quarta-feira, 13 de junho de 2018

FUTEBOL: QUESTÃO DE VISÃO OU DE GOLPE DE VISTA?

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"No futebol, a culpa é repartida e, em todo caso, quase ninguém assinala um tento. Não há heróis nem perdedores, nenhuma responsabilidade, nenhuma autoestima frágil e infantil é magoada. Há uma razão para as mães sempre preocupadas serem chamadas de ‘mães do futebol’, e não de ‘mães do futebol americano’." - Fazemos questão de destacar, de antemão, impressão manifestada pela jornalista/advogada Ann Coulter, visto que ela  sintetiza a dessintonia de visões entre culturas em geral, e em particular a estadunidense, relativamente às disputas esportivas 'de massa'. O artigo de Coulter foi escrito em 2014, bem antes, claro, da notícia de que a Copa de 2026 será disputada nos EUA (a grande maioria dos jogos), México e Canadá. Durma-se com uma pasmaceira dessas, diria ela.
Nota: Quanto à Copa do Mundo 2018, a indiferença do público brasileiro decorre de outros fatores, como desconfia Felipe Costa.


Motivos errados para odiar o futebol

Por Felipe A. P. L. Costa

Às vésperas da Copa FIFA 2018, a indiferença da opinião pública brasileira pelo evento parece estar na estratosfera. Aconteceu alguma coisa. (Alô, alô, sociólogos e historiadores, onde estão vocês?) Afinal, quatro anos atrás, quando o evento foi realizado na ‘terra do futebol’, o clima era bem outro.

Já naquela época, porém, havia quem odiasse o jogo – não apenas o negócio futebol, mas o esporte em si. Há motivos para abominar o circo que há em torno do futebol, assim como há ótimos motivos para desligar a TV assim que começarem as partidas da Copa 2018. (Um deles, adotado momentânea e involuntariamente pela minha família, é não ter um aparelho desses funcionando em casa.)

O artigo reproduzido abaixo, no entanto, é um exemplo de como é possível odiar o futebol pelos motivos mais tolos do mundo. (A força e o alcance dos argumentos evocados pela autora, dublê de advogada e jornalista, me fazem pensar que a sobrevivência de certos personagens em nossa vida pública, como Janaína Paschoal e Diogo Mainardi, não se deve apenas e tão somente ao nosso atraso cultural. Tem mais alguma coisa nessa história. Ou, como diria uma amiga minha, “Nesse angu tem caroço”.) Vamos ao artigo.

O passatempo nacional favorito nos EUA: Odiar futebol
Por Ann Coulter [1]
Evitei escrever sobre futebol por uma década – ou quase o tempo de duração de uma partida –, a fim de não ofender ninguém. Mas já chega. Qualquer interesse crescente pelo futebol só pode ser sinal da decadência moral da nação.
1. A realização individual não é um fator importante no futebol. Em um esporte de verdade, os jogadores perdem passes, arremessam tijolos e deixam cair bolas aéreas – tudo diante de uma multidão. Quando rebatedores de beisebol saem do jogo por não terem acertado a bola, eles estão sozinhos na base. Mas há também glória individual em home runs [beisebol], touchdowns[futebol americano] e enterradas [basquetebol].
No futebol, a culpa é repartida e, em todo caso, quase ninguém assinala um tento. Não há heróis nem perdedores, nenhuma responsabilidade, nenhuma autoestima frágil e infantil é magoada. Há uma razão para as mães sempre preocupadas serem chamadas de ‘mães do futebol’, e não de ‘mães do futebol americano’.
No futebol, eles ao menos têm o Jogador Mais Valioso [MVP, na sigla em inglês]? Todos estão apenas a correr de um lado para o outro do campo e, de vez em quando, a bola entra acidentalmente. É quando nós devemos enlouquecer. Mas aí eu já estou dormindo.
Alemanha vs. Inglaterra
2. Mães liberais gostam do futebol porque é um esporte no qual o talento atlético tem tão pouca chance de se manifestar que as meninas podem jogar com os meninos. Nenhum esporte sério é misto, mesmo no nível do jardim da infância.
3. Nenhum outro ‘esporte’ termina em tantos empates zerados como o futebol. Esse era o verdadeiro aviso de um letreiro de autoestrada em Long Beach, Califórnia, a respeito de um jogo da Copa do Mundo, semana passada: “2º tempo, restando 11 minutos, placar: 0 x 0”. Duas horas mais tarde, outro jogo da Copa do Mundo tinha os mesmos dizeres: “1º tempo, restando 8 minutos, placar: 0 x 0”. Se Michael Jackson tratasse a sua insônia crônica com um vídeo de Argentina vs. Brasil, em vez de Propofol, ele hoje estaria vivo, ainda que chateado.
Mesmo no futebol americano, e com isto quero dizer futebol de verdade, há pouquíssimos empates em zero a zero – e é bem mais difícil marcar quando meia dúzia de grandalhões de 150 quilos está tentando esmagá-lo.
4. Para ser computado como esporte, faz-se necessária a perspectiva de humilhação pessoal ou de lesão grave. A maioria dos esportes é uma guerra sublimada. Como a sra. Thatcher teria dito, após a Alemanha vencer a Inglaterra, em alguma partida de futebol importante: “Não se preocupem. Afinal, [neste século], nós os vencemos duas vezes no esporte nacional deles”.
O futebol é europeu
Beisebol e basquetebol oferecem um risco constante de desgraça pessoal. No hóquei, há três ou quatro brigas por partida – e não é um passeio na praia estar sobre o gelo com um disco voando a uns 250 quilômetros por hora. Após uma partida de futebol americano, os feridos são levados em ambulâncias. Após uma partida de futebol, cada jogador ganha uma faixa e uma caixinha de suco.
5. No futebol, você não pode usar as mãos. (Eliminando assim o risco de ter de pegar uma bola aérea.) O que distingue o ser humano das feras inferiores, além da alma, é o fato de termos polegares oponíveis. Nossas mãos podem segurar coisas. Eis uma ideia grandiosa: Vamos inventar um jogo no qual não seja permitido usá-las!
6. Eu me ressinto do aspecto forçado do futebol. As pessoas que tentam empurrar o futebol aos estadunidenses são as mesmas que querem que nós amemos [a série] ‘Girls’, da HBO, veículos leves sobre trilhos, Beyoncé e Hillary Clinton. O número de artigos no New York Times afirmando que o futebol está ‘pegando’ só é superado pelo dos que alegam que o basquetebol feminino é fascinante.
Observo que nós não temos de assegurar o tempo todo o quão o futebol americano é emocionante.
7. É estrangeiro. Na verdade, esta é a verdadeira razão pela qual o NYT está constantemente compelindo os estadunidenses a amar o futebol. Um grupo de fãs do esporte entre os quais o futebol não está ‘pegando’ de modo algum é o dos afro-estadunidenses. Eles permanecem claramente indiferentes ao fato de os franceses gostarem do jogo.
8. O futebol é como o sistema métrico, que os liberais também adoram, pois é europeu. Naturalmente, o sistema métrico surgiu da Revolução Francesa, durante os breves intervalos em que eles não estavam cometendo assassinatos em massa com a guilhotina.
O fetichismo pelo futebol
Apesar de as escolas públicas submetê-los a uma lavagem cerebral ao estilo chinês, visando usar centímetros e Celsius, pergunte a qualquer estadunidense qual é a temperatura, e ele irá dizer algo como “70 graus”. Pergunte quão distante Boston está de Nova York, e ele irá dizer algo como 200 milhas.
Os liberais ficam furiosos, dizendo que o sistema métrico é mais ‘racional’ que as medições que todo mundo entende. Isso é ridículo. Uma polegada é a largura do polegar de um ser humano, um pé é o comprimento do pé dele, uma jarda é o comprimento da cintura. Isso é fácil de visualizar. Como você visualiza 147,2 centímetros?
(Arcadio Esquivel - 2013).

9. O futebol não está ‘pegando’. Manchetes desta semana anunciavam ‘Audiência recorde nos EUA para a Copa do Mundo’, e tivemos de ouvir – mais uma vez – a respeito da “crescente popularidade do futebol nos Estados Unidos”.
A partida EUA vs. Portugal foi o jogo de maior audiência, obtendo 18,2 milhões de telespectadores na ESPN. Isso supera a segunda partida de futebol mais assistida no país: a final da Copa do Mundo de Futebol Feminino de 1999 (EUA vs. China), na ABC. (No futebol, os jogos das mulheres são tão emocionantes quanto os dos homens.)
Partidas comuns da temporada de futebol americano, domingo à noite, têm em média mais de 20 milhões de telespectadores; partidas decisivas da Liga Nacional têm entre 30 e 40 milhões; e a grande final [Super Bowl] deste ano teve 111,5 milhões de telespectadores.
Lembra de alguns anos atrás, quando a mídia tentou nos empurrar o astro britânico do futebol David Beckham e a sua esposa, sempre pronta para as câmeras? A chegada deles aos Estados Unidos foi anunciada em cobertura 24/7 [24 horas por dia, sete dias por semana]. Isso durou uns dois dias. A audiência despencou. Ninguém ligava.
Se hoje mais ‘estadunidenses’ estão assistindo futebol, isso se deve apenas à mudança demográfica efetuada pela lei de imigração de 1965, de Teddy Kennedy. Garanto a você: Nenhum estadunidense cujo bisavô nasceu aqui está assistindo futebol. Podemos apenas esperar que esses novos estadunidenses, além de aprender inglês, venham com o tempo a largar o seu fetichismo pelo futebol.
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Nota
[1] Ann [Hart] Coulter (nascida em 1961). O original, intitulado ‘America’s favorite national pastime: Hating soccer’, foi publicado em seu blogue, em 25/6/2014. Versão em português, algo diferente, foi publicada no Observatório da Imprensa (n. 805), em 1/7/2014. A tradução e os intertítulos são de Felipe A. P. L. Costa.
[Nota adicional: para informações a respeito do livro mais recente do tradutor, O evolucionista voador & outros inventores da biologia moderna (2017), inclusive sobre o modo de aquisição da obra por via postal, ver aqui; para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.]
(Fonte: Aqui).

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