Este blog publicou diversas postagens sobre o caso da entidade privada que a força-tarefa da Lava Jato tentou emplacar, alimentada com recursos provenientes de multa que a Petrobras devia à justiça norte-americana, iniciativa felizmente brecada e que, não obstante, por seu caráter 'heterodoxo', poderá produzir reflexos até no âmbito disciplinar, conforme enfatizado no post "De como 'usurpadores' foram impedidos de alçar voo" - aqui -. É importante salientar que o jornalista Luis Nassif foi o primeiro analista a denunciar a manobra urdida pela 'força', mediante o texto "Xadrez da tacada de 2,5 bilhões da Lava Jato" - AQUI -, reproduzido por este blog. Postagens posteriores (ou quase todas) foram referidas no 'preâmbulo' do post "Fundação Lava Jato: o recuo (aparente)" - AQUI -. Trata-se, como já se pode observar, de tema dos mais marcantes na trajetória da Lava Jato - que está completando exatos cinco anos! -, agregando-se ao rol que reúne a manifestamente ilegal condução coercitiva do ex-presidente Lula e as séries 'A indústria da delação premiada' e 'A morte do Reitor Cancellier: Esquecimento, não', entre outros.
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Conflito de interesse é a Lava Jato ajudar os EUA a denunciar a Petrobras e depois ficar com o dinheiro
Por Cíntia Lages (Do Jornal GGN)
A Folha de S. Paulo publicou nessa quarta (13) um artigo afirmando que é “conflito de interesse” a turma da Lava Jato em Curitiba participar da criação de uma fundação privada e influenciar o destino de R$ 1,2 bilhão em investimentos porque a isenção da equipe poderá ser questionada, no futuro, caso tenha de investigar qualquer destinatário desses recursos. Conflito de interesse é a Lava Jato ajudar os EUA a denunciar a Petrobras e depois ficar com o dinheiro
A crítica da Folha ignora o fato de que há conflito de interesse ainda maior numa das raízes da polêmica: a origem dos recursos “conquistados” pelos procuradores.
A Lava Jato só descolou R$ 1,25 bilhão para criar uma ONG ou outro tipo de fundação privada porque ajudou ativamente os Estados Unidos a denunciarem a Petrobras por lesar acionistas estrangeiros com os esquemas de corrupção revelados nos 5 anos de operação.
O GGN apurou que pelo menos 5 delatores da Lava Jato – todos mantidos sob sigilo – foram citados na denúncia apresentada contra a Petrobras em solo americano, mas há indícios de que mais colaboradores foram emprestados na cooperação internacional – que, até hoje, não se sabe se ocorreu dentro dos trâmites legais ou à revelia da autoridade central para este assunto, o Ministério da Justiça.
O dinheiro da ONG da Lava Jato – que será suspensa para estudo – é metade da multa de R$ 2,5 bilhões que a Petrobras admitiu pagar às “autoridades brasileiras” em troca de um acordo de “não-acusação” com o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) e a Securities and Exchange Commission (SEC).
Os R$ 2,5 bilhões, em verdade, equivalem a 80% do total da penalidade imposta à estatal pelo DOJ, que ficou apenas com 10%. A SEC, com os outros 10%.
Quem teve acesso ao contrato entre Petrobras e DOJ/SEC sabe que o motivo de os EUA abrirem mãos de 80% de uma multa bilionária não restou verdadeiramente claro.
O que consta no acordo são justificativas genéricas, como a Petrobras ter colaborado com as investigações e adotado políticas de governança em conformidade com as leis americanas que punem negócios internacionais que lesam seus investidores – o que gerou, inclusive, um “desconto” de 25% na multa final.
Talvez uma resposta melhor para a “generosidade” do DOJ sejam as cláusulas impostas à Petrobras no anexo C do acordo, igualmente ignoradas pela Folha. O GGN mostrou, em primeira mão, que a estatal brasileira, a pretexto de manter o governo americano informado da lisura de sua gestão interna, está obrigada a enviar “periodicamente” ao DOJ, e sempre que requisitada por outros órgãos internacionais, relatórios com dados sigilosos que abrangem negócios, finanças e estratégias.
Quando a Folha afirma no artigo que “os americanos concordaram em devolver 80% da multa (US$ 682 milhões), porque o acordo usou contra a Petrobras as informações que a Lava Jato levantara sobre corrupção na estatal” e que “os americanos não viam sentido em retornar parte da multa para o governo” porque a Petrobras é brasileira, ela não está reportando as informações a partir do acordo, disponível no site do DOJ.
As duas justificativas da Folha sequer condizem com o histórico de atuação dos EUA no caso da Lava Jato e outros similares. Escritórios de advocacia nos Estados Unidos, na ocasião do anúncio do acordo com a Petrobras, em setembro de 2018, classificaram como “notável” o fato de que os EUA desistiram de 80% da multa em favor do “Brasil”. O padrão, segundo as análises, é o governo americano levar o processo adiante ou até firmar um acordo com as investigadas, mas ficar com o dinheiro.
Vale destacar que o DOJ acusou a Petrobras de gerar 2 bilhões de dólares em perdas com os esquemas de corrupção revelados pela Lava Jato. Lá, a estatal não foi vista como vítima de ex-executivos e empresários corruptos, mas como culpada por não ter adotado mecanismos de controle que pudessem preservar os acionistas de prejuízos.
Além de deixar essas informações de lado, a Folha fez uma crítica questionável sobre a questão do nacionalismo. Mais uma vez, ignorou o ponto-chave, que é justamente o ativismo dos procuradores de Curitiba numa investigação de interesse dos EUA contra a maior estatal brasileira.
Além de tudo, a jogada envolveu a Vara em Curitiba que julga os casos criminais da Lava Jato, sendo que o acordo assinado nos EUA não tem caráter criminal, como anotou a procuradora-geral da República Raquel Dodge em dura ação que pede a nulidade do termo assinado, no Brasil, entre MPF e Petrobras, ao Supremo Tribunal Federal. Esse segundo acordo – de janeiro passado – é que define as diretrizes da criação do fundo bilionário para fins de ações sociais e anticorrupção.
Isso sem contar que, em nenhum momento, o DOJ estabeleceu expressamente em contrato que caberia ao MPF discutir com a Petrobras a aplicação da multa de R$ 2,5 bilhões. A turma de Curitiba usurpou essa função e também foi denunciada por isso.
Como bem destacou a Folha entre as poucas passagens críticas ao feito, a Lava Jato lançou mão do ditado “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” ao cair “no problema que ela escancarou nas empreiteiras e na Petrobras com a criação desse fundo: o de falta de governança, de regras éticas claras a serem seguidas”, teria dito um professor da USP que não quis se identificar.
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