quinta-feira, 30 de junho de 2016

UM POUCO DE HISTÓRIA: COMO COMEÇAM (E SE INSTALAM) AS DITADURAS


Ditadura começa com boas causas

Por André Araújo

Nenhuma ditadura começa anunciando que fazer o mal. Todas as ditaduras nascem anunciando boas intenções. A razão é evidente: no começo os potenciais ditadores ainda não têm todo o poder, ainda não estão firmes, precisam dar boa impressão para muitos grupos que poderiam derrubá-los, MAS assim que firmes no poder mostram a verdadeira cara e tornam-se autoritários e depois ditadores sem máscaras. Os ditadores vão testando o terreno com cuidado, testam os limites de seu poder, passo a passo, a cada etapa ousam mais, precisam ver até onde os adversários recuam.
Estes têm a tática de acovardamento defensivo, não enfrentam o ditador em construção, fingem que o apoiam porque acham que ele não vai até o fim e vão cedendo, achando que assim fazendo são espertos; quando o ditador em seu caminho ascendente ataca um adversário, aquele que não foi ainda atacado acha que foi poupado e até elogia o ditador porque este atingiu um rival sem perceber que ele pode ser a próxima vítima. Esse roteiro aconteceu exatamente assim na Itália fascista e na Alemanha nazista.
O ditador em potencial é geralmente muito inteligente, ele nunca ataca frentes de uma vez, é uma por vez, quem ainda não é atacado fica contente pensando "eu estou seguro".
Ao fim do processo de uma ditadura ninguém está seguro e todos serão dominados. Na Itália do pós Grande Guerra o nascimento do fascismo vinha com bases ideológicas anteriores do direitista monarquista Charles Maurras e do sindicalista Georges Sorel.
Mussolini, que começou a vida política no socialismo, percebeu que o caos da Itália pós Grande Guerra abria um espaço para líderes autoritários que pudessem colocar alguma ordem em uma nação esfacelada, em crise econômica, que sequer teve recompensas territoriais com sua participação na Guerra aos lado dos Aliados; na realidade, a Itália perdeu território.
Mussolini formou uma Marcha sobre Roma e recebeu apoio da burguesia, assustada com as ocupações de fazendas e fábricas pelos comunistas, e da Monarquia, que via o país em anarquia e achava que um líder autoritário viria em boa hora em benefício da Casa Real. A natureza mais perversa e persecutória do fascismo ainda não estava clara, mas assim ficou com o assassinato do deputado anti-fascista Giacomo Matteotti por um bando chefiado pelo miliciano Amerigo Dumini. Mesmo assim, a burguesia continuava a apoiar Mussolini, que chegou ao apogeu de  prestígio com o Tratado de Latrão, regularizando a situação política do Papado e criando o Estado do Vaticano, no coração da Itália.
Mussolini era muito bem visto até na Inglaterra, onde os conservadores elogiavam o líder fascista, Churchill era seu entusiasmado admirador até a invasão italiana da Abissínia em 1935, que atingiu a área de influência do Império Britânico. Na Alemanha, a vitória do Partido Nazista em 1933 era vista com simpatia pelos industriais do Ruhr, onde um de seus líderes, Fritz Thyssen, era um dos principais financiadores do Partido, sendo inclusive eleito deputado nas eleições de março de 1933. Thyssen apoiou Hitler até se desencantar após a Kristalnacht, a "noite dos cristais", entre 9 e 10 de novembro de 1938, quando lojas e sinagogas foram incendiadas, 91 judeus mortos e 30.000 feitos prisioneiros, 1.000 sinagogas queimadas, sendo 95 em Viena.
O Exército alemão foi conquistado por Hitler, que atendeu a seu desejo de desarmar as milícias nazistas na Noite dos Longos Punhais, na realidade três dias de matança das lideranças milicianas entre 30 de junho e 2 de julho de 1934, quando Hitler sacrificou seu antigo apoiador Ernst Rohm para atender a seu pacto com o Exército.
Assim industriais e exército foram atendidos por Hitler até que ambos fossem por ele dominados quando Hitler já tinha um poder incontestado. Thyssen acabou preso por Hitler mas fugiu para a Argentina, morrendo em Buenos Aires, a família Thyssen se dispersou pela Argentina, Brasil e EUA.
O grande ponto de apoio de Hitler para ser indicado Chanceler em 1933 pelo Presidente da República de Weimar, o Marechal Paul von Hindenburg, foi o político tradicional Franz von Papen - nobre e militar, havia atuado como Adido Militar alemão em Washington até a Primeira Guerra.
Von Papen, do Partido do Centro, católico, avalizou Hítler perante Hindenburg, que se recusava a nomeá-lo Chanceler, mesmo tendo o Partido Nazi conquistado um terço do Parlamento, (sendo) o mais votado entre todos os partidos, mas, sem maioria, precisava coligar-se, o que foi costurado por von Papen.
Hitler, até 1932, tinha inclusive admiradores na Inglaterra: Churchill chegou a pedir um encontro com ele, foi marcado um almoço no Hotel Regina em Munique, mas Churchill não conseguiu viajar a tempo e perdeu o encontro.
Hitler foi assim conquistando poder passo a passo, sem assustar a todos ao mesmo tempo. Uma vez Chanceler, pouco tempo depois tornou-se ditador e com a morte de Hindenburg assumiu poderes totais como Fuhrer da Alemanha, abolindo a função de Presidente da República; ainda precisava conquistar o Exército, o que conseguiu em 1934.
O que nos ensina a trajetória das ditaduras é essa conquista do poder etapa por etapa, e não de uma vez, MAS é fácil reconhecer o processo em marcha. O movimento autoritário vai testando o terreno passo a passo, os antigos donos do poder vão também cedendo passo a passo, achando que assim estão sendo espertos e vão mais adiante dominar o movimento autoritário. A história mostra que esses "espertos" serão a próxima vítima. Acham ótimo quando os autoritários destroem o partido inimigo sem perceber que o objetivo do movimento é destruir TODOS os partidos, não vai sobrar nenhum como não sobrará Congresso ou Supremo, todos serão engolidos, com o apoio da IMPRENSA, que na Itália e na Alemanha de início apoiaram os ditadores em potencial, para depois serem inteiramente dominadas pela ditadura.
A grande bandeira dos ditadores é uma CAUSA nobre à qual todos devem se sujeitar. É essa causa que justifica o autoritarismo e o poder total, é em nome dela que tudo o ditador pode fazer, porque ninguém vai se opor a uma causa nobre e quem contestar o ditador está se opondo à causa, é um belo truque em que todos caem.
Assim, quem era contra Hitler era porque era contra a Alemanha. Na Itália fascista a causa era reconquistar território perdido, reorganizar o País devastado pela Guerra, tornar a Itália respeitada como potência, que de fato conseguiu em um primeiro momento. O preço a pagar foi suprimir todas as liberdades e garantias individuais; ser contra Mussolini era ser contra a Itália.
Na Alemanha nazista, a causa era revogar as draconianas imposições do Tratado de Versalhes, restaurar a economia e tornar novamente a Alemanha uma potência militar. Como um alemão poderia ser contra?
Ao fim, a burguesia industrial dos dois países viu suas fábricas reduzidas a escombros e os ditadores liquidados levando junto o País que governaram.
A ditadura de "causas" é sempre um mau negócio para os países. De início, todos apoiam a "causa" porque todos são a favor e ninguém é contra. Mas, sob a capa da "causa", se suprimem as garantias, hoje dos corruptos, amanhã de todos e com a desculpa do combate à corrupção acabam todas as liberdades e se toma o poder, sempre em nome da "causa", a boa desculpa; afinal ninguém vai dizer que é a favor da corrupção, então quem combate é sempre herói e vai ganhando Poder; ao fim, as ditaduras são os mais corruptos dos regimes.
Nos EUA a Comissão de Atividades Anti-Americanas do Senado teve poderes semi-ditatoriais nos cinco anos de sua força e prestígio, todos tinham medo do Senador Joseph McCarthy, ele tinha uma "causa", salvar os EUA da infiltração comunista no governo e na cultura: prendeu ou perseguiu mais de 1.000 cidadãos, destruiu a vida de muitas dessas pessoas, alguns cometeram suicídio, outros, como Charles Chaplin, tiveram que fugir do País; tudo isso aconteceu em nome de uma "causa" que parecia patriótica e nobre, mas que na realidade era apenas uma bandeira de um mau caráter.  McCarthy usou o velho truque, se você é contra McCarthy é porque você é um comunista anti-americano.
No seu avanço incessante, testando limites McCarthy tentou perseguir militares do Exército e aí seu limite chegou: o Exército o barrou e o desmascarou; McCarthy teve seu fim inglório. (Fonte: aqui).

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Por falar em ditadura, Bepe Damasco, em seu blog, foi curto, preciso e contundente relativamente ao que se tem visto ultimamente em nosso querido e sofrido rincão:

ABAIXO A DITADURA!

1) Pretenso combate à corrupção que serve como mero pretexto para perseguir e criminalizar um partido com compromissos populares, e ao mesmo tempo proteger setores conservadores, é coisa típica de ditadura.

2) A banalização de prisões preventivas e temporárias por tempo indeterminado, sem condenação definitiva e com base em ilações e conjecturas, é marca registrada dos estados autoritários.

3) A tortura psicológica à qual suspeitos presos são submetidos, mofando na cadeia até que resolvam delatar militantes de determinado partido, é um conhecido sintoma de violação do sistema de garantias individuais, pedra angular dos regimes democráticos.

4) Ações pirotécnicas e truculentas por parte da polícia judiciária, tendo como alvo residências de parlamentares, bem como o cerco e a invasão de policiais camuflados à sede de partido político, seriam endossadas por Pinochet, Médici, Franco, Videla, Salazar e gorilas do gênero.

5) Pré-julgamentos, linchamentos morais e assassinato de reputações de adversários da plutocracia levado a cabo por monopólios midiáticos, sob a justificativa miserável do exercício da liberdade de expressão, não seriam tolerados em países que praticam algo que mereça ser chamado de democracia.

(Para ler o decálogo completo, clique AQUI).

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Convém fazer expressa referência a um fator, melhor, sintoma determinante da instalação de processos ditatoriais:

Algo está errado quando o principal código do país, a Constituição Federal, tem certos dispositivos cruciais tratados com absoluto desprezo, ante o mais conivente silêncio de formadores de opinião e, pior, a 'cabeça baixa' de muitos daqueles que, segundo o artigo 102 da citada Carta Magna, têm a OBRIGAÇÃO de agir como seus mais fiéis e ciosos GUARDIÕES.

NOTA:
Para completar, quando um ministro resolve impor os ditames constitucionais, como fez o ministro Dias Toffoli (aqui) relativamente ao espetáculo em torno do ex-ministro Paulo Bernardo, o juiz responsável(!) pela arbitrariedade veste a carapuça - AQUI - e questiona publicamente a decisão ministerial, sob ampla cobertura da Globo, que também destaca a crítica feita por procuradores do MP, que se dizem, vejam só, PERPLEXOS diante do despacho. Definitivamente, a síndrome Moro se alastrou pelo país, estando egos diversos a transbordar de vaidade...

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