No processo que conduziu a Malásia a se tornar o primeiro país do mundo a revogar a 'lei de combate às fake news' - Aqui -, duas evidências foram ressaltadas: "Esta é uma lei que foi claramente projetada para silenciar as críticas às autoridades e o debate público." / "Essa lei ameaça flagrantemente a liberdade de imprensa".
E no Brasil, como andam as coisas? Como a mídia brasileira está administrando a dura realidade? Qual a postura dos cartéis midiáticos em face de temas cruciais, a exemplo da liminar emitida pelo Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas em favor do ex-presidente Lula? Bastante eloquente, sem dúvida, a indagação que dá título ao post abaixo.
"Não importa se há liberdade de imprensa se a sociedade não confia nos jornais"
Por Pedro Canário e Carlos de Azevedo Senna
Em 1962, o jornal norte-americano The New York Times foi condenado a indenizar o comissário de polícia do Alabama em US$ 500 mil — uma bela fortuna para a época. O jornal havia publicado um anúncio de dez páginas comprado por um grupo de apoio a Martin Luther King Jr, e o texto criticava a polícia do Alabama, que havia prendido o ativista três vezes sem justificativa legal — o texto falava em sete prisões.
Poderia ser uma história singela sobre um processo judicial de outro país. Mas foi a última vez que o New York Times sofreu uma derrota num processo por difamação. Dois anos depois, a Suprema Corte dos Estados Unidos reformou a decisão e estabeleceu um parâmetro importante para a imprensa do país: em ações contra a imprensa, políticos e pessoas públicas é que devem provar que o jornal agiu com a intensão deliberada de provocar danos. E no Brasil, como andam as coisas? Como a mídia brasileira está administrando a dura realidade? Qual a postura dos cartéis midiáticos em face de temas cruciais, a exemplo da liminar emitida pelo Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas em favor do ex-presidente Lula? Bastante eloquente, sem dúvida, a indagação que dá título ao post abaixo.
A decisão desencorajou quem desejasse usar processos judiciais como forma de intimidação, ou para ganhar dinheiro, conta David McCraw, vice-presidente jurídico do New York Times. Na época, segundo reportagem da revista Washington Lawyer, havia cerca de US$ 300 milhões em discussão em processos por difamação contra jornais. Hoje, a legislação do país está inteiramente estruturada em torno da Primeira Emenda à Constituição, que proíbe qualquer restrição à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa, comenta o advogado, em entrevista exclusiva à ConJur.
Os resultados são vistos até hoje: entre 2010 e 2017, o jornal respondeu a 11 processos por difamação — nos EUA não existem crimes contra a honra e todos os casos ligados à liberdade de expressão são enquadrados em calúnia ou difamação, sempre cíveis. São dados de um país que considera a liberdade de expressão um valor moral, e não mais um direito constitucional.
“Passamos às vezes um ano ou um ano e meio sem sermos processados por difamação”, diz McCraw. Segundo pesquisa do Conselho Nacional de Justiça, em 2016, os veículos de comunicação brasileiros respondiam a 2,4 mil processos — só a ConJur, que acaba de completar 21 anos, tinha 31, quase o triplo do Times, jornal fundado em 1851.
McCraw explica que, ao contrário do que acontece na maioria dos países da Europa (e no Brasil), nos EUA os direitos de personalidade não são constitucionais. Portanto, o juiz não deve fazer nenhum tipo de valoração entre a liberdade de expressão e a privacidade ou “boa fama”, como diz o Código Civil brasileiro.
Por isso não estão entre as preocupações do advogado do maior jornal do mundo mudanças legislativas que restrinjam o trabalho do Times. “A maior ameaça é o ataque à credibilidade e a tentativa de encorajar cidadãos a não prestar atenção à imprensa e a acreditar apenas no governo ou apenas num grupo de pessoas. Isso me preocupa e, de certa forma, é a mesma coisa que mudar a lei”, afirma.
David McCraw passou a semana no Brasil. Esteve em São Paulo a convite da FGV Direito SP para falar sobre fake news, liberdade de imprensa e democracia. Além de advogado, McCraw é professor da Universidade de Nova York (NYU).
(Para ler a entrevista concedida por David McCraw, clique AQUI).
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