"Mas informações interessantes perpassam o filme sobre o homem criado em uma família católica de classe média, e ex-aluno medíocre da Georgetown University e da Business School de Harvard. Por exemplo: ele costuma dizer (para o eleitorado evangélico) que a vitória de Trump se deve à “providência divina” – semelhante a um mantra correspondente que ressoa hoje, no Brasil, vindo do Planalto."
Por Léa Maria Aarão Reis
Dois filmes documentários se interligam e se completam. Um, em plataforma de streaming. O outro foi exibido no recente Festival É tudo Verdade. O primeiro, Driblando a democracia*, do francês Thomas Huchon, versa sobre os agentes especialistas na promoção e instauração do caos político no mundo protagonizado pela empresa anglo/americana Cambridge Analytica e pelo seu chefe maior, o perigoso maluco chamado Robert Mercer.
O segundo é o documentário The brink, que em português ganhou o título de À beira remetendo à ideia de “à beira do precipício”. Trata-se de um perfil/propaganda sofisticada e disfarçada do super marqueteiro Steve Bannon, tido como o principal responsável pela vitória do atual presidente dos Estados Unidos.
Ele chefiou a equipe de comunicação na campanha de Trump vindo da empresa Breibart News, especializada em difundir notícias falsas em momentos políticos cruciais, como os de campanhas eleitorais.
Bannon foi assessor da campanha do atual presidente do Brasil, um pupilo que tem por hábito, vê-se no filme, repetir o que o marqueteiro ensinou ao seu filho (o que fala inglês) nos diversos encontros que ambos mantiveram em agosto do ano passado, em Los Angeles – estratégias baseadas em fake news e roubo de dados pessoais. As mesmas usadas para levar Trump à vitória enganando a América; e que agora ludibriam parte do eleitorado brasileiro.
Já Thomas Huchon, o diretor do doc Driblando a democracia, é um dos sócios da produtora francesa Spicee, dedicada ao jornalismo de investigação. Ao longo de nove meses, pesquisou o mundo dos algoritmos das especulações financeiras e empresas dedicadas à manipulação da consciência e do subconsciente.
Uma delas, a inglesa Strategic Communication Laboratories, com mais de 25 anos de existência, vende análises psicossociais para fins militares, comerciais e para indução a manifestações políticas de massa com o objetivo de desestabilizar nações.
Na sua pesquisa, Huchon chegou a Robert Mercer, 71 anos, gênio da informática. Aquele que disse, na sua única entrevista (pelo menos até agora): “Meu desejo, na vida, é nunca mais ter que falar com alguém. Prefiro meus gatos aos seres humanos”.
Depois de criar a máquina de tradução automática na internet e a máquina para ganhar dinheiro na Bolsa de Valores, Mercer criou a máquina de ganhar eleições.
A produtora de The brink é uma ex-funcionária de Bannon, Marie Therèse Guirgis. A diretora, Alyson Klayman, tem como cartão de visitas a autoria do doc Ai Weiwei: Never Sorry sobre o artista dissidente chinês.
No material de promoção do filme, Klayman jura que dirigiu The brink para desmistificar seu personagem e não para humanizá-lo. Uma armadilha que pega os mais distraídos porque faz exatamente o oposto. A pílula é dourada maliciosamente: “Você quer que o seu inimigo seja um monstro, mas, na verdade, eles são humanos, e para mim é isso que os torna mais assustadores”.
Mas informações interessantes perpassam o filme sobre o homem criado em uma família católica de classe média, e ex-aluno medíocre da Georgetown University e da Business School de Harvard. Por exemplo: ele costuma dizer (para o eleitorado evangélico) que a vitória de Trump se deve à “providência divina” – semelhante a um mantra correspondente que ressoa hoje, no Brasil, vindo do Planalto.
Bannon também diz, no filme, que é preciso encontrar um núcleo sólido entre o “povão” – como os evangélicos – e jogar para esse grupo, porque eles não vão mudar. Eles são a classe trabalhadora, com as mesmas cruzes e crucifixos na sala de estar, ele diz entre sorrisos.
Suas limitações intelectuais são visíveis, no filme. Ele destila menos de meia-dúzia de conceitos repetidos ao longo do documentário.
Não fosse a repetição sua especialidade.
Mas as suas ligações ainda hoje com grupo Goldman Sachs, onde foi vice-presidente, são explícitas. Dois ex-presidentes da empresa estão no filme e opinam, orientam-no e o aconselham depois de cada aparição pública sua em formato de show.
O esperto oportunismo de Bannon também é evidente quando diz que “não se trata de defender idéias, mas de ganhar a qualquer custo que é o que importa; e uma vitória chama a outra. ”
O indivíduo sem ideologia sabe que pode ser uma mina de ouro esse rótulo de o homem que ganhou as eleições para Trump.
“Para construir é preciso destruir o que foi feito. Para tal, você cria duas ou três idéias simplistas e fáceis de entender para qualquer um e as repete várias vezes para provocar a raiva das pessoas. Se as pessoas estão com raiva, elas votarão. ”
Cartilha de Goebbels.
Preconceito racial sob o pretexto da segurança nacional, proibição de viagens aos muçulmanos e o bloqueio da imigração e separação familiar na fronteira são conquistas do marqueteiro.
Mas não há a menor menção, no filme, a uma organização sem fins lucrativos criada para promover a sua agenda e a dos republicanos de extrema-direita. Trata-se de um status fiscal destinado a organizações de “bem-estar social”. Não precisam, pela lei, divulgar os doadores e os valores de doações que pelo jeito devem ser gordas, visto os deslocamentos frequentes do guru em jatos particulares, cercado quase sempre de vários guarda-costas e nas temporadas em luxuosos hotéis como o lendário Danieli de Veneza.
À beira lembra também o trabalho de Bannon com os regimes e partidos europeus nacionalistas de extrema-direita (em especial com a fascista Irmandade Italiana) através da bem financiada operação chamada O Movimento e da aguardada vitória para os seus clientes nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, de 23 de maio, o que talvez determine a sobrevivência profissional e o prestígio consolidado do homem que “empurra tudo para a beira do precipício e depois segue em frente,” diz a ambígua Klayman, a diretora do documentário, que completa: “Ele prospera na beira do precipício. E também parece que é aí onde todos nós estamos agora”.
No Brasil, sem dúvida.
(Dois vídeos arrematam o post: o trailer oficial de "The Brink" e o documentário "Driblando a democracia", este com a epígrafe 'Sinto náuseas, eu suprimi Facebook.').
- [Fonte: Carta Maior - Aqui].
- [Fonte: Carta Maior - Aqui].
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