A imprensa dos escribas e fariseus
Por Luciano Martins Costa
O cidadão que rastrear, na quarta-feira (15/10), as edições dos principais
jornais de circulação nacional vai encontrar um texto interessante por sua
clareza incomum, considerando-se o personagem e a circunstância de que trata.
Diz o seguinte: “A estiagem recorde e o calor atípico talvez possam ser
atribuídos às mudanças climáticas. O grave risco de desabastecimento da Grande
São Paulo, entretanto, deve-se a outro fenômeno – a incúria das sucessivas
gestões tucanas que comandam o Estado desde 1995”.
Estamos diante de um editorial da Folha de S.Paulo, no qual se pode registrar um fato histórico: pela primeira vez, na longa e penosa crise da falta d'água, um dos grandes diários afirma, com todas as letras, que o governador é o principal responsável pelo problema.
Num texto sem meias-palavras, o editorialista afirma que o governador Geraldo Alckmin falhou em várias frentes que poderiam amenizar a crise: não protegeu mananciais, não cuidou do tratamento de esgotos e dejetos industriais, não atuou contra o desperdício e não aplicou os recursos destinados ao aumento da capacidade de “reservação”.
Depois de observar que a recuperação do sistema de represas pode demorar quatro anos, isso se as chuvas voltarem à sua média histórica, o jornal afirma que o governador segue omitindo informações à população. Falta transparência e coragem para admitir a gravidade da situação, conclui o editorial. O texto chega a fazer blague, lembrando que Alckmin brincava com o problema, ao dizer que choveria em setembro, porque ele havia aprendido, na roça, que só chove nos meses com a letra “r”.
O leitor ou leitora que coloca tento no que lê haverá de se perguntar: o que houve com a Folha de S.Paulo? Bandeou-se para a oposição, depois que a eleição estadual foi resolvida em primeiro turno? Decidiu, finalmente, tratar a falta de iniciativa do governador de São Paulo com “atitude crítica”?
Não.
A Folha vai pedir o impeachment do governador, ou, como os outros grandes diários, está apenas cobrando a conta do apoio descarado que ofereceu a ele durante a campanha eleitoral?
Um poço de cinismo
Se o jornal tivesse caráter, no sentido que se dá às qualificações morais de um indivíduo, não teria esperado o governador se reeleger para quebrar o silêncio e revelar o que seus editores sempre souberam sobre a falta d’água.
Pode-se esperar o mesmo, caso o senador Aécio Neves venha a ser eleito presidente da República? Os jornais vão abrir suas caixas de ferramentas e revelar o que omitem durante a campanha eleitoral?
O súbito ataque de sinceridade da Folha reflete bem o poço de cinismo em que se transformou a imprensa hegemônica do Brasil. Na reportagem em que o jornal relata a saída do colunista Xico Sá, citada neste espaço na terça-feira (13/10), a direção do diário anota que seu “manual de redação” recomenda aos colunistas que evitem, em suas colunas, proselitismo eleitoral ou declaração pública de voto.
Mas a grande pérola de farisaísmo pode ser apreciada na frase final: “A restrição não se aplica a críticas a partidos, políticos e candidaturas”. Isso significaria, por largueza de interpretação, que um colunista não pode dizer que vota em Dilma Rousseff, mas os outros podem passar anos chamando os petistas de “petralhas” e achincalhando tudo que se refere ao partido e seus representantes.
Seria essa a interpretação para o que uma colunista do Estado de S.Paulo chama de “atitude crítica” da imprensa em relação ao grupo que se reelege no Executivo federal desde 2002?
A imprensa hegemônica do Brasil faria grandes benefícios à consolidação da nossa democracia e à educação cívica da população se realmente tivesse uma “atitude crítica” em relação a todos os poderes da República, indiscriminadamente. Mas, infelizmente, o que se vê é o apoio explícito a um dos lados em que se divide o espectro político, e uma campanha sistemática para desqualificar e demonizar o outro lado. Essa distorção foi demonstrada mais uma vez, na entrevista concedida pelo cientista político João Feres Jr., criador do Manchetômetro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ao programa Espaço Público, da TV Brasil, transmitido na terça-feira (14).
Aqui e ali, no noticiário de quarta-feira (15) sobre o primeiro debate entre os dois candidatos ao segundo turno da eleição presidencial, analistas da imprensa se referem ao clima de extrema beligerância que encobre os temas mais relevantes, e sua repercussão nas redes sociais, onde se percebe que as manifestações chegam a um alto nível de agressividade.
Os jornais apenas esquecem a grande contribuição que têm dado para que isso esteja acontecendo. (Fonte: aqui).
Estamos diante de um editorial da Folha de S.Paulo, no qual se pode registrar um fato histórico: pela primeira vez, na longa e penosa crise da falta d'água, um dos grandes diários afirma, com todas as letras, que o governador é o principal responsável pelo problema.
Num texto sem meias-palavras, o editorialista afirma que o governador Geraldo Alckmin falhou em várias frentes que poderiam amenizar a crise: não protegeu mananciais, não cuidou do tratamento de esgotos e dejetos industriais, não atuou contra o desperdício e não aplicou os recursos destinados ao aumento da capacidade de “reservação”.
Depois de observar que a recuperação do sistema de represas pode demorar quatro anos, isso se as chuvas voltarem à sua média histórica, o jornal afirma que o governador segue omitindo informações à população. Falta transparência e coragem para admitir a gravidade da situação, conclui o editorial. O texto chega a fazer blague, lembrando que Alckmin brincava com o problema, ao dizer que choveria em setembro, porque ele havia aprendido, na roça, que só chove nos meses com a letra “r”.
O leitor ou leitora que coloca tento no que lê haverá de se perguntar: o que houve com a Folha de S.Paulo? Bandeou-se para a oposição, depois que a eleição estadual foi resolvida em primeiro turno? Decidiu, finalmente, tratar a falta de iniciativa do governador de São Paulo com “atitude crítica”?
Não.
A Folha vai pedir o impeachment do governador, ou, como os outros grandes diários, está apenas cobrando a conta do apoio descarado que ofereceu a ele durante a campanha eleitoral?
Um poço de cinismo
Se o jornal tivesse caráter, no sentido que se dá às qualificações morais de um indivíduo, não teria esperado o governador se reeleger para quebrar o silêncio e revelar o que seus editores sempre souberam sobre a falta d’água.
Pode-se esperar o mesmo, caso o senador Aécio Neves venha a ser eleito presidente da República? Os jornais vão abrir suas caixas de ferramentas e revelar o que omitem durante a campanha eleitoral?
O súbito ataque de sinceridade da Folha reflete bem o poço de cinismo em que se transformou a imprensa hegemônica do Brasil. Na reportagem em que o jornal relata a saída do colunista Xico Sá, citada neste espaço na terça-feira (13/10), a direção do diário anota que seu “manual de redação” recomenda aos colunistas que evitem, em suas colunas, proselitismo eleitoral ou declaração pública de voto.
Mas a grande pérola de farisaísmo pode ser apreciada na frase final: “A restrição não se aplica a críticas a partidos, políticos e candidaturas”. Isso significaria, por largueza de interpretação, que um colunista não pode dizer que vota em Dilma Rousseff, mas os outros podem passar anos chamando os petistas de “petralhas” e achincalhando tudo que se refere ao partido e seus representantes.
Seria essa a interpretação para o que uma colunista do Estado de S.Paulo chama de “atitude crítica” da imprensa em relação ao grupo que se reelege no Executivo federal desde 2002?
A imprensa hegemônica do Brasil faria grandes benefícios à consolidação da nossa democracia e à educação cívica da população se realmente tivesse uma “atitude crítica” em relação a todos os poderes da República, indiscriminadamente. Mas, infelizmente, o que se vê é o apoio explícito a um dos lados em que se divide o espectro político, e uma campanha sistemática para desqualificar e demonizar o outro lado. Essa distorção foi demonstrada mais uma vez, na entrevista concedida pelo cientista político João Feres Jr., criador do Manchetômetro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ao programa Espaço Público, da TV Brasil, transmitido na terça-feira (14).
Aqui e ali, no noticiário de quarta-feira (15) sobre o primeiro debate entre os dois candidatos ao segundo turno da eleição presidencial, analistas da imprensa se referem ao clima de extrema beligerância que encobre os temas mais relevantes, e sua repercussão nas redes sociais, onde se percebe que as manifestações chegam a um alto nível de agressividade.
Os jornais apenas esquecem a grande contribuição que têm dado para que isso esteja acontecendo. (Fonte: aqui).
Nenhum comentário:
Postar um comentário