terça-feira, 1 de outubro de 2019

IMPEACHMENT: O BASTA DOS DEMOCRATAS A DONALD TRUMP

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Ao que alguém observa: "Enquanto isso, na Austrália...".


Com impeachment, democratas dizem basta a Donald Trump

Por Solange Reis (No OPEU)

Após sonhar com a ideia por muitos meses, os democratas finalmente conseguiram um argumento para instaurar o processo de impeachment contra Donald Trump. Na terça-feira (24), a líder da Câmara, Nancy Pelosi anunciou a abertura da consulta no Congresso. “Agora que temos os fatos, estamos prontos”, disse a democrata.
Pelosi se referiu ao vazamento que revelou o telefonema entre Trump e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. O diálogo tratou de favores que o ucraniano poderia fazer, incluindo dados sobre Joe Biden e o Comitê Nacional Democrata. Como Biden é um dos pré-candidatos democratas, a conversa vem sendo vista como uma tentativa de interferência nas eleições de 2020 com ajuda externa.
LuoJie. (China).

A pouco mais de um ano da eleição, o impeachment deverá dominar o debate político. Como a decisão final depende do Senado, hoje de maioria republicana, é improvável que Trump caia. Quanto aos efeitos colaterais nas campanhas republicanas e democratas, esses são mais difíceis de previsão. Tudo dependerá de muitas variáveis, como a velocidade do julgamento e a percepção da opinião pública.
Trump-Kievgate
Em 25 de julho, Trump conversou com Zelensky, um ator comediante recém-eleito para presidência da Ucrânia. O diálogo começou com amenidades. Depois de parabenizá-lo novamente pela vitória, Trump ressaltou como os Estados Unidos ajudam a Ucrânia, e os países europeus, principalmente a Alemanha, não fazem quase nada. No melhor estilo de subserviência de Jair Bolsonaro, o ucraniano disse concordar 1000% com Trump.
Trump partiu para os “finalmentes”, como diria o fictício Odorico Paraguassu, e introduziu o assunto que interessava. Insistiu que continuaria ajudando o país a se defender (da Rússia), mas esperava reciprocidade. A tal ajuda eram os US$ 391 milhões em armamentos aprovados pelo Congresso, mas não liberados pela Casa Branca até então. Já a recíproca são informações comprometedoras sobre seus rivais políticos mais óbvios nos Estados Unidos. Joe Biden, que vem liderando as preferências entre eleitores democratas, e o próprio Partido Democrata.
A primeira demanda é por provas de que o Comitê Nacional Democrata (DNC, na sigla em inglês) estaria por trás das acusações do suposto conluio de Trump com a Rússia em 2016. De acordo com rumores não comprovados, os servidores do DNC ficariam na Ucrânia. Quando teve seus computadores hackeados, o DNC também contratou uma empresa de cibersegurança que, segundo teorias da conspiração, pertence a um ucraniano. A expectativa de Trump é provar que o Partido Democrata conspirou contra ele com auxílio de estrangeiros.
O pedido mais bombástico foi pela reabertura das investigações sobre o uso de influência por parte de Joe Biden em benefício pessoal. Em 2016, o então vice-presidente pressionou o governo ucraniano a demitir um procurador-geral que apurava corrupção na empresa onde Hunter Biden, filho do democrata, era conselheiro.
Por fim, Trump recomendou encontros entre Zelensky e Rudolf Giuliani, seu advogado pessoal, e William Barr, atual procurador-geral dos Estados Unidos, para avançar as tratativas.
No dia seguinte, o então representante especial para negociações com a Ucrânia, Kurt Volker, se reuniu com Zelensky e outros políticos ucranianos. Volker, que renunciou após o vazamento do telefonema, estava acompanhado do embaixador americano na União Europeia, Gordon Sondland. Segundo a imprensa, o objetivo de ambos era orientar os ucranianos sobre como cumprir as exigências de Trump. Em agosto, foi a vez de Giuliani encontrar assessores de Zelensky em Madri. Coincidentemente ou não, o auxílio militar suspenso por Trump durante o ano inteiro foi finalmente liberado em setembro.
A permeabilidade do governo
Por motivos diferentes, o telefonema entre os dois presidentes alarmou algumas pessoas no governo americano. Dias após a chamada, advogados na Casa Branca teriam ordenado que os registros ficassem inacessíveis, principalmente a transcrição fiel da conversa. O material foi então transferido para o computador que armazena as comunicações de segurança nacional, mesmo sem a conversa ter nada de sigiloso.
Os detalhes do telefonema e a tentativa de escondê-lo não agradaram a todo mundo. Pelo menos uma pessoa repassou as informações a um funcionário da CIA, que apresentou uma queixa aos Comitês de Inteligência do Senado e da Câmara. A carta entregue pelo delator, ainda não identificado publicamente, tem 19 páginas ricas em detalhes e trechos confidenciais.
Segundo especialistas jurídicos, o caminho escolhido para a denúncia fortalece o argumento do impeachment. Ao fazê-la para os comitês legislativos e não para a imprensa, o denunciante precisa cumprir certas exigências extras quanto à veracidade da informação. Entre elas, citar testemunhas que corroborem os fatos apresentados. Além disso, o denunciante pode entregar documentos que, de outra forma, o comprometeriam legalmente.
Processo de impeachment
Na terça-feira (24), Pelosi decidiu abrir uma consulta para iniciar o processo de impeachment na Câmara, bastando para isso obter uma maioria simples. Até a finalização deste artigo, Pelosi contava com 224 votos entre os 235 representantes democratas. Os onze que ainda não apoiaram são de distritos onde Trump ganhou a eleição. Até agora, apenas um dos 199 republicanos disse ser a favor da abertura do impeachment, embora não da impugnação em si.
Caso a Câmara decida que o presidente deve deixar o cargo, o que é provável, o processo seguirá para julgamento no Senado. Lá, será presidido pelo chefe da Suprema Corte, enquanto os senadores atuarão como júri e os representantes da Câmara, como procuradores. Para destituir o presidente, é necessária a maioria qualificada de dois terços dos senadores, equivalente a 67 votos. Este placar dificilmente será alcançado porque os republicanos são maioria no Senado. Os democratas teriam de conquistar 20 votos republicanos, além de todos os seus.
R J Matson. (EUA).

Como no Brasil, o processo de impeachment é muito mais político do que jurídico. A Constituição dos Estados Unidos explicita que um presidente pode sofrer impeachment por traição ou suborno. De forma menos definida, inclui os crimes graves e as contravenções, o que abre para uma gama infinita de possibilidades. O caso de Trump cai nessas categorias nebulosas.
Andrew Jackson e Bill Clinton foram os dois únicos presidentes americanos a sofrer impeachment. Nenhum perdeu o cargo, pois ambos acabaram inocentados pelo Senado, que é o que deverá suceder para Trump. Jackson foi processado por demitir um membro de seu gabinete quando a lei exigia que houvesse autorização legislativa. Clinton foi julgado por perjúrio e obstrução da justiça num caso de escândalo sexual.
O republicano Richard Nixon é um exemplo de quase impeachment. Envolvido em espionagem contra o Partido Democrata, foi aconselhado por seus próprios correligionários a renunciar antes de a Câmara aprovar a impugnação.
Trump sendo Trump
As reações do presidente variaram entre dizer que a ligação não teve nada demais; afirmar que Zelensky negou ter sido pressionado; desacreditar o denunciante; intensificar as acusações contra Biden; menosprezar o impeachment; atacar os democratas. Como prevista, a estratégia de Trump é se dizer vítima de perseguição política. Incapazes de derrotá-lo nas urnas, os democratas apelariam para um golpe baixo. Há quem especule que o presidente não apenas esperava, como desejava que os democratas partissem para o impeachment. Essa seria a razão para ele ter concentrado seu capital político nas cadeiras para o Senado nas eleições de meio de mandato. Pois, se a abertura do impeachment é feita pela Câmara, cabe ao Senado fechá-lo.
O vazamento gerou divergências entre os republicanos. Para o vice-presidente Mike Pence, Trump não deveria ter divulgado a transcrição da conversa com Zelensky após o anúncio de Pelosi. O presidente, no entanto, preferiu dar ouvidos ao líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell. Decisão acertada, afinal, seu destino político depende agora do Partido Republicano e não de seus escudeiros na Casa Branca.
Até as estrelas da Fox News, canal de TV muito favorável ao presidente e aos republicanos em geral, batem cabeça sobre o assunto. O radical Tucker Carlson e o moderado Shepard Smith trocaram farpas e ofensas, com o primeiro defendendo Trump, e o segundo, nem tanto.
Biden-Kievgate
Em março de 2016, Joe Biden assumidamente chantageou o então presidente ucraniano, Petro Poroshenko. Quando ainda era vice-presidente dos Estados Unidos, o democrata exigiu que o procurador-geral ucraniano, Viktor Shokin, fosse demitido. Do contrário, o governo americano suspenderia um empréstimo de US$ 1 bilhão pelo qual a Ucrânia ansiava. Impaciente, deu a Poroshenko seis horas para obedecê-lo.
Essas informações foram confirmadas posteriormente pelo próprio Biden, que disse ter agido com a anuência do presidente Barack Obama, em nome do qual agia como principal negociador na crise da Ucrânia. Segundo o então vice-presidente, Shokin não combatia a corrupção como deveria, condição imposta pelas potências ocidentais para apoiar a Ucrânia contra a Rússia.
Outra versão sustenta que Biden quis interromper justamente uma investigação de corrupção. Shokin tinha como alvo uma empresa privada de gás, a Burisma Holdings, da qual Hunter Biden era conselheiro. O vice-presidente sempre destacou a urgência de tornar o setor de gás ucraniano mais autônomo em relação à Rússia, incentivando a exploração doméstica de gás de xisto. Uma especialidade da Burisma Holdings, que ainda hoje é líder no setor privado da indústria petrolífera na Ucrânia, é fazer análises geológicas do subsolo. Esse tipo de investigação é essencial no caso do gás de xisto em função das complexas e controversas técnicas usadas para sua extração.
O conflito de interesses entre a família Biden e o governo ucraniano é notório. Entre 2014 e 2015, Hunter Biden recebeu, individualmente, US$ 160 mil mensais e mais US$ 3 milhões da Burisma para uma empresa própria que mantinha com um sócio. Tudo enquanto Joe Biden representava os interesses políticos dos Estados Unidos junto à Ucrânia. Aqueles foram os anos críticos da crise ucraniana, que levou à deposição do governo pró-Kremlin, à anexação da Crimeia pela Rússia e à privatização de parte menor do setor de gás.
A investigação sobre a Burisma foi arquivada sem nenhuma conclusão, após a demissão do procurador Shokin por Poroshenko. Para quem acredita na inocência dos Biden, como a grande imprensa liberal, a Ucrânia pôde novamente combater a corrupção. Já os que acreditam que Biden agiu para proteger o filho, como a imprensa pró-republicanos e muitos na mídia de menor alcance, a demissão livrou a família de virar pivô de um escândalo no final do governo Obama.
O. Sekoer. (Bélgica).
Perspectivas de bola de cristal
Caso o julgamento seja demorado, a tendência é o eleitorado culpar os democratas pela paralisação inevitável do debate sobre políticas públicas. Historicamente, os americanos não gostam de impeachment por considerá-lo uma forma de perseguição política. Como não houve muitas experiência do tipo, é prematuro avaliar o caso de um presidente controverso quanto Trump. As últimas pesquisas indicam que o apoio popular ao impeachment vem crescendo, com 43% da população a favor, 7% a mais do que antes da abertura do processo por Pelosi.
Um julgamento rápido, mesmo que Trump mantivesse o cargo, aumentaria a dúvida sobre a sua idoneidade para os eleitores indecisos, mas não ocuparia todo o tempo restante para a eleição. Isso o obrigaria a tratar de assuntos delicados para um candidato à reeleição, tais como os riscos iminentes para a economia, a não recuperação econômica de regiões que o apoiaram em 2016, a guerra comercial com a China que já afeta alguns setores domésticos. Trump enfrentaria a reeleição cercado de polêmicas, desgaste e desconfiança. Pois a situação do telefonema com o presidente ucraniano é muito mais fácil para o eleitorado entender do que toda a complicada linha de conluio com a Rússia. É importante lembrar que a atual aprovação do republicano já não é das melhores (43%).
Alguns analistas dizem que Trump sairá fortalecido, enquanto os democratas pagarão caro nas urnas. Biden, principalmente, poderá perder votos com toda a exposição negativa. Ainda é cedo para dizer se os progressistas que concorrem nas primárias democratas, como Elizabeth Warren e Bernie Sanders, terão fôlego para vencer um Trump vitimizado.
De uma coisa poucos duvidam. O ano de 2020 promete fazer 2019 parecer brincadeira de escoteiros nos Estados Unidos e na política mundial. Para os governos de países, como o Brasil de Bolsonaro e a Ucrânia de Zelensky, que adotam o alinhamento incondicional com Washington neste momento, é bom colocar as barbas de molho.

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