O texto abaixo é para aqueles que vivenciam o jornalismo e aqueles que simplesmente admiram o ofício - como este escriba. Limitamo-nos a dizer que aos 16 anos, no comecinho de 1970, travamos conhecimento com o semanário O Pasquim (lançado em junho do ano anterior), e tivemos acesso aos exemplares anteriores, e já naquela época o tabloide era abrilhantado por Tarso de Castro. A revolução da linguagem, a ousadia das matérias e a louvação das artes gráficas implementadas por O Pasquim descontraíram o até então vetusto ambiente jornalístico brasileiro (claro, havia outros notáveis, como 'Realidade', com um senhor texto, mas não com a 'intimidade' de O Pasquim). Para encerrar: o 'Pasca' viveu de 1969 a 1991, e este escriba ainda hoje preserva todos (ou quase todos) os exemplares, e mais: devidamente encadernados (pelo Mestre Tonhô, um dos bambas desta Cidade Verde). Ficaram de fora uns dois ou três exemplares, apreendidos no sul maravilha tão logo lançados. E o jornalista Tarso de Castro, como já frisamos, deixou lá a sua marca desde o início.
Tarso de Castro, 27 anos sem o mais corajoso e galhofeiro jornalista do Brasil
Por Rui Daher
Assim que terminei de ler a opinião do jornalista Pedro Alexandre Sanches, em CartaCapital (versão impressa), meio confuso, quatro anos ausente de salas de cinema, resolvi abrir uma exceção para “A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro” (2018), documentário dirigido por Leo Garcia e Zeca Brito.
Confuso, por quê? Já lera tudo de e sobre Tarso, junto a Ivan Lessa meus ídolos no jornalismo. Lera e considerara o livro de Tom Cardoso “75 kg de músculos e fúria”, (Editora Planeta do Brasil, 2005), excelente.
A confusão veio do fato de o cinema muitas vezes matar obras e autores. Ajudou PAS (não me culpem; assim preferem referir-se editores) ao concluir seu artigo: “(...) como os jornalistas brasileiros dos anos 1990 em diante imitamos Tarso de Castro e suicidamos o jornalismo rumo aos próximos golpes”.
Contra ou a favor? Melhorou ou piorou, considerando o jornalismo de penúria que vivemos de lá até hoje? Melhor seria assistir ao filme.
Diante dessa situação, minha mulher, Cléo, e a filha Mariana, confabularam: “Aproveitemos, talvez o velho tenha saído da letargia e da fobia social”. Carregaram-me ao Cine Belas Artes, com direito a entrada subsidiada a idosos, almoço saudável e cuidados para eu não tropeçar nos buracos das calçadas. O dia? Dois de junho de 2018. As lágrimas e soluços? O mesmo dois de junho de 2018.
Usarei de chavão: o documentário é imperdível, mas, infelizmente, limitado: pelo desprezo à produção cinematográfica nacional, pequena divulgação, sala acanhada que pressupunha o pequeno público, e a ignorância cultural do Brasil atual. Creio que na sessão das 14 horas do sábado, fora o Trio Daher, não havia mais do que cinco pessoas. Filas nos postos de combustíveis?
Pena. Entenderiam quantas formas há para explícito ou sub-reptício combate a uma ditadura muito mais dura e séria do que a patética atual.
E o que fazemos nós scholars digitais? Esgoelamo-nos para explicar o que está acontecendo com a esquerda, se haverá intervenção militar, se caminhoneiros são mesmo caminhoneiros. O que seriam? Comandantes de transatlânticos, cazzo?
Um dia, nosso jornalismo atual tem comiseração por Pedro “Serpente” Parente, noutro o entende como um traidor. Ah, quer dizer que há dúvidas se ele catequisa o Acordo Secular de Elites, pois entrará e fará outros entrarem numa boa grana privatizando a Petrobras, não fosse esse seu ideário umbilical?
Com quais palavras, copo de um bom malte na mão, lábios colados aos de uma linda mulher, no teclado da máquina de escrever, cigarro sempre às mãos, Tarso enviaria Pedro à sacristia? Não duvido de uma charge de Ziraldo, com Pedro fantasiado de Chiquita Bacana entregando uma refinaria de petróleo a Donald Trump. Antes, Tarso os mandaria à ‘merrrda’, como bom carioca de Passo Fundo (RS).
No caminho ao estacionamento, centenas de jovens, em mesas de calçadas, conversando, namorando, tomando chope.
Pais, avós, feministas, parada gay, professores, democratas, povo de esquerda, galera do Al Janiah, refugiados em São Luís do Paraitinga, onde for que estejam, obriguem os piás a assistirem como poderíamos ter sido um país mais justo.
Algumas sacadas de Tarso de Castro:
1. Sobre SIG, o ratinho: “Intelectual não vai à praia, intelectual bebe” (frase disputada com Paulo Francis e desenhada por Jaguar);
2. Academia Brasileira de Letras e o imortal Austregésilo de Athayde: “Acha que tem tempo e até hoje não escreveu nem ditado”;
3. Na entrevista com a atriz Leila Diniz: “Você acha o Jece Valadão suportável?” (ela tinha acabado de filmar com o ator);
Tem muito mais. Pesquisem. O fundamental é assistir ao documentário e indicá-lo aos jovens, sobretudo estudantes de jornalismo, apenas avisando-os de que não se entusiasmem muito com a etapa digital. Serão pobres como eu se tivesse estudado apenas Ciências Sociais. Tarso, vivo, me daria razão, e sugeriria pendurar as contas em botecos e dar o cano em gerentes benevolentes de bancos.
Nota: “Antologia do Pasquim volumes I (1961/71) e II (1972/73)” foram publicados pela Editora Desiderata, o primeiro em 2006, o segundo um ano depois. Neste, Tarso de Castro não é citado. Seu único filho, João Vicente de Castro, participa do grupo ‘Porta dos Fundos’. Tarso morreu em 1991, aos 49 anos. Causa: amor e coragem para exercer um jornalismo não poltrão. - (Aqui).
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