"O protetor" ou como Micromegas se protegeria do americanismo cinematográfico
Por Fábio de Oliveira Ribeiro
Ontem fui assistir “O Protetor”, novo filme de Denzel Washington e Chloë Grace. O enrredo é muito simples. Uma jovem prostituta de origem russa (Chloë Grace) é espancada por seu cafetão russo nos EUA. Indignado, o ex-agente da CIA que ficou amigo da moça resolve comprar a liberdade dela. Como isto não é possível, ele mata vários membros da máfia russa. Em razão disto, o chefe da organização, um oligarca russo, envia para os EUA um assassino que pertenceu às Forças Especiais da Rússia e à FSB. Após várias peripécias, o norte-americano mata o assassino russo e vai até a Rússia eletrocutar o chefe da organização mafiosa.
Em “Os Donos da Noite” (2007) o irmão de um policial norte-americano trabalha para um mafioso russo que tem uma boate chamada “El Caribe”. Em “Dia de Treinamento” (2001) o protagonista do filme, um policial desonesto e violento interpretado pelo próprio Denzel Washington, faz qualquer coisa para arrumar dinheiro a fim de pagar a máfia russa e acaba sendo metralhado pela mesma. Em “Duro de Matar - Um bom dia para morrer” (2013) o policial John McClane vai visitar o filho na Rússia e acaba sendo obrigado a combater terroristas e mafiosos russos que pretendem levar seu candidato à presidência daquele país. Em “Jack Reacher - O último tiro” (2012) o protagonista combate a máfia russa para provar a inocência do ex-soldado que foi injustamente envolvido num assassinato cometido por razões políticas e econômicas. No filme “Jack Ryan - Operação Sobra” o herói descobre e derrota um complô orquestrado na Rússia para produzir o caos financeiro nos Estados Unidos.
Todos estes filmes foram escritos, produzidos e exibidos nos últimos anos, exatamente no período em que uma Nova Guerra Fria foi sendo imposta à Rússia através das ações diplomáticas, sigilosas e militares dos EUA na Georgia, Ucrânia e Síria (para citar apenas alguns países em que os interesses econômicos russos foram sabotados ou abertamente combatidos pelos norte-americanos).
Durante os anos 1930, pouco antes de declarar guerra a Itália de Mussolini, os norte-americanos começaram a produzir e distribuir ao redor do planeta filmes em que os vilões eram os mafiosos italianos que agiam nos EUA. Nos anos 1980, durante as guerras sujas promovidas por Ronald Reagan na América Latina, os traficantes latinos se tornaram os vilões mais combatidos nos american movies. Nos dias de hoje, os vilões italianos e latinos foram substituídos pelos vilões russos.
O padrão é evidente e a finalidade ideológica também. Assim como foram levados a odiar italianos e latinos no passado, os cinéfilos dentro e fora dos EUA estão sendo ensinados a odiar os russos. Assim como associaram a Itália e a América Latina ao crime organizado, os expectadores são levados a acreditar que a Rússia é pouco menos que uma república de criminosos. Curiosamente, ao contrário dos soldados norte-americanos, nos últimos anos nenhum italiano, latino-americano ou russo cometeu crimes de guerra horrendos e desprezíveis no Iraque, Afeganistão e Paquistão.
Se Micromegas (o famoso personagem de Voltaire) resolvesse voltar à Terra e, antes de chegar, coletasse e analisasse as telecomunicações do nosso planeta considerando os filmes transmitidos como elementos que ajudam a compreender as culturas humanas recentes, ele certamente concluiria que o único país onde todas as máfias vicejam é os EUA. Qual a razão disto? Os norte-americanos são mais tolerantes com os criminosos do que os outros povos? Micromegas também perceberia uma lacuna. Não existem filmes produzidos na Itália, na América Latina e na Rússia sobre mafiosos anglo-americanos que agem dentro e fora dos EUA. Isto o faria concluir que nenhum outro povo é tão obcecado pelo ódio aos estrangeiros quanto os norte-americanos. De posse destas informações valiosas que país Micromegas não visitaria? (Fonte: aqui).
Nenhum comentário:
Postar um comentário