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"Médicos do 'Human Rights' disseram recentemente: 'Israel carrega responsabilidade humanitária e moral pela vacinação da população palestina sob seu controle'. Israel está, no entanto, oferecendo vacinas aos colonos judeus que vivem nos assentamentos ilegais na Cisjordânia".
'Apartheid Médico': A Campanha Israelense De Vacinas Exclui Milhões De Palestinos Em Territórios Ocupados
Israel se tornou o primeiro país do mundo a administrar vacinas da covid-19 para mais de 10% da sua população. Até a semana passada, 14% dos israelenses tinham recebido a vacina – um número muito maior do que o de qualquer outro país. Mesmo com a rápida implementação, o ministro da saúde israelense diz que um lockdown total é necessário para combater o aumento do número de novas infecções. (Nota deste Blog: Até o dia 18, Israel já havia vacinado 2,7 milhões de seus cerca de 10 milhões de habitantes - clique Aqui para conferir o ranking dos dez primeiros países do mundo em vacinação. Mas, deixando de lado os palestinos de territórios ocupados?! Lamentável).
Isso acontece ao mesmo tempo em que grupos de direitos humanos expressam preocupação com a decisão de Israel de não vacinar os palestinos residentes da Cisjordânia e Gaza, onde cerca de 1.500 pessoas morreram durante a pandemia. Médicos do “Human Rights” disseram recentemente: “Israel carrega responsabilidade humanitária e moral pela vacinação da população palestina sob seu controle”. Israel está, no entanto, oferecendo vacinas aos colonos judeus que vivem nos assentamentos ilegais na Cisjordânia.
Israel defendeu suas ações, citando os Acordos de Paz de Oslo, os quais designam o comando da assistência médica na Cisjordânia e em Gaza às autoridades palestinas. Oficiais palestinos estão enfrentando diversos obstáculos para lançar sua própria campanha de vacinação. Israel tem até agora contado com a vacina da Pfizer-BioNTech, que precisa ser armazenada a -70 graus celsius. Armazenar tal vacina é impossível em Gaza, onde residentes frequentemente passam 12 ou mais horas sem eletricidade. Em 2014, Israel bombardeou a única central elétrica de Gaza no que a Anistia Internacional descreveu como “punição coletiva” aos palestinos.
Agora vamos para a cidade de Ramallah na Cisjordânia, onde falamos com o Dr. Mustafa Barghouti, médico, membro do Parlamento Palestino, chefe da Sociedade Palestina de Apoio Médico, que vem liderando esforços para gerir a pandemia na Cisjordânia e em Gaza. Ele foi infectado pela covid-19 em dezembro. Ele é secretário geral da Iniciativa Nacional Palestina, um partido político. E ele foi candidato presidencial nas eleições de 2005.
Dr. Barghouti. Você poderia explicar o que está acontecendo? Como Israel se tornou o país que vacinou a maior parte da sua população e ainda assim os palestinos não estão sendo vacinados? Quem está liderando esse programa? Quem deveria?
DR. MUSTAFA BARGHOUTI: Na realidade, Israel está violando a lei internacional, porque está negando sua responsabilidade enquanto uma potência. Conseguiu 14 milhões de vacinas para os israelenses e aqueles que possuem identidades israelenses, mas não deram nada para os palestinos. Então, praticamente, estão vacinando 8 milhões de israelenses e não vacinando 5.3, 5.2 milhões de palestinos que vivem nos Territórios Ocupados.
Mais do que isso, esse sistema de discriminação racial, que só pode ser comparado, na minha opinião, ao sistema de apartheid, está fazendo algo terrível na Cisjordânia. 70050 colonos ilegais, como você disse, estão sendo vacinados agora; 3.1 milhões de palestinos na Cisjordânia não estão recebendo nada. Mais do que isso, nas prisões israelenses, Israel ordenou que os guardas das prisões sejam vacinados, e, provavelmente, os prisioneiros israelenses, mas os prisioneiros palestinos, 5.000 deles, não estão recebendo nada. O que pode ser mais claro para confirmar que isso é realmente um sistema de discriminação racial?
E quando dizem que a Autoridade Palestina é responsável, isso é totalmente enganoso. Primeiramente, a Autoridade Palestina os abordou, pedindo ao menos por vacinas para nós, os fornecedores de assistência médica, que estão sendo infectados sem parar. E Israel se recusou. A Autoridade Palestina está no comando de apenas 38% da Cisjordânia, somente. 62% da Cisjordânia é a Área C, que está sob completo controle militar israelense, e Israel não está fazendo nada pelos palestinos de lá. Mais do que isso, se a Autoridade Palestina tentar impor uma vacina de fora, vão precisar de uma permissão israelense. E Israel não concedeu nenhuma permissão para os palestinos. Israel controla as fronteiras, controla as importações, controla as exportações.
E o maior desastre em Gaza, porque em Gaza você tem 2.1 milhões sitiados por Israel, sem instituições de saúde, equipamentos, e lá, não estão recebendo nenhuma vacina. E mais do que isso, 70% deles são refugiados retirados de sua terra em 1948. Quando você os diz, “façam a quarentena”, não sei se conseguem fazer isso, se você tem 10 pessoas morando em dois quartos. É impossível.
O problema é que a taxa de infecção hoje na Cisjordânia e em Gaza é de 36%, enquanto em Israel é de 4.5%. Os israelenses estão recebendo as vacinas, e os palestinos não estão recebendo nada.
JUAN GONZÁLEZ: Mas, Dr. Barghouti, não é do interesse de Israel, de uma perspectiva de saúde pública, mesmo se quiserem perseguir essa política antagonista com os palestinos, vacinar os palestinos para alcançar a imunidade de rebanho na área total?
DR. MUSTAFA BARGHOUTI: Você está totalmente certo. Na minha opinião, Netanyahu e seu governo – esse homem é tão racista. Ele só pensa nele mesmo. Ele só pensa no futuro político dele. Ele só pensa em escapar das acusações contra ele e ser reeleito novamente. E tudo o que ele faz é para satisfazer os eleitores israelenses de direita.
Na realidade, o que o governo dele está fazendo é prejudicar os israelenses, também, porque você não consegue atingir a imunidade de rebanho se você tem 8 milhões de pessoas vacinadas e 5.2 milhões de pessoas não vacinadas, especialmente 130.000 trabalhadores que continuarão a ir para Israel trabalhar e vão interagir com israelenses, é claro, e existem outros 750.000 outros israelenses, colonos ilegais, na Cisjordânia, que vão continuar a se deslocar e se comunicar com os 3.1 milhões de palestinos não vacinados. Então, praticamente, esse é um crime contra os palestinos e um crime contra a saúde dos israelenses. É uma violação da lei internacional, mas também é, na minha opinião, o pior crime contra a ética médica, que diz que ninguém deveria ser discriminado por causa de nada, e que diz, “não faça mal e ajude as pessoas o máximo que puder enquanto profissional da saúde”.
JUAN GONZÁLEZ: Eu queria te perguntar – a COVAX que a OMS estabeleceu para ajudar países pobres prometeu vacinar 20% dos palestinos. Em que pé estamos em relação aos termos desse compromisso?
DR. MUSTAFA BARGHOUTI: Estou me comunicando com a liderança da OMS aqui. E estão fazendo o melhor, mas eles não acham que conseguem nada aqui antes de quatro ou cinco meses, e isso se tiverem sorte. Até agora, eles não sabem qual vacina eles conseguem colocar lá dentro. Até agora, eles não sabem como conseguir vacinas. É por isso que, tendo em vista a grande disseminação das infecções comunitárias na Cisjordânia e em Gaza, um número muito alto de casos – eu estimo que já temos 600.000 casos. E eles falaram com os israelenses. A OMS falou com Israel, pedindo ao menos por vacinas para os profissionais da saúde. Israel se recusa e continua a se recusar.
Então, infelizmente, estamos vendo aqui um sério potencial para um desastre. E como alguém que está sofrendo com a covid-19 agora, depois de nove meses de muitos cuidados, posso te dizer que é uma doença horrível. Não desejo para ninguém. É muito perigosa. Pode ser destrutiva. Pode matar as pessoas. E, também, pode deixá-las incapacitadas por um longo tempo – ou pelo resto de suas vidas.
AMY GOODMAN: Então, Dr. Mustafa Barghouti, como você disse, você está com covid-19 no momento. Sabemos que Saeb Erekat, negociador chefe, morreu de covid-19. Você é um médico da linha de frente. Você seria vacinado? E sobre as vacinas? Aparentemente, a Autoridade Palestina pediu que os EAU compartilhassem um pouco do seu suprimento de vacinas feitas na China, aparentemente eles pediram 4 milhões de doses da vacina russa Sputinik V. Quando elas vão chegar? E o que vocês estão exigindo não somente do governo israelense, mas também do governo estadunidense, tendo em vista todo o dinheiro concedido ao governo israelense?
DR. MUSTAFA BARGHOUTI: Eu acho que eu exijo duas coisas de toda a comunidade internacional: imediatamente pressionar Israel para permitir a entrada de vacinas ao menos para os profissionais da saúde que estão cuidando das pessoas, para que o sistema de saúde não entre em colapso, e então para os idosos, é claro, e etc.; mas também, estamos pedindo à comunidade internacional que forneça auxílio, passando por cima de Israel. Israel não responde e a comunidade internacional tem um grande dever aqui.
Eu não fui vacinado. Nenhum profissional de saúde na Cisjordânia foi vacinado até agora. E não sabemos quando receberemos essa vacina. E isso é muito crítico, porque a taxa de infecção está subindo, e poderia afetar a todos na comunidade. Então o que precisamos é de pressão imediata.
Sobre a vacina russa, sim, nós pedimos, mas não acho que os palestinos possam fornecê-las, porque sua capacidade de produção ainda é baixa. Eles produziram somente 500.000 até agora. E sua capacidade máxima é de 4 a 5 milhões por mês, e eles precisam de 100 milhões de vacinas somente para o seu próprio país. Então não acho que essa seja a solução, embora a vacina deles pareça muito boa.
Eu acho que o precisamos é arranjar um jeito de conseguir as vacinas da Moderna e AstraZeneca. É claro, temos um problema com a Pfizer, embora tenhamos conseguido fornecer algumas instalações na Cisjordânia para vacinar as pessoas.
Mas a necessidade mais imediata agora – é um desastre salutar. É uma situação muito arriscada. Uma população inteira está sujeita a um risco enorme e alarmante. É por isso que é imediatamente necessário pressionar Israel para que os palestinos também consigam as vacinas.
AMY GOODMAN: Você descreveria isso como um apartheid médico?
DR. MUSTAFA BARGHOUTI: Sim, com certeza. Esse é o pior tipo de apartheid: o apartheid médico. Nem existiu na África do Sul. Está além de qualquer descrição. Imagina você vai a uma prisão: você vacina os guardas, mas não os prisioneiros; você vacina os prisioneiros israelenses, que são normalmente criminosos, e não vacina os prisioneiros políticos palestinos. Imagina que você vai para as cidades da Cisjordânia: os colonos são vacinados, e cidades e comunidades palestinas próximas, não são. Não somente eles roubam sua terra, se estabelecem ilegalmente em sua terra, confiscam seus recursos naturais, suas fontes de economia, mas também apoiam esse sistema de apartheid. Eu chamo de vacinação com racismo. - (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).
[Publicado originalmente em 'Democracy Now!' | Tradução de Isabela Palhares]
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