quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

DE COMO PHILIP MARLOWE VOLTOU À AÇÃO (CAPÍTULO 11)

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Sebastião Nunes, autor da série, é natural de Bocaiuva, MG, escritor, editor, artista gráfico e poeta. É também titular de um blog no Portal Luis Nassif OnLine.


O país dos canalhas - Capítulo 11 - Quem é quem na política brasileira
Por Sebastião Nunes

Um dia antes de me reunir novamente com os líderes da quadrilha que assaltaria o Banco Central, liguei para o gabinete do meu velho amigo Jules Maigret, da Polícia Judiciária francesa:

– Olá, caro Maigret, como tem passado?

– Assim, assim, prezado Marlowe. Se não fosse esse inverno interminável, Paris seria uma festa. O que está mandando?
Claro que eu não ligaria para saber do tempo. Ele também só ligava quando tinha assuntos sérios a tratar. Então fui direto:
– Preciso conversar um pouco com você. Estou no Brasil, mais especificamente em Brasília, envolvido com uma quadrilha de canalhas.
– Estou sabendo, e não queria estar na sua pele.
– Agora que me envolvi não tenho saída. Mas estou lendo uma de suas aventuras antigas, e um trecho especialmente me chamou a atenção. Posso ler para você?
– Claro.
– Então lá vai: “Não é o ambiente político que é defeituoso, mas o ambiente no qual, queiram ou não, vivem os políticos”.
– Lembro bem. Está em “Maigret e o ministro”, publicado em 1954, lá se vão 63 anos. É uma história envolvendo políticos. Se não fosse minha boa memória...
– Essa mesmo. Continua assim: “Todos se veem todos os dias, apertam-se as mãos como velhos amigos. Depois de algumas semanas de sessões, estão se tratando com intimidade e prestando pequenos favores uns aos outros”.
Imaginei que, em sua sala às margens do Sena, Maigret acendia um cachimbo.

O COMISSÁRIO NÃO SE IRRITA
Não queria tomar tempo demais de meu amigo, mas o tema era espinhoso.
– Diga, Maigret, você não está ocupado demais?
– Nem um pouco. Você até me alivia da papelada rotineira por alguns minutos.
De modo que, tranquilizado, continuei:
– O que eu gostaria, Maigret, é que você me ajudasse a compreender a diferença entre “ambiente político” e “ambiente em que vivem os políticos”.
Imaginei que, do outro lado, Maigret refletia. Por fim respondeu:
– Até onde sei, o problema do Brasil, como o de todo país emergente atual, é praticamente insolúvel – disse Maigret, depois de um minuto. – Me diga uma coisa: quantos são os brasileiros envolvidos diretamente com o poder?
– Andei pesquisando sobre isso – expliquei, abrindo minha pasta. – E creio que tenho a resposta para a maioria das situações.
– Você pode me passar os dados?
– Pois não. Nas últimas eleições, 64.024 políticos se elegeram. Do total, 56.810 são vereadores, divididos entre 5.568 câmaras. Também foram eleitos 11.113 prefeitos e vice-prefeitos. E ainda 1.024 deputados estaduais. Os governadores e vice-governadores somam 54. Temos também 513 deputados federais e 81 senadores.
– Sabe quantos candidatos disputaram esses cargos?
– Você está querendo demais, meu caro Maigret.
– Nem tanto, prezado Marlowe. Apenas quantificando para depois qualificar.

PERFIL DO CANALHA CLÁSSICO
– Como assim? – indaguei curioso. – O que quer dizer com quantificando para qualificar?
– Muito simples, Marlowe. Digamos que, para cada vereador eleito existissem 20 candidatos. Para cada deputado federal ou estadual, 5 aspirantes. Para cada prefeito e vice-prefeito, outros 5, em média. A mesma coisa para governador e senador.
– Começo a entender – disse eu, uma pulga me picando furiosamente a orelha.
– Ainda não é tudo. E os que gostariam de se candidatar, mas, por este ou aquele motivo, não o fizeram? Como exemplo, oposição dos cônjuges, da família, falta de vaga (principalmente), carência de recursos mínimos para a campanha etc.
– Certamente o número de candidatos a candidato cresceria muito, de modo a constituir boa parcela da população nacional.
– Isso mesmo, Marlowe – disse Maigret.  – Era aí que eu pretendia chegar. E qual é o objetivo principal de um candidato a político no Brasil?
– Até onde compreendi, Maigret, durante minha ainda curta vivência no país, os objetivos principais são dois: grana e poder, com raríssimas exceções.
– Entende agora por que o ambiente em que vivem os políticos é defeituoso? De todos os aspirantes a candidato – que são milhões – só se tornam candidatos poucas centenas de milhares. E quais são as principais características desses milhares?
– Não posso dizer que inteligência seja uma delas – disse eu, entendendo afinal a merda em que o país estava mergulhado. – Talvez esperteza, ganância, agressividade, vontade de mandar, alguma coisa do tipo. Quem sabe, todas juntas.
– Você está certo, Marlowe – disse Maigret, depois de breve silêncio para encher um cachimbo. – Se um país está podre desde a origem, se um razoável senso ético não permeia as relações entre as pessoas, se por meio de educação e cultura não se preparou essa gente para pensar coletivamente, não há esperanças.
– Então você acha que o Brasil não tem futuro, meu caro Maigret? Ou, em outras palavras, chegando ao poder só por milagre se escapa?
– Você é que está dizendo, Marlowe. Mas, pelo que sei, a imensa maioria dos eleitos não aparenta qualquer preocupação ética. Nesse caso, ou o compromisso ético passa a ser obrigatório como condição essencial para a candidatura, ou tudo continuará com está, com pequenos avanços e recuos vergonhosos. Principalmente no Brasil, nos Estados Unidos e outros países em que quase todo político é canalha.
Suspirei, botei o rabo entre as pernas, e me despedi de meu amigo Maigret.
(Fonte: Aqui.  -  Continua)

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