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Com habilidade, os dois filmes sobre o Caso von Richthofen contam duas versões de uma história intrigante sobre ambições juvenis levadas ao grau da psicopatia
Projeto raro no cinema brasileiro, o díptico sobre o Caso von Richthofen pretende dramatizar duas versões das motivações íntimas de um mesmo crime. Isso já foi exercitado, por exemplo, nas diversas filmagens de Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues, mas dentro de um mesmo filme. Originalmente, seria assim aqui também, mas no fim das contas optou-se por dois longas separados.
Em A Menina que Matou os Pais, a acusação no tribunal parte de Daniel Cravinhos (Leonardo Bittencourt) e recai sobre Suzane von Richthofen (Carla Diaz), que o teria seduzido e instigado a eliminar os pais dela. Mais que isso, Suzane aparece como uma moça temperamental e manipuladora, que teria desencaminhado o bom rapaz com drogas, presentes e chantagem amorosa. A oposição se estende aos respectivos pais, contrastando os simplórios Nadja (Débora Duboc) e Astrogildo (Augusto Madeira) aos arrogantes e disfuncionais Manfred (Leonardo Medeiros) e Marísia (Vera Zimmermann).
Ambos os filmes dizem se basear nos testemunhos constantes dos autos do processo, daí a tintura relativamente forte nos retratos psicológicos dos personagens. Carla Diaz chega a ganhar maquiagem progressivamente macabra, que a assemelha a certas personagens malévolas do cinema mudo. Da mesma forma, Daniel surpreende ao se transformar, no momento decisivo, em um assassino de olhar impiedoso e ação furiosa.
Em última análise, tudo pode ser visto como uma história de amor. Uma paixão venenosa, capaz de corromper o caráter de alguém e levá-lo a um comportamento extremo. Já vimos isso em tantos triângulos amorosos do gênero Porto das Caixas ou O Destino Bate à sua Porta. O parricídio, porém, joga o assunto para um patamar especialmente hediondo.
Ainda que subjugado a uma forma convencional de policial popular, A Menina... ostenta um bom nível de produção, uma direção competente e um acabamento de qualidade. A sombra antecipatória do crime se projeta desde o mais remoto flashback, quando Suzane e Daniel se conhecem num campo de aeromodelismo, e vai sendo adensada cuidadosamente até o final.
O mesmo padrão técnico de eficiência prevalece em O Menino que Matou meus Pais, a versão contada por Suzane no julgamento. Aqui, naturalmente, as coisas se invertem. Suzane se mostra como menina tímida e obediente, que teria sido desvirtuada por Daniel, um celerado que a viciara em drogas, a explorava financeiramente e a jogava contra seus pais. Ela até aparece no tribunal com um terço nas mãos, o que corresponde à verdade.
De maneira muito habilidosa, o roteiro perpassa as mesmas situações do outro filme, mas com as variações condizentes com as alegações de Suzane. A proposta é que o espectador chegue às suas próprias conclusões ou que simplesmente se "divirta" ao cotejar as duas versões. Seja como for, é uma história intrigante sobre ambições juvenis levadas ao grau da psicopatia. - (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).
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