eleição presidencial de novembro foi “roubada” dele – acabaram com uma multidão invadindo o Capitólio dos EUA. Invadiram com a baixa esperança de interromper o processo de certificação dos votos do colégio eleitoral, que declararam formalmente seu opositor, Joe Biden, como o ganhador.
Por outro lado, o Partido Democrata instituiu um segundo processo de impeachment, com uma esperança um pouco menos baixa de que Trump deixasse o cargo humilhado e desgraçado, acabando com qualquer possibilidade de que ele concorra à presidência novamente em 2024.
Quase sem conseguir esconder sua aliança com a próxima administração Biden, o Vale do Silício desligou o megafone midiático de Trump. Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados, fez lobby com chefes de gabinete para tirar um Trump “desequilibrado” da cadeia de comando, em uma movimentação que foi supostamente rejeitada por oficiais do Pentágono porque, como disseram ao The New York Times, configuraria um “golpe militar”.
E Biden, que se gaba de ter sido o autor da Lei Patriota anos antes do 11 de setembro, vem divulgando uma nova lei de “terrorismo doméstico”, como se os EUA já não tivessem diversos meios de reprimir discordâncias, tanto legitimamente quanto ilegitimamente.
Tendo isso como pano de fundo, Washington designou a posse de Biden como “um evento especial de segurança nacional”.
Tribos autoritárias
Tudo isso não é somente o último sinal de um sistema político estadunidense que degenerou para um teatro de mau gosto. É evidência crescente de que a política dos EUA está evoluindo para um confronto permanente entre duas tribos autoritárias. Ambas estão convencidas de que o outro lado não é patriota, pervertendo a verdadeira república. Ambas não estão dispostas a se comprometer, acreditando que não partilham de um consenso. E, por fim, ambas estão lutando por uma causa apodrecida.
Essa não é uma divisão entre política ética e antiética. Esse choque é, agora, uma partida de ódio. É uma guerra civil por outros meios. O abismo entre esses dois campos rivais não está somente ficando maior, os verdadeiros criminosos estão fugindo com o saque – como sempre fazem.
Cada tribo vem se fundindo há um tempo ao redor de um centro de gravidade. No lado Republicano isso ficou claro com o surgimento do movimento “Tea Party” e do movimento “birther” durante o mandato de Barack Obama. Mas foi necessária a eleição de Trump em 2016 para criar o centro de gravidade de oposição adequado do outro lado.
As pessoas na tribo Democrata que agora desdenham de Trump e seus apoiadores pela sua recusa desesperada em aceitar o resultado de novembro, ignoram como eles mesmos receberam a vitória de Trump em 2016. Eles demoraram para aceitar a legitimidade desse resultado também, embora não tenham optado pela violência da multidão no Capitólio.
Começaram com argumentos de que, ao passo que Trump pode ter ganhado os votos do colégio eleitoral, ele perdeu o voto popular. Quatro anos atrás, o colégio eleitoral também encarou acusações de que havia “deserdado” a maioria.
A tribo Democrata foi às ruas também, em marchas nas cidades ao redor dos EUA sob o slogan de resistência, negando que Trump era seu presidente. Aquilo foi compreensível, tendo em vista o comportamento pessoal de Trump e as políticas que ele defendia. Mas não acabou aí.
Conspirações russas
O repúdio à presidência de Trump rapidamente regrediu para uma perigosa narrativa – uma que provavelmente nunca foi embora, mesmo com a falta de evidências para apoiá-la. A alegação não era somente que os russos interferiram na eleição de 2016 para ajudar Trump a ganhar, mas que o próprio Trump ativamente conspirou com a Rússia para roubar a eleição da sua oponente, Hillary Clinton.
Tudo que prejudicou Clinton – incluindo e-mails mostrando que a liderança Democrata manipulou suas próprias primárias para garantir que ela fosse a candidata do partido ao invés de Bernie Sanders – foi sugado para essa vasta teoria da conspiração. Isso incluiu o mensageiro dessas marés ruins: o Wikileaks e seu fundador Julian Assange.
Por anos, a tribo Democrata investiu suas energias em esforços infrutíferos para provar sua teoria, incluindo a primeira tentativa de remover Trump por meio de um processo de impeachment totalmente autodestrutivo.
Nada disso poderia ser justificado politicamente. Foi um contraponto Democrata ao slogan MAGA de Trump: “Make America Great Again” (Tornar a América Grande Novamente). Os Democratas prometeram um slogan muito menos cativante: “Salvar a América de um Presidente Deplorável”.
Tango antagonista
Para essa tribo, Trump era um presidente ilegítimo desde o primeiro momento, cuja eleição para o cargo mais alto na nação revelou algo doentio sobre seu país que eles preferiram ignorar, pois poderia implicá-los, também. A vontade de remover Trump eclipsou amplamente a luta pela melhora das vidas de estadunidenses comuns.
A obsessão por Trump acima de tudo convenientemente racionalizou todas as formas de se livrar dele – sejam justas ou não. Poucos pensaram sobre como isso iria parecer para seus apoiadores ou para aqueles que ainda não estavam seguramente resguardados em uma tribo ou na outra.
Se eles quisessem entender, bastava observarem a invasão do Capitólio recentemente. Como eles se sentiram assistindo o prédio ser saqueado – com um Deplorável colocando os pés na mesa de Pelosi – foi como a tribo de Trump se sentiu assistindo seu presidente ser denunciado como um agente russo e arrastado por procedimentos de impeachment.
É improvável que esse clima desapareça. As duas tribos políticas estão presas em um tango antagonista, refletindo os próprios movimentos, rancores e senso de vitimização. Muito mais coisas os unem do que eles gostariam de admitir.
Guerras culturais inflamadas
Essa pode ser a patologia, mas qual é a causa?
O que vemos aqui é a culminação de uma cultura bélica inflamada alimentada por investimentos doentios de ambos os lados em uma política identitária altamente desagregadora e simplista.
Muito tem se falado corretamente sobre o supremacismo branco das seções mais leais da tribo de Trump, o que ficou à mostra novamente durante a invasão do Capitólio. A bandeira dos confederados, os slogans neo-nazistas, as camisetas enaltecendo a supremacia judaica de Israel são todos indicadores de uma política tóxica de rancor branco que pode ser menos articulada, mas que ainda é sentida por uma grande porção dos constituintes apoiadores de Trump.
A política identitária feia é rejeitada com razão pela outra tribo, mas é, todavia, refletida em seu compromisso igualmente profundo com a política identitária. A coalizão progressiva de identidades no coração do Partido Democrata pode ser mais reconfortante para as sensibilidades modernas, mas serviu na prática para acentuar em partes da tribo de Trump a suposta ameaça à sua identidade branca.
Nada disso pretende se igualar à justificada luta do Black Lives Matter contra o racismo endêmico, incluindo a polícia, com as forças reacionárias buscando preservar alguma noção de privilégio branco. É simplesmente observar que quando o campo de batalha político exclusivamente gira em torno da identidade, então ninguém há de se surpreender se cada lado continuar a enquadrar sua luta precisamente nesses termos.
Aqueles que vivem pela espada da identidade são mais propensos a morrer por essa mesma espada.
A tribo Trump quer seu presidente e o Partido Republicano de maneira geral para garantir uma supremacia branca que eles temem estar sendo destruída ao passo que o Partido Democrata ostenta suas credenciais progressistas e multiculturais. A tribo Democrata, enquanto isso, quer desafiar a ordem antiga – e mais especificamente instituições reacionárias como as forças policiais locais – que têm sido um bastião contra a mudança.
Essa dinâmica só pode levar à um confronto permanente, alienação e ressentimento.
Luta de classes
Há um caminho para fora da cultura bélica que coloca uma tribo contra a outra. Que é formular uma política popular alternativa baseada na luta de classes – os 99% contra o 1%. Mas nem as lideranças Republicanas, nem as Democratas, ou as respectivas mídias que as celebram, têm interesse em encorajar um realinhamento político do tipo.
O Partido Democrata não é um veículo para a luta de classes, afinal. Como o Partido Republicano, é feito para preservar os privilégios de uma elite. Seus maiores doadores, como os Republicanos, são extraídos de Wall Street, Vale do Silício, Big Farma e das indústrias de armas. A batalha política nos EUA é entre dois lados do capital mais unidos do que divididos.
O jogo de sombras da política estadunidense é a confrontação antagonista e debilitante de identidades descrita acima. Enquanto estadunidenses comuns são incitados pela mídia corporativa a entrar em um ódio tribal mútuo que lucra com esse teatro do ódio, a elite goza de liberdade para saquear o planeta e os comuns.
Enquanto nos fixamos em identidades que foram produzidas para nos dividir, enquanto permanecemos imersos na superfície da política, enquanto estamos alienados das verdadeiras frentes de batalha, essas elites prosperam.
A paralisia política pode não prejudicar o establishment. Mas é profundamente prejudicial para nós, o 99%, quando nossas comunidades estão sendo varridas por uma pandemia, quando nossas economias estão colapsando, quando o planeta está à beira de um colapso ecológico.
Precisamos de um sistema político funcional que reflita as prioridades populares, como o “Medicare for All”, um salário-mínimo digno e universidades públicas; que entenda a urgência dos desafios impostos pelas múltiplas crises; e que possa organizar e direcionar nossas energias para soluções, não para confrontos infindáveis e insolúveis baseados em discordâncias que têm sido cultivadas para nos enfraquecer.
Trump não é o inimigo. Esse alvo é muito pequeno e limitado. A classe a qual ele pertence é nossa inimiga, bem como o sistema de privilégios que ele passou os últimos quatro anos sustentando e que seu sucessor defenderá assiduamente.
Se Trump será condenado ou não no Senado, o sistema que o produziu será absolvido – pelo Congresso, pelo novo presidente, por Wall Street, pela mídia corporativa.
Somos nós que pagaremos o preço. - (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).