quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

APOTEOSES


Apoteoses

Por Luis Fernando Veríssimo

A ideia era cada um descrever o seu melhor momento. O ponto mais alto de sua vida, melhor do que tudo que viera antes e tudo que viria depois. Sua apoteose pessoal.

Um contou que seu melhor momento fora terminar um elefante de argila numa aula de Trabalhos Manuais. Tinha sete ou oito anos. O elefante de argila ficara bom. Feito de memória, até que ficara muito bom. Nada na vida o deixara tão contente como aquele elefante de argila.

Outra contou: “Foi a primeira vez que acertei um pudim. Minha mãe vivia dizendo que eu não acertava o pudim porque era muito nervosa. Fazia tudo certo, não errava nos ingredientes, não errava na mistura, mas de alguma maneira meu nervosismo se transmitia ao pudim e o pudim desandava. O pudim também ficava nervoso. No dia em que acertei o pudim tive uma crise de choro. Saí da cozinha para não influenciar o pudim, que poderia ter uma recaída. Mas na mesa, quando minha mãe disse ‘O pudim é da Bela’ e todo o mundo aplaudiu, meu Deus do céu. Nunca mais senti a mesma coisa. Nem quando nasceram os gêmeos. Nunca mais.”

Já outra disse que nada se igualara a ter o primeiro filho. “Olha aí, até hoje não posso contar que me emociono. E o engraçado é que foi um sentimento extremamente egoísta. Me enterneci por mim mesma. Eu olhava aquela coisinha, tão bem feitinha, e me achava formidável, até ficava com ciúmes quando só elogiavam o bebê. Eu é que queria festa. Queria dizer ‘fui eu, fui eu, ele é apenas o produto da minha genialidade’. No meu marido, coitado, eu nem pensava. Ele não tinha nada a ver com aquilo. E eu não deixei ele acompanhar o parto. Sempre considerei pai acompanhando parto uma espécie de penetra. Alguém querendo participar de uma glória que não merece, como prefeito inaugurando obra da administração anterior. A glória era só minha. Aliás, em todo o processo de procriação, parto, essas coisas, o homem é um penetra. Sem duplo sentido, claro. Meu melhor momento? O primeiro filho. Sem dúvida nenhuma, o primeiro filho... Depois o desgraçado cresceu e foi aquilo que todo o mundo sabe.”

Outro contou que seu maior momento fora a vez em que acertara uma bicicleta no futebol. “Nunca tinha tentado uma bicicleta antes, mas do jeito que a bola veio não havia alternativa. Fechei os olhos e fiz o que tinha visto outros fazerem. Me atirei para trás, pedalei no ar e senti o segundo pé acertar a bola. Quando me levantei do chão vi que a bola tinha entrado no ângulo, bem no ângulo da goleira. Não havia plateia para aplaudir, era um jogo de praia. O goleiro adversário, ressentido, só disse ‘Sorte’.

Depois foi a vez da Thaís, e a Thaís arrasou. Contou como foi sua apoteose. A justificativa da sua existência, o prêmio final por todo o seu empenho em viver com bom gosto e gastar o dinheiro do Gegê com inteligência. Foi a vez em que entrou no café do Hotel Carlyle, de Nova York, no meio do show do Bobby Short, acompanhada por uns brasileiros que nunca tinham conseguido entrar no lugar, e, quando a viu, o Bobby exclamou “Thaís!”.  -  (Fonte: aqui).

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Bobby Short foi um refinado cantor e pianista norte-americano morto aos 80 anos, em 2005, em Nova York. Devotado aos clássicos populares de compositores como Cole Porter, Duke Ellington e os Gershwins, pontificou ao longo de mais de trinta e cinco anos no Hotel Carlyle, na citada NY, onde brilhou qual atração turística. Veríssimo, autor da crônica acima, é escritor, cartunista e saxofonista - e cultor, entre outros gêneros, de Jazz e Blues. Nem preciso dizer que ele sempre foi fã incondicional de Short, a quem, claro, buscou homenagear via Thais da crônica, que realmente arrasou.  

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