segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

A ARBITRÁRIA PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA

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Enquanto se anuncia que a questão da prisão após sentença em segunda instância será reaberta amanhã, 6,  pelo plenário do STF (aqui), nos deparamos com o caso absolutamente eloquente do desembargador do TJ-SP que aufere salário-moradia mesmo sendo proprietário de 60 imóveis (aqui). Quando inconstitucionalidades e corrupções, ostensivas ou disfarçadas, se encontram, é imperioso admitir que o Brasil caiu definitivamente no poço sem fundo do surrealismo. Mas, felizmente, até mesmo os problemas surreais são passíveis de correção, dizem os esperançosos inveterados. Ou não, diria o outro.


A prisão em segunda instância é uma arbitrariedade do STF

Por Jânio de Freitas

A Constituição diz que ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado
 
As leis e regulamentos estão impressos e à disposição de todos, mas o que predomina é a arbitrariedade, a decisão aleatória de um ou de poucos sem sujeição às leis e aos regulamentos. Essa prática é uma das principais causas da queda do Judiciário, arrastado por sua mais alta instância, aos níveis de desprestígio do Congresso e do governo.
 
A chegada de Cármen Lúcia à presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça gerou a expectativa de um freio na desordem. Deu o oposto. Com a participação da própria. Por omissão, com sua indiferença conivente aos hábitos antiéticos de Gilmar Mendes, ou por atos seus.
 
Cármen Lúcia diz agora ser "inadmissível o desacato" ao Judiciário. É preferível que não haja, mas existe e é reconhecida nos regimes democráticos uma atitude chamada "desobediência civil". E, sem desobediência civil, quem mais desacatou o Judiciário e seus regramentos foi um ministro do Supremo, retendo por ano e meio uma decisão já aprovada pelos colegas, e tantos feitos mais, inclusive de natureza política.
 
Com a mesma arbitrariedade, a presidente do Supremo fez a afirmação pública de que agendaria o reexame de prisão possível na segunda instância e fez a afirmação pública de que não o agendará.
 
Entre o dito e o desdito, uma semana. A meio da semana, a condenação de Lula em segunda instância. Mas não será a decisão entre segunda e terceira instâncias que dará destino à pretendida candidatura de Lula, ou que poderia livrá-lo do cerco. A reversão de Cármen Lúcia fica, assim, como um casuísmo por mera arbitrariedade.
 
Apologista da prisão de condenado em segunda instância, o ministro Luís Roberto Barroso argumenta, com o coro de procuradores da República, que a medida combaterá a corrupção.
 
Em sua teoria, o que motivou a corrupção foi o conhecimento dos corruptos de que protelariam eventuais processos, com recursos judiciais, até o distante final da terceira instância. Ninguém apresentou evidência, uma que fosse, de tal motivação dos corruptos.
 
Além disso, se a tramitação dos processos é lerda, sabe-se que a morosidade é do Ministério Público (procuradores e promotores) e do Judiciário (segunda instância, não a primeira, e tribunais superiores). Disto há evidência, e está em levantamento mencionado no Supremo.
 
Há mais. Com o atual direito brasileiro, ao corrupto não importa a instância que dê cadeia: a delação premiada, reduzindo sentença de 40 anos para 2, logo o deixará no gozo livre da fortuna resguardada. Quem duvide pode informar-se sobre Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Otavio Azevedo e os muitos outros premiados.
 
A intenção de reexaminar a prisão em segunda instância nasceu no mesmo Supremo que a introduziu. Sem qualquer relação com Lula ou outro acusado.
 
Para adotá-la, e sobretudo para mantê-la, os ministros deveriam ter tomado a providência de buscar, no Congresso, a mágica de uma solução para o item do art. 5º da Constituição que diz: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Se ainda há recurso à terceira instância, portanto, o trânsito está incompleto.
 
Enquanto for possível ler tal premissa na Constituição, a prisão em segunda instância foi, é e será uma arbitrariedade inconstitucional do Supremo. Um desacato de seis ministros à Constituição.  -  (Aqui).

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