Um filme de sequestro inteiramente filmado dentro de um porta-malas? Ugo Giorgetti prova que é possível - e muito bom.
Existem duas formas extremas de se filmar um sequestro. Do ponto de vista de quem o pratica, com muita ação; e do ângulo de quem o sofre, no cativeiro. Em Dora e Gabriel, Ugo Giorgetti leva o padrão a um extremo, rodando um filme inteiro no interior de um porta-malas. Uma empreitada de coragem e inteligência.
O imigrante libanês Gabriel (Ari França) é surpreendido ao parar num sinal à noite por assaltantes que roubam o carro e o atiram dentro do porta-malas. Dora (Natalia Gonsales) é uma atriz de currículo duvidoso que passava casualmente por ali e é confinada junto com ele. Enquanto o carro se desloca por várias partes da cidade, os dois dividem a angústia de não saber para onde ou para quê estão sendo levados.
O êxito de Giorgetti se dá em vários níveis. A situação evolui do desespero inicial à procura de alternativas de salvação, e daí à gradual formação de um laço entre dois personagens tão díspares. Gabriel é sereno, quase conformado com as circunstâncias, a par de uma grave consciência quanto aos limites estreitos de sua existência. Dora, ao contrário, é ansiosa, preconceituosa, sofre de asma nervosa e tem autoestima elevada.
A convivência em posição incômoda e quase sem ar gera uma dependência mútua e leva a digressões ora metafísicas, ora vizinhas do absurdo. Retirar humor de tal conjuntura não é a menor das virtudes de Dora e Gabriel. Outro acerto do filme é colocar o espectador enfurnado com os personagens no porta-malas, dividindo com eles as especulações que chegam através dos ruídos e diálogos abafados do exterior e de um pequeno orifício que permite não só exergar uma fresta do interior do carro, mas também a passagem de um cano de revólver no sentido oposto. Assim é que a cidade apenas "soa", em lugar de aparecer.
Giorgetti tem um pendor para retratar personagens encerrados em espaços restritos. Em Sábado (1994), uma equipe de filmagem e moradores de um prédio têm que dividir um elevador enguiçado. Festa (1989) mostra animadores de festa no salão de jogos de uma mansão à espera de serem chamados. Uma Noite em Sampa traz pessoas ricas "presas" no centro de São Paulo após saírem de um teatro.
O imigrante libanês Gabriel (Ari França) é surpreendido ao parar num sinal à noite por assaltantes que roubam o carro e o atiram dentro do porta-malas. Dora (Natalia Gonsales) é uma atriz de currículo duvidoso que passava casualmente por ali e é confinada junto com ele. Enquanto o carro se desloca por várias partes da cidade, os dois dividem a angústia de não saber para onde ou para quê estão sendo levados.
O êxito de Giorgetti se dá em vários níveis. A situação evolui do desespero inicial à procura de alternativas de salvação, e daí à gradual formação de um laço entre dois personagens tão díspares. Gabriel é sereno, quase conformado com as circunstâncias, a par de uma grave consciência quanto aos limites estreitos de sua existência. Dora, ao contrário, é ansiosa, preconceituosa, sofre de asma nervosa e tem autoestima elevada.
A convivência em posição incômoda e quase sem ar gera uma dependência mútua e leva a digressões ora metafísicas, ora vizinhas do absurdo. Retirar humor de tal conjuntura não é a menor das virtudes de Dora e Gabriel. Outro acerto do filme é colocar o espectador enfurnado com os personagens no porta-malas, dividindo com eles as especulações que chegam através dos ruídos e diálogos abafados do exterior e de um pequeno orifício que permite não só exergar uma fresta do interior do carro, mas também a passagem de um cano de revólver no sentido oposto. Assim é que a cidade apenas "soa", em lugar de aparecer.
Giorgetti tem um pendor para retratar personagens encerrados em espaços restritos. Em Sábado (1994), uma equipe de filmagem e moradores de um prédio têm que dividir um elevador enguiçado. Festa (1989) mostra animadores de festa no salão de jogos de uma mansão à espera de serem chamados. Uma Noite em Sampa traz pessoas ricas "presas" no centro de São Paulo após saírem de um teatro.
A clausura dos personagens é um dispositivo que Giorgetti utiliza, com maior ou menor habilidade, para discutir questões de classe, modo de vida e formas de afeto, sempre na cidade de São Paulo. Dora e Gabriel, com seu formato minimalista e seus diálogos repletos de surpresa e ironia, é um dos melhores exemplares desse cinema de assinatura tão própria. - (Carta Maior - Aqui).
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