"A crise de 2008 jogou no lixo da História o mito da eficiência perfeita dos mercados." De fato. Frisamos isso 'n' vezes em posts da época, quando entrou na moda a expressão 'risco sistêmico', a ameaça que pairava sobre todo o sistema econômico caso se consumasse a 'quebra' de grandes empresas privadas (a maioria composta por bancos e financeiras, elas mesmas responsáveis pelo desastre), que, então, passaram a ser classificadas como "grandes demais para quebrar" e foram premiadas com avalanches monumentais de dólares provenientes do erário. Superada a fase do terror, bancos, financeiras e similares voltaram a dar as cartas. O neoliberalismo prega o Estado Mínimo, mas, claro, não tão mínimo a ponto de impedir ou dificultar generosos repasses de capital para grandes conglomerados privados, se vier ao caso.
(Micro, pequenas e médias empresas, evidentemente, pertencem ao mundo dos mortais comuns, exceções à parte).
Na Ponte de Gênova, privatizações caem no abismo
Por André Araújo (No Jornal GGN)
Os fanáticos das privatizações, como os gurus de vários candidatos presidenciais, deveriam ao menos registrar a tragédia da PONTE MORANDI, em Gênova, que caiu por falta de manutenção. Uma ponte PRIVATIZADA para a empresa AUTOSTRADE, do Grupo Atlantia, controlado pela família Benetton e que tem 1.600 quilômetros de estradas pedagiadas no Brasil, nos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Na Itália a Austostrade tem 6.000 quilômetros de concessões, com falta de manutenção e notórios desgastes em pontes, como agora mostra a imprensa italiana e a revista The Economist no seu último número.
A queda da Ponte Morandi causou a morte de 43 pessoas e um cataclismo político na Itália.
Não foi só a tragédia humana dos mortos e desabrigados, a ponte é vital para a conexão de Gênova e da Ligúria, sem a ponte quebra-se todo o sistema viário de Gênova. A construção de uma nova ponte de aço levará no mínimo oito meses; enquanto isso Gênova sofrerá.
A PONTE MORANDI em Gênova era uma tragédia anunciada, que deixou 43 mortos (como já dito) e mais de 500 pessoas sem casa. Soma-se à tragédia da VALE privatizada no Rio Doce em Minas Gerais, todos os contextos gerados pela obsessão pelo corte de custos. Quanto mais custos cortarem, maiores bônus ganham os administradores, e cortar custos para gerar lucros é disciplina nobre ensinada nos cursos de administração de empresas na matriz ideológica do capitalismo global.
Nos noticiários da RAI professores das melhores universidades italianas exibiram laudos já há 5 anos, outros de 2 anos passados, indicando que a Ponte Morandi apresentava corrosão perigosa, e a concessionária nem tomou conhecimento, jogou no risco, como a Samarco em Mariana, onde não faltaram avisos sobre a possibilidade de estouro da barragem.
A lógica das privatizações vai, assim, se desnudando. Foi publicado no blog artigo meu sobre a privatização da ELETROPAULO, onde demonstrei a degradação da empresa após o processo.
Neoliberais brasileiros batem palmas para privatizações de tudo, sem atentar que enquanto empresas estatais por definição atendem a uma lógica de interesse público, a empresa privada tem como único objetivo o lucro a curto prazo; nem sequer a perenidade é um objetivo.
A lógica hoje dos grandes gestores de fundos é entrar e sair de posições, comprar e vender ativos. Grande parte das privatizações da Era FHC no Brasil já trocou de mãos, algumas várias vezes. A CESP Paranapanema foi comprada pela americana Duke Energy, que já vendeu para chineses, a USIMINAS e as siderúrgicas privatizadas trocaram de dono, viraram pastel de feira, a CPFL foi comprada pela Camargo Correa, que vendeu para a State Grid chinesa, a Light Rio trocou de mãos quatro vezes, a telefonia se tornou um cipoal de transações mal cheirosas que terminaram na quebra da OI, depois de ter sido sangrada pelos grupos compradores originais.
Em serviços públicos essenciais se entrega o destino de grandes empresas a especuladores de curto prazo, sem qualquer outro compromisso que não seja o lucro financeiro rápido.
São Os mesmos cérebros que hoje pregam a privatização de empresas estratégicas como a ELETROBRAS e a PETROBRAS, que serão compradas e esquartejadas por grupos especulativos, quase certamente estrangeiros, vendidas em pedaços com quebra de um sistema integrado de interesse estratégico. Hoje, quando se propõe a privatização de grandes estatais, a palavra certa é DESNACIONALIZAÇÃO: uma Petrobras será disputada pela Chevron, BP ou Sinopec.
Beócios pela mídia pregam todo dia que se privatizarmos tudo não haverá mais corrupção. Uma estupidez completa. O que é preciso é aperfeiçoar os mecanismos de controle e não jogar fora as estatais, algo que nenhum grande País está fazendo. Das 20 maiores empresas de petróleo do mundo, 13 são estatais, inclusive as 4 maiores, não há nenhuma onda de privatizações no mundo. A era das privatizações acabou com o neoliberalismo de Thatcher e Reagan e especialmente após a crise de 2008, quando o Tesouro americano salvou 200 empresas privadas que iriam quebrar, inclusive a General Motors e o Citibank. A crise de 2008 jogou no lixo da História o mito da eficiência perfeita dos mercados, ninguém mais fala nisso.
Os desastres de Mariana e de Gênova mostraram os limites das privatizações, a droga do lucro a curto prazo contra qualquer outro objetivo. O abandono da noção de interesse público coloca em risco grandes sistemas integrados que levaram décadas para serem montados.
Como em todas as ondas no mundo, o Brasil é o último santuário de ideias vencidas, o cemitério de ideologias caducas e de ideias econômicas “da moda”. - (Aqui).
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