quinta-feira, 16 de outubro de 2014

SOBRE A INSISTÊNCIA DOS NEOLIBERAIS


Um contra 164 economistas!

Por José Carlos de Assis

Consta que, numa época em que ainda se consolidava entre os cientistas a Teoria Geral da Relatividade, um grupo de pseudo-cientistas antissemitas europeus escreveu um livro com o título “100 contra Einstein”. Quando deram conhecimento do livro ao próprio Einstein, ele reagiu: “Mas 100? Bastava um”.

Esse fato me veio à memória ontem quando li o manifesto de 164 economistas contra a política econômica do Governo Dilma. “Como?, perguntei eu a mim mesmo, não bastava um?” Logo entendi porque foram necessários 164 (nem 163, nem 165!): o manifesto é tão fraco, tão inconsistente e ao mesmo tempo tão pretensioso, tão ideologicamente enviesado para o neoliberalismo, que seriam necessários não 164 economistas mas talvez alguns milhares para compensarem a fragilidade conceitual pela quantidade de signatários.

O centro da peça é a “desconstrução” da afirmativa que os países industrializados avançados estão em crise e que o baixo crescimento do Brasil reflete isso. Mantega, na entrevista da Globonews em que literalmente esmagou Armínio Fraga, expôs esse argumento com grande clareza. Os 164 alegam que a maioria dos países ocidentais saiu da crise e está em plena recuperação. Então a crise europeia não pode ser culpada do baixo crescimento brasileiro. Mostrarei a falsidade disso abaixo, mas antes é importante estabelecer uma preliminar.

Não sou do PT, nem signatário do documento dos 164, nem mesmo signatário de outro documento dos desenvolvimentistas que também acabou de sair, embora neste caso não o assinei porque não fui convidado. Sou, porém, um desenvolvimentista heterodoxo. Nessa condição devo dizer que não estou integralmente a favor da política de Mantega. Escrevi um número suficiente de artigos e ensaios contra ela para não mudar de opinião agora. Contudo, as razões porque fui parcialmente contrário a essa política são opostas às razões dos 164.

Minha posição é que Mantega errou ao concentrar sua política anticíclica em desonerações fiscais. Num ambiente de altas taxas de juros reais e baixo crescimento, a política fiscal eficaz é o aumento deficitário do gasto público em investimento e custeio, não o corte de imposto. É o gasto público que estimula diretamente o consumo, o emprego e o crescimento. Isso é anátema para os fiscalistas que escreveram o documento dos 164. Entretanto, quando se corta imposto e se oferecem juros altos, o empresário, em lugar de investir, simplesmente aplica o lucro decorrente do corte de imposto no mercado financeiro. Não estimula nem o consumo, nem o investimento. Simplesmente engorda.

Entretanto, não é esse o raciocínio feito pelos 164. Eles querem cortar, não aumentar os gastos públicos anticíclicos.  E são furiosamente contrários ao subsídio de crédito, o que, nas circunstâncias brasileiras de juros reais estratosféricos, significaria o estrangulamento de empresas de todos os portes. A alegação de que juros subsidiados distorcem a correta alocação de recursos no mercado não passa de charlatanismo ideológico dos neoliberais. O que distorce o mercado é a extrema concentração bancária. E eles querem simplesmente o mercado financeiro totalmente livre para deixar solta a especulação, não importa que isso resulte no estrangulamento do setor produtivo.

Contudo, voltemos ao núcleo do manifesto. Ele diz que não há mais crise, que a economia mundial está em plena recuperação. Claro, não é o que pensa sequer o ortodoxo FMI, cuja gerente-geral acaba de lançar um apelo aos países para que adotem políticas fortes de retomada de crescimento pois o mundo está ameaçado por uma prolongada recessão ou período de baixo crescimento na Europa, no Japão e mesmo nos Estados Unidos. Vejamos, assim, o que está efetivamente acontecendo.

Na rica Alemanha, o crescimento no primeiro trimestre do ano foi negativo em 0,2%. Nos doze trimestres até então, houve oito de crescimento e três de contração. Acaso pode-se chamar isso de recuperação firme?

Na França, houve três trimestres de crescimento zero, três de contração e seis de crescimento. No primeiro trimestre deste ano a economia francesa teve crescimento zero.

No Reino Unido, sempre considerando os doze últimos trimestres até o primeiro deste ano, houve crescimento em nove deles, mas contração em dois e crescimento zero em um.

Na Itália, houve contração em 11 trimestres, crescimento em um,  e finalmente -0,2% no primeiro trimestre deste ano.

Mesmo nos Estados Unidos, que acusaram um crescimento mais consistente, há grande assimetria. Eles cresceram 4,6% no primeiro trimestre deste ano, mas depois de uma contração de 2,1% no último trimestre do ano passado. E o próprio FMI está recalculando as projeções de crescimento americano para baixo.

Vejamos agora o desempenho recente de nossos vizinhos sul-americanos da Aliança do Pacífico que fizeram em 2012 acordos de livre comércio com os Estados Unidos. Estão sendo apontado pelos 164 como apresentando uma extraordinária performance, bem acima da brasileira. Eis os números.

Peru: crescimento de 0,3% no primeiro trimestre deste ano, com os últimos seis trimestres anteriores em contração. Além disso, a balança comercial mensal acusou déficit comercial em seis meses seguidos, fechando setembro com 311 milhões de dólares negativos. Colômbia, com dois dos dez trimestres em queda do produto, fechou com apenas 0,1% no primeiro trimestre deste ano. A balança comercial foi um desastre: nos últimos 12 meses até setembro, houve déficit em nove, fechando a conta deficitária, em setembro, em 1,04 bilhão de dólares, um recorde.

Também o Chile foi na mesma linha. Crescimento do produto de apenas 0,2%  no primeiro trimestre, com dois trimestres em contração em doze. Já a balança comercial despencou de 1,7 bilhão de dólares para 640 milhões em setembro, com clara tendência declinante. Enfim, aquilo que os 164 apontam como grande performance sul-americana, em comparação com a nossa, não passa de engodo. Quando se examinam todos os números estamos melhor. E o mostrado acima é, de fato, o testemunho fragoroso do fracasso para os países signatários dos tratados de livre comércio com os Estados Unidos - algo que Armínio Fraga anunciou que vai tentar nos empurrar goela abaixo, caso Aécio seja eleito Presidente da República.

Devo esclarecer, a respeito da restrição feita acima à política macroeconômica de Mantega, que não acredito que uma mudança fiscal na direção que defendo alteraria muito o crescimento do PIB. Seria questão de décimos. O problema do baixo crescimento da economia brasileira está menos ligado à macroeconomia do que ao esgotamento de um ciclo de crédito e de consumo, como assinalou sabiamente a professora Maria da Conceição Tavares. Os 164, antes de assinar manifestos ideológicos, deveriam estudar Marx , Minsk ou talvez Kalecki para aprender um pouco sobre ciclos econômicos. Se precisar, o Governo Dilma pode arranjar bolsas do Ciência sem Fronteira, com o cuidado de não ser para as universidades neoliberais norte-americanas, como seu monetarismo e fiscalismo tacanhos! (Fonte: aqui).

J. Carlos de Assis - Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.

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Ratifico o que afirmei aqui, três dias atrás:

O cartum ressalta a crise econômica alemã, com Merkel perplexa diante da situação. Até a poderosa Alemanha!...

Mas para Armínio Fraga isso não existe: está tudo bem pelo mundo, exceto no Brasil (presente a alegação de Mantega, de que nossas exportações não podem avançar em face da retração mundial). Vai ver, o 'ministro' Fraga se embasa na previsão do PIB dos EUA, ascendente para 2014. Convém ter em mente, porém, que somente no mês de maio deste ano os Estados Unidos conseguiram chegar à marca de empregos formais observada antes dos estragos da crise de 2008, ou seja, estão longe, ainda, de uma situação confortável, conforme se conclui do texto a seguir, do Opera Mundi:

Pela primeira vez desde 2008, a economia norte-americana criou 217 mil novos empregos e manteve a taxa de desemprego em 6,3% no mês de maio, o que representa a recuperação de todos os postos de trabalho perdidos durante a recessão. "Com os avanços em maio, o número de empregos supera agora os níveis de antes da recessão", declarou o Ministério do Trabalho dos EUA em comunicado nesta sexta-feira (06/06).
 

Os atuais dados apontam que o número total de empregos no país em maio deste ano foi de 138,46 milhões, ao passo que em janeiro de 2008 esse total havia sido de 138,36 milhões. Dentre os efeitos da crise econômica e financeira que assolou o mercado de trabalho no país, houve um corte 8,7 milhões de postos de trabalho até fevereiro de 2010. (Para continuar, clique aqui).

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