quinta-feira, 11 de abril de 2019

A ANÁLISE ECONÔMICA E A FÁBULA DOS 7 CEGOS

(GGN).
A análise econômica e a fábula dos 7 cegos
Por Luis Nassif (No GGN)
A entrevista de Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, ao Valor, é uma versão macroeconômica da praga do CEO genérico. Por tal, entenda-se o executivo, com visão estritamente financeira, colocado no comando de empresas do setor real, sem conhecer as características do mercado onde a empresa atua. Sua visão é meramente financista, tendo em vista dois objetivos: melhorar o balanço trimestral à custa de corte indiscriminado de custos.
Essa imprudência já liquidou com grandes empresas nacionais, como a Sadia, o Unibanco, trouxe prejuízos enormes à Valer, à BRF.
As características do CEO genérico são conhecidas.
  • Uso abusivo do “suponhamos que”,
  • Análise sempre compartimentalizada, vendo cada tema isoladamente, sem analisar os desdobramentos sobre as outras variáveis.
  • Inversão das relações de causalidade, trocando as causas pelos efeitos.
  • Transformar cada tema em questão de vida ou de morte para a economia.
A lógica da macroeconomia é a capacidade de correlacionar indicadores e definir claramente relações de causalidade.
Vamos analisar a entrevista.
Diz ele:

Sobre os fatores de recessão

O motor de crescimento da economia brasileira sofreu um dano estrutural (…) Para ele, o problema é resultado de fatores como o “baixo nível de investimento, a grande alavancagem [endividamento] financeira dos três grandes agentes da economia – famílias, empresas e governo – e a má alocação de recursos causada pelas distorções da Nova Matriz Macroeconômica”.
Baixo nível de investimento é consequência, assim como a alavancagem financeira dos três grandes agentes da economia. Ele menciona a Nova Matriz Econômica, que se encerra em 2014. Nada diz sobre as políticas econômicas implementadas a partir de 2015, com Joaquim Levy – que deu um choque tarifário, aumentou os juros e travou o crédito, seguindo recomendações de mercado – , prosseguindo com Henrique Meirelles e Paulo Guedes, mantendo o arrocho fiscal e não adotando nenhuma medida anticíclica. Se um dos problemas centrais é o tríplice endividamento do Estado, empresas e família, a análise deveria se debruçar sobre as medidas que impediram a solução desses obstáculos.
Vamos a um fluxograma simples sobre o que move a economia.

(GGN).
A peça chave para um ciclo virtuoso é o aumento da demanda. É ela que resolve o problema de emprego e renda, as questões fiscais, a volta dos investimentos.
Todas as discussões teóricas se dão em torno do tema: como aumentar a demanda. Os ortodoxos acreditam no poder da fé: se as empresas acreditarem no equilíbrio fiscal, voltam a investir. Os heterodoxos acreditam no poder da demanda. Se o ajuste empobrecer o país, reduzir a renda, impedirá a recuperação da demanda e não haverá investimento. Investir para vender para quem? Portanto a fé só moverá as montanhas do investimento, se promover, antes, a recuperação da demanda.

Sobre os fatores de recuperação

Com grande ociosidade e inflação e juros baixos, porém, haveria espaço para a aceleração da recuperação cíclica, mas isso tampouco tem ocorrido. (…) . A retomada cíclica não ganha força por esbarrar em especial na incerteza política e institucional ainda relativamente elevada. Também atrapalha o nível de endividamento de famílias, de empresas e do governo.
Vamos analisar, então, as medidas sugeridas pelo mercado, e adotadas por sucessivos Ministros da Fazenda a partir de 2015.
(GGN).
Travamento do crédito, somado aos juros reais elevados. Segundo o Banco Central, para impedir aumento da inflação com o realinhamento tarifário. Foi o principal responsável pelos níveis de endividamento de empresas e famílias. E, pela não recuperação da economia, pelo aumento da relação dívida/PIB do Estado.
PEC do Teto: reduziu ainda mais a demanda agregada, especialmente junto às famílias de baixa renda. Impactou os gastos com saúde, educação, zerou os investimentos públicos, travou a recuperação da economia, impedindo a melhoria do emprego e renda e, por consequência, a redução dos níveis de endividamento.
Redução dos programas sociais: gastos de famílias de baixa renda são injeção na veia do consumo. Em famílias de maior renda, parte dos ganhos é poupado, parte vai para consumo de ostentação, com grande peso dos importados.
Ou seja, todas as medidas tomadas impactaram negativamente a demanda. Impactando, não houve recuperação, apesar do próprio economista admitir que níveis elevados de ociosidade facilitam a recuperação econômica. Então por que não houve a recuperação? A resposta racional seria que as medidas de arrocho aprofundaram a recessão e impediram a recuperação da demanda. Mas, aí, se entra em matéria de fé. Se o economista admitir isso, será crucificado pelo mainstream. A saída, então, é buscar explicações subjetivas, presentes no campo da fé: a recuperação foi abortada por causa das incertezas política e institucional, como se as incertezas fossem causa, e não consequência.
Um dos grandes sofismas do mercado, aliás, é confundir causa com consequência. Vamos a alguns exemplos:

Causa-consequência 1 = demanda agregada

Endividamento das famílias

Se deveu à precarização do emprego, aumento do desemprego, aumento dos juros e restrição do crédito. Motivo: queda na demanda.

Endividamento das empresas

Porque tinham determinado nível de capital de giro e, com a queda abrupta da demanda, ficaram com estoques encalhados, sem condições de honrar as dívidas contraídas e sem espaço para renegociar o crédito. Motivo: queda da demanda.

Endividamento do Estado

Porque houve queda da demanda que resultou em queda das receitas públicas e queda do PIB. Com menos receita e PIB menor, aumentou o déficit e a relação dívida/PIB. Motivo: queda da demanda.

Crise política

Devido ao descontentamento da população com a queda de renda que levou às medidas atrapalhadas na segunda metade do governo Dilma e à manutenção do mal estar econômico nos governos Temer e Bolsonaro. Motivo: queda da demanda.

Crise institucional

Provocada pela desorganização total da política e da opinião pública com a crise econômica, motivada pela queda da demanda, trazendo mal-estar generalizado. Pode-se argumentar que, no Brasil, a queda da demanda esteve associada à queda dos preços internacionais das commodities. Esse é um dado da realidade, que deveria ser enfrentado com medidas eficazes de política econômica visando a recuperação da demanda.
Dos três entes econômicos – Estado, família e empresas – o único em condições de puxar a demanda seria o Estado, que tem o controle da moeda e a capacidade de aumentar o endividamento.
As medidas adotadas não foram suficientes. Então, toda análise tem que ser focada para entender a razão de não terem sido bem sucedidas.
(GGN).
Aqui não se trata de explicações didáticas sobre a teoria, mas do que ocorreu de fato com o Brasil nos últimos anos.
O déficit primário é o resultado de uma conta simples: Receita – despesas.
Há três maneiras de reduzi-lo: aumentando as receitas, reduzindo as despesas, ou combinando ambas. Obviamente, a arte da política econômica consiste em encontrar um nível ótimo de aumento de gastos, que resulte em uma aumento da receita maior do que o aumento dos gastos.
Entenda o quadro:

Déficit primário

Gastos de governo significa receita do setor privado. Se a queda da receita fiscal for maior do que a economia nas despesas, além de derrubar a atividade, o corte provoca um aumento do déficit primário.

Déficit nominal

Aumentando o déficit primário, segundo a visão dogmática do mercado, precisaria haver um aumento na taxa de juros, para ser superior à taxa de crescimento do PIB. Não peça explicações lógicas para essa correlação. É princípio religioso. Aumentando os juros, há um aumento do déficit nominal (que inclui Receita – despesa – conta de juros).

Relação dívida/PIB

Com elevação dos juros em uma ponta, e arrocho fiscal, na outra, ocorre uma queda no PIB. Com o PIB caindo, aumenta automaticamente a relação dívida/PIB, um dos principais indicadores de solidez fiscal.
80 / 100 = 0,8
80 / 95 = 0,84
Aumentando a relação dívida/PIB, segundo os fundamentalistas de mercado, haveria um desestímulo aos investimentos. Só que aumentou a relação porque o PIB caiu e os juros aumentaram. Mas a saída proposta, em lugar de ser a redução dos juros, para melhorar o PIB,  é dobrar a aposta nos cortes de despesas e na redução dos direitos sociais.

Sobre os juros

Juros têm impacto sobre o nível de atividade, sobre a dívida púbica e sobre o déficit nominal. O que diz nosso campeão:
O nível dos juros não é o problema (…)Para ele, a política monetária é hoje estimulativa e a inflação projetada está na meta. Não haveria então motivos para o BC cortar mais a Selic.
E nada mais disse, nem lhe foi perguntado.

Sobre a dívida pública

Para estabilizar a dívida, Ramos calcula ser necessário um superávit de 2% do PIB. No entanto, quando o esforço primário chegar lá, a dívida estará na casa de 80% a 90% do PIB, nível muito alto e que não confere espaço de manobra à política fiscal. Desse modo, o ideal é alcançar um superávit que a reduza, o que seria algo na casa de 3% a 3,5% do PIB.
Ou seja, no seu modelito, descartou qualquer mudança nos juros e não se estendeu nem um pouco sobre como conseguir e quais os impactos de um superávit primário de 3,5% do PIB no nível de atividade e na oferta de serviços públicos.

Conclusão

Quando André Lara Resende, algo tardiamente, fala da importância de submeter a teoria às análises empíricas, ele queria dizer isso. Não se trata de formulações abstratas, mas de conferir se a teoria respeita princípios mínimos de racionalidade econômica, os princípios básicos da teoria econômica.
Mas o uso do cachimbo entortou a boca da macroeconomia de mercado. Comportam-se com a irracionalidade de um Bolsonaro ao Twitter. E, pior, suas conclusões são aceitas como científicas pela mídia.

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