quinta-feira, 28 de outubro de 2021

SOBRE DOIS FILMES DA MOSTRA DE CINEMA SP

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Um professor de mentalidade inclusiva e um filósofo refletindo sobre suas origens operárias

Por Carlos Alberto Mattos


Sr. Bachmann e seus Alunos

Educação na diferença

Ao fim das três horas e meia de filme, a sensação é de que passamos um ano inteiro frequentando as aulas do Sr. Dieter Bachmann numa escola da pequena cidade de Stadtallendorf, região central da Alemanha. A classe é composta de filhos de imigrantes, em sua maioria turcos, mas também russos e búlgaros. Bachmann lhes ensina Música, Matemática e Alemão, às vezes tudo misturado. E ainda educação sexual, malabares e mais o que viesse à mente dele ou dos adolescentes.

Sr. Bachmann e seus Alunos
 (Herr Bachmann und seine Klasse), vencedor dos prêmios do júri e do público no Festival de Berlim, reúne duas questões abordadas pelo documentário Ser e Ter (a educação pelo afeto) e o docudrama Entre os Muros da Escola (a lida com diferentes culturas). O que se pratica naquela escola é uma educação para a vida, e não para resultados meramente letivos. A arte, o trabalho e os relacionamentos humanos estão no currículo tanto quanto as matérias convencionais.

Mesmo nesse contexto, o Sr. Bachmann parece constituir uma exceção. A informalidade e a franqueza com que ele conduz a relação com os alunos é de profundo companheirismo, muito embora não perca a firmeza. Às vésperas de se aposentar, ele está ali para ensinar, mediar conflitos, consolar, estimular, divertir e incutir noções de tolerância.

Em paralelo, ficamos conhecendo a história exemplar de Stadtallendorf, cidade escolhida por Hitler para montar duas grandes fábricas de explosivos e um campo de trabalhos forçados. Quase um século depois, o lugar acolhe trabalhadores vindos de outros países, como os pais daqueles alunos, em busca de melhores oportunidades. Ou seja, uma dobra histórica notável.

Enquanto se prepara para passar ao ensino médio (ou ao ensino técnico), a garotada debate suas origens, costumes, religiões e ideias sobre amor e sexualidade. Alguns vão aos poucos se fixando como personagens principais graças a suas particularidades. As câmeras de Maria Speth estão quase sempre posicionadas magicamente no enquadramento preciso, como se a ação documental obedecesse a uma decupagem prévia. Nesse sentido, o documentário é admirável. É bem verdade que se estende para bem além do essencial, cobrindo conversas paralelas que não acrescentam muito ao, digamos, currículo. De qualquer forma, trata-se de uma imersão cativante naquele pequeno universo de mentes em formação.

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Regresso a Reims [Fragmentos]

Para onde foi a classe operária?

O que primeiro chama atenção em Regresso a Reims [Fragmentos] (Retour à Reims [Fragments]) é a voz da atriz Adèle Haenel narrando na primeira pessoa as lembranças de infância do filósofo Didier Eribon, autor do livro que o filme de Jean-Gabriel Périot faz praticamente um resumo ilustrado. O distanciamento provocado radicaliza o que João Moreira Salles praticou ao chamar seu irmão para fazer a "sua" voz em Santiago.

Em seguida, chama atenção o volume de texto da narração, que percorre o documentário inteiro. Seria maçante se não fosse a opção por ilustrar cada passagem do texto por trechos de filmes de várias épocas e naturezas. Assim, a história familiar de Eribon, o primeiro de sua família a deixar a classe operária, ganha ressonâncias no conjunto da cinematografia francesa voltada para os personagens trabalhadores. De Jean Vigo a Jean Rouch, de filmes de ficção a documentários e registros militantes, temos um esboço de trajetória da classe operária dos anos 1950 à atualidade.

Do trabalho semi-escravo às promessas do Partido Comunista, daí à decepção com o socialista Mitterrand e à mais recente guinada de parte do operariado para a extrema direita, o percurso é tortuoso. Eribon tenta compreendê-lo, especialmente na segunda metade do filme, com uma análise dedicada aos desejos e frustrações da classe. O advento dos imigrantes e a ascensão do racismo explicam em boa parte essa reestruturação do sentimento de autodefesa dos operários.

A família do escritor permanece até o fim como um prisma pelo qual ele enxerga a questão. É uma reflexão dolorosa, que ele conclui com um fio de esperança no renascimento de uma esquerda mais inclusiva florescendo nas ruas.  (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).

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