O Petróleo é nosso!, já dizia a Turma do Sítio do Pica Pau Amarelo
Por Flávia Maria Ribeiro Cantal
Uma homenagem aos Homens e Livros que construíram e aos que hão de proteger e perpetuar a maior empresa do Brasil
Pouca gente sabe, mas Monteiro Lobato, além de editor e escritor, foi Diretor de mais de uma empresa de extração de petróleo, antes mesmo que fosse criado o primeiro órgão público para a regulação da atividade - Conselho Nacional do Petróleo – e quase duas décadas antes que fosse decretada a criação da maior empresa brasileira, a Petrobrás.
O maior negócio brasileiro deve muito a esse grande escritor e patriota que quase sozinho sacudiu multidões com um furacão de ideias, mobilizou os brasileiros mais indiferentes, levou a UNE a adotar o seu próprio slogan pela nacionalização do petróleo, arrancou donas de casa de sua inércia política para bater panelas nas ruas - quando nem se sabia ao certo o que significava esse óleo viscoso que jorrava da terra -, encabeçou passeatas de carros alegóricos e carretas de cavalos, patrocinando debates acalorados reproduzidos nos principais periódicos da época, que terminaram por pichar muros e imprimir milhares de panfletos com o lema O Petróleo é Nosso.
Walter Benevides lembrou, em Sessão da Academia Nacional de Medicina de 14 de agosto de 1980, em homenagem a Arthur Neiva, que o Professor Cassiano Nunes, da Universidade de Brasília, reuniu a intensa correspondência do escritor com seus amigos, dentre eles, Anísio Teixeira, Cândido Fontoura e Arthur Neiva, para contar a história do seu protagonismo na campanha pelo petróleo nos anos 30 e 40, a qual pretendia reunir sob o título História de uma Desilusão.
Em 2008, tive acesso a esse acervo na Biblioteca Central da Universidade, por ocasião do meu Mestrado em Literatura. Passo a relatar, com a brevidade que o Blog requer, essa história pouco conhecida, já com grande pesar pela necessidade de supressão da maior parte das citações registradas em minha monografia.
Do tempo em que Monteiro Lobato viveu nos Estados Unidos como adido comercial, no final dos anos 20 e início dos 30, nasceu uma obsessão pessoal de dar um basta ao caipirismo estéril e crônica desigualdade social que paralisavam a vida nacional, representado pelo seu personagem imortal, o Jeca Tatu.
Navegando no mar da mediocridade, o condutor da Barca de Gleyre brada a expectadores atônitos em auditórios repletos: “o petróleo é o sangue da terra; é a alma da indústria de hoje; é o segredo da riqueza dos grandes países; é a eficiência do poder militar, é a soberania; é a dominação. Tê-lo é ter o Sésamo que abre todas as portas. Não tê-lo é ser escravo, permanecer colônia produtora de matéria-prima”.
Decidiu, assim, conscientemente, abandonar a literatura e a atividade de editor e livreiro, para aventurar-se no mundo da indústria e dos negócios. Em 1934, ele escreve ao amigo Muricy: “...Foi-se o tempo da literatura....Impossível devanear, beletrar – só há petróleo em minha cabeça neste momento. O cérebro está borrado desse fedorento hidrocarboneto... Adeus. adeus. O petróleo está me chamando...”.
Revelou-se, então, ser muito mais que um escritor de histórias infantis, um líder nato, um agregador que livrou um país inteiro de sua apatia e estagnação. Seus livros e suas longas cartas a juristas, deputados, governadores, empresários e ao Presidente Getúlio Vargas eram verdadeiras plataformas desenvolvimentistas e nacionalistas. Mais ainda: Lobato foi um desses raros intelectuais que arregaçou as mangas, aprendeu e ensinou a produzir petróleo. Suas cartas também estão recheadas de detalhes técnicos sobre perfuração, extração e industrialização do óleo.
As decepções que permearam a criação e falência das três Companhias que fundou foram enormes: manobras da então Standard Oil para evitar a extração do óleo por companhias nacionais, intervenção federal, interdições, chantagens e denúncias vazias, longos atrasos de subsídios, exigências de última hora e entraves burocráticos diversos relatados em seu desesperado apelo materializado em 'O escândalo do Petróleo'. Exigências teratológicas como a do falso nacionalismo de exigir que não apenas o capital fosse nacional, mas também os acionistas das empresas fossem brasileiros, com exclusão de qualquer estrangeiro, ainda que residente no país!
A sua farta e veloz produção intelectual, em livros e artigos, além da sua frenética atividade epistolar, entretanto, seguiu abrindo avenidas em meio a realidades opostas. Preso, sua pena loquaz e incrível presença de espírito eram irredutíveis: já não defendia suas empresas, já liquidadas, e pouco se preocupava com seu cárcere, mas seguia defendendo a absoluta necessidade de uma empresa nacional, pública ou privada, sem a qual seguiríamos “como Jecas de cócoras sobre tesouros”. Aliás, atribuía seus infortúnios por querer salvar o Brasil da miséria crônica, mãe de todos os males, e por querer “calçar os pés do Jeca e dar-lhe ceroulas e calças sem remendos”.
Em mais de uma carta a Getúlio, Lobato insiste na ideia do petróleo ser a coisa máxima para o Brasil e pede a formação de uma Companhia Nacional de Petróleo, em bases semelhantes às da Companhia siderúrgica Nacional, então recentemente lançada, de modo que as companhias existentes fossem absorvidas pela nova e grande companhia, com aproveitamento do material, estudos geológicos e elementos humanos, deixando, por outro lado, de serem perseguidas pelo CNP.
A intensa mobilização dos amigos e populares culminou em indulto de Getúlio em junho de 1941. Tendo perdido grandes somas de dinheiro, ele retoma as velhas traduções. Talvez para evitar novos embates com o regime forte e novo cárcere, ele se impõe, logo depois, um auto-exílio na Argentina.
Anteriormente, em carta de 8 de outubro de 1936 ao amigo Lobato, Anísio Teixeira já havia profetizado a relevância das ações do amigo: “...você deu uma voz ao petróleo...o milagre do petróleo virá da sua voz. E o bruto sangue da terra podendo falar como pode hoje acabará mesmo circulando nas artérias deste país sob a compulsão vigorosa dos pulmões do Lobato. Afinal valeu a pena a sua luta desesperada. Patriotismo no Brasil é coisa que raia pelo heroísmo...”.
Foram-se, uma a uma, todas as companhias do Lobato. Mas permaneceu indelevelmente no espírito daqueles cidadãos a necessidade de explorar, eles mesmos, o petróleo que haveria de existir em tão extenso território.
Com a redemocratização de 1945, a questão energética mobilizou extensos setores da opinião pública. A UNE fundou um Centro de Estudos e Defesa do Petróleo que encampou literalmente a bandeira do escritor: O Petróleo é Nosso.
Uma surpreendente participação popular fez cair o projeto do Estatuto do Petróleo, favorável à exploração irrestrita de multinacionais. Os leitores e discípulos de Lobato passaram a combater um a um os obstáculos que o Governo impunha à pesquisa e exploração do ouro negro, tornando a acomodação varguista intolerável.
De volta ao poder pelo voto popular, Getúlio Vargas edita, em 3 de outubro de 1953, a Lei nº 2004, que cria a Petrobrás.
Mais de cinquenta anos depois, em 2007, a Plataforma P-50 na Bacia de Campos, inaugura a auto suficiência do Brasil, consagrando a nossa tecnologia de ponta em extração do óleo em ambiente oceânico.
E pensar que foi ali no Sítio do Pica Pau Amarelo que tudo começou...ali na solenidade de inauguração do poço do sítio, entre milhares de comensais, onde foi posta uma coroa de rosas com o seguinte letreiro escrito pelo Pedrinho: “Salve! Salve! Salve! Deste abençoado poço – Caraminguá nº 1, a 9 de agosto de 1938, sai petróleo, a independência econômica do Brasil!”.
E de tempos em tempos a Turma do Sítio grita O Petróleo é Nosso!, por entre vivas a todos os Homens e Livros que construíram e aos que hão de proteger e perpetuar a maior empresa do Brasil. - (Aqui).
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(Flávia Maria Ribeiro Cantal é servidora pública e associada da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia).
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(Flávia Maria Ribeiro Cantal é servidora pública e associada da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia).
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