A uma semana do racionamento de água
Por Nabil Bonduki
Com quase nove meses de atraso, o governo Alckmin e a Sabesp não poderão
mais fugir do racionamento de água em São Paulo. É inevitável: o governador está
apenas esperando passar o 2º turno da eleição presidencial para tomar uma medida
que deveria ter sido decretada em fevereiro deste ano, quando ficou evidente que
não haveria água suficiente nos reservatórios para manter o atendimento normal à
população paulistana e ainda havia tempo para prevenir uma situação que se
configurava catastrófica.
Embora a presidente da Sabesp, Dilma Pena, tenha afirmado, em depoimento à CPI da Câmara Municipal, que foi técnica a decisão de não adotar o racionamento – ao contrário do que propunha relatórios da própria empresa, que recomendaram a medida em janeiro deste ano – o governador, de forma irresponsável, empurrou o problema com a barriga para, primeiro, garantir sua reeleição e, em seguida, não prejudicar a campanha de seu candidato a presidente.
As consequências desse verdadeiro “estelionato eleitoral” serão ainda muito mais graves para a população de São Paulo. Para manter o atendimento normal, o que não era mais possível frente à forte seca que estamos vivendo, o governo Alckmin resolveu estressar todos os recursos hídricos que abastecem a região metropolitana até secar os reservatórios, o que torna sua recuperação muito mais lenta e, portanto, prolongará a crise. E, ainda, promoveu cortes de água sem informar previamente à população, o que significa descumprimento da lei e do contrato de concessão entre o município e o estado.
Para além da forte estiagem que atinge o estado, a gravidade da crise da água é resultante de decisões conjunturais orientadas pelo quadro eleitoral e pelo modelo de gestão adotado pelo PSDB na área de saneamento, o que transformou a Sabesp em uma empresa cuja rentabilidade e dividendos cresce com o consumo de água, em especial no município de São Paulo, que contribui com 52% do faturamento total da empresa. Como a empresa vive da venda de água, ela nunca se empenhou verdadeiramente em promover o uso sustentável e racional desse recurso escasso. A cultura do desperdício foi estimulada, como se houvesse fartura.
Assim, desde 2010, a Sabesp retira do Cantareira mais do que é reposto. Em 2013, o nível do sistema baixou continuamente: em janeiro de 2013, estava com 52,3%; um ano depois estava com 22,2%. A falta de chuvas no verão de 2014 acendeu a luz vermelha: a água iria acabar!
Ao invés de planejar, com participação da sociedade, um racionamento socialmente justo e eficiente, e de informar previamente à população, para reduzir o consumo e se preparar para enfrentar as dificuldades futuras, Alckmin manteve uma gestão temerária dos recursos hídricos, objetivando não descontentar os eleitores.
Assim, gastou-se com normalidade a pouca água que se dispunha, deixando o problema estourar mais adiante, quando a eleição estivesse ganha. A única medida tomada para reduzir o consumo foi criar um bônus para dar descontos a quem economizasse mais de 20% do consumo histórico. Descartou-se o racionamento e a penalização para quem consumisse acima da média. O resultado foi irrisório: uma redução de consumo de apenas 5%. Chocante foi o fato de que, durante a crise, um em cada quatro “clientes” da Sabesp aumentou o consumo.
As demais medidas para manter o atendimento “normal” estão levando ao colapso os principais sistemas que abastecem a RMSP, em um efeito dominó. O Alto Tietê e o Guarapiranga passaram a atender regiões antes abastecidas pelo Cantareira, que teve sua vazão reduzida. Ainda assim, em maio de 2014, o nível do Cantareira atingiu 5% e o governo do Estado começou a retirar água do seu volume morto, que não deveria ser utilizado salvo em situações emergenciais; e em novembro, essa reserva estará esgotada. O Alto Tietê está abaixo de 10% de sua capacidade e o Guarapiranga – que não está afetado pela seca – atingiu 45,8%, tendo perdido 11,5% de sua capacidade nos últimos quarenta dias.
O governo irá utilizar o 2º volume morto do Cantareira. Não existe outra solução para garantir o abastecimento, a cada dia mais precário. É o fim do fim dos recursos hídricos da região. Por sorte, as eleições ocorrerão em uma semana e o governo poderá tomar as medidas que deveriam ter sido tomadas há nove meses.
Com essa gestão temerária, tudo indica que em 2015 a situação será ainda mais grave do em 2014. Com as represas vazias, mesmo que as chuvas de verão ocorram nos níveis históricos, a recuperação das represas será lenta e chegaremos ao início do período seco em situação muito pior do que estávamos no ano passado. Os índices de chuvas de setembro e outubro, no entanto, ficaram muito abaixo da média histórica, o que mostra que poderemos ter um verão mais seco do que o normal. Nesse caso, estaremos perto de uma tragédia sanitária e econômica, cuja responsabilidade será de Alckmin.
Desconhecendo os efeitos imprevisíveis das mudanças climáticas, o governo acreditou que a crise seria passageira. Para justificar, a presidente da Sabesp afirmou que outra seca como essa somente vai ocorrer, estatisticamente, daqui a 3378 anos! Não é o que estamos vendo. Foi com argumentos como esse e, sobretudo pensando em ganhar eleições iludindo a população, que o governo Alckmin “planejou” enfrentar a crise hídrica. E agora? (Fonte: aqui).
* Nabil Bonduki, arquiteto e urbanista, é professor titular de planejamento urbano no FAU-USP. É vereador, relator do Plano Diretor Estratégico e membro da CPI da Sabesp na Câmara Municipal de São Paulo. Foi Secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente.
Embora a presidente da Sabesp, Dilma Pena, tenha afirmado, em depoimento à CPI da Câmara Municipal, que foi técnica a decisão de não adotar o racionamento – ao contrário do que propunha relatórios da própria empresa, que recomendaram a medida em janeiro deste ano – o governador, de forma irresponsável, empurrou o problema com a barriga para, primeiro, garantir sua reeleição e, em seguida, não prejudicar a campanha de seu candidato a presidente.
As consequências desse verdadeiro “estelionato eleitoral” serão ainda muito mais graves para a população de São Paulo. Para manter o atendimento normal, o que não era mais possível frente à forte seca que estamos vivendo, o governo Alckmin resolveu estressar todos os recursos hídricos que abastecem a região metropolitana até secar os reservatórios, o que torna sua recuperação muito mais lenta e, portanto, prolongará a crise. E, ainda, promoveu cortes de água sem informar previamente à população, o que significa descumprimento da lei e do contrato de concessão entre o município e o estado.
Para além da forte estiagem que atinge o estado, a gravidade da crise da água é resultante de decisões conjunturais orientadas pelo quadro eleitoral e pelo modelo de gestão adotado pelo PSDB na área de saneamento, o que transformou a Sabesp em uma empresa cuja rentabilidade e dividendos cresce com o consumo de água, em especial no município de São Paulo, que contribui com 52% do faturamento total da empresa. Como a empresa vive da venda de água, ela nunca se empenhou verdadeiramente em promover o uso sustentável e racional desse recurso escasso. A cultura do desperdício foi estimulada, como se houvesse fartura.
Assim, desde 2010, a Sabesp retira do Cantareira mais do que é reposto. Em 2013, o nível do sistema baixou continuamente: em janeiro de 2013, estava com 52,3%; um ano depois estava com 22,2%. A falta de chuvas no verão de 2014 acendeu a luz vermelha: a água iria acabar!
Ao invés de planejar, com participação da sociedade, um racionamento socialmente justo e eficiente, e de informar previamente à população, para reduzir o consumo e se preparar para enfrentar as dificuldades futuras, Alckmin manteve uma gestão temerária dos recursos hídricos, objetivando não descontentar os eleitores.
Assim, gastou-se com normalidade a pouca água que se dispunha, deixando o problema estourar mais adiante, quando a eleição estivesse ganha. A única medida tomada para reduzir o consumo foi criar um bônus para dar descontos a quem economizasse mais de 20% do consumo histórico. Descartou-se o racionamento e a penalização para quem consumisse acima da média. O resultado foi irrisório: uma redução de consumo de apenas 5%. Chocante foi o fato de que, durante a crise, um em cada quatro “clientes” da Sabesp aumentou o consumo.
As demais medidas para manter o atendimento “normal” estão levando ao colapso os principais sistemas que abastecem a RMSP, em um efeito dominó. O Alto Tietê e o Guarapiranga passaram a atender regiões antes abastecidas pelo Cantareira, que teve sua vazão reduzida. Ainda assim, em maio de 2014, o nível do Cantareira atingiu 5% e o governo do Estado começou a retirar água do seu volume morto, que não deveria ser utilizado salvo em situações emergenciais; e em novembro, essa reserva estará esgotada. O Alto Tietê está abaixo de 10% de sua capacidade e o Guarapiranga – que não está afetado pela seca – atingiu 45,8%, tendo perdido 11,5% de sua capacidade nos últimos quarenta dias.
O governo irá utilizar o 2º volume morto do Cantareira. Não existe outra solução para garantir o abastecimento, a cada dia mais precário. É o fim do fim dos recursos hídricos da região. Por sorte, as eleições ocorrerão em uma semana e o governo poderá tomar as medidas que deveriam ter sido tomadas há nove meses.
Com essa gestão temerária, tudo indica que em 2015 a situação será ainda mais grave do em 2014. Com as represas vazias, mesmo que as chuvas de verão ocorram nos níveis históricos, a recuperação das represas será lenta e chegaremos ao início do período seco em situação muito pior do que estávamos no ano passado. Os índices de chuvas de setembro e outubro, no entanto, ficaram muito abaixo da média histórica, o que mostra que poderemos ter um verão mais seco do que o normal. Nesse caso, estaremos perto de uma tragédia sanitária e econômica, cuja responsabilidade será de Alckmin.
Desconhecendo os efeitos imprevisíveis das mudanças climáticas, o governo acreditou que a crise seria passageira. Para justificar, a presidente da Sabesp afirmou que outra seca como essa somente vai ocorrer, estatisticamente, daqui a 3378 anos! Não é o que estamos vendo. Foi com argumentos como esse e, sobretudo pensando em ganhar eleições iludindo a população, que o governo Alckmin “planejou” enfrentar a crise hídrica. E agora? (Fonte: aqui).
* Nabil Bonduki, arquiteto e urbanista, é professor titular de planejamento urbano no FAU-USP. É vereador, relator do Plano Diretor Estratégico e membro da CPI da Sabesp na Câmara Municipal de São Paulo. Foi Secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente.
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Os primeiros alertas sobre a necessidade de investimentos teriam surgido em relatórios emitidos em 2004. Para se ter uma ideia da situação, algo em torno de 40% da água são desperdiçados em vazamentos na rede de abastecimento. A ampliação da capacidade de armazenamento de água também é providência reiteradamente reclamada - e nada. Agora, o que se vê é uma gravíssima ameaça à população de São Paulo e do Brasil, uma vez que as repercussões no campo econômico se farão sentir. Em visita ao Brasil, funcionária da ONU atribuiu à má gestão estadual o agravamento da realidade. Como diz o articulista: E agora?
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