Pequeno manual de guerrilha midiática (2): pegadinhas e trolagens
Por Wilson Ferreira
Como de costume, o historiador e comentarista da rádio Jovem Pan Marco Antonio Villa abriu a agenda que o prefeito de São Paulo Fernando Haddad disponibiliza na rede. E como de hábito, gritou escandalizado no programa de rádio: “está escrito o seguinte: a partir das 8h30, despachos internos. O resto está em branco! Branco! Não há nada!”, como fosse a evidência da “incapacidade de alguém pouco afeito ao trabalho”.
Só que Haddad preparou uma “pegadinha” no solerte historiador. Cansado das críticas diárias nos últimos três anos, o prefeito substituiu sua agenda pela do governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), com quem o comentarista mantém relações, digamos, cordiais.
Após a desmoralização ao vivo do histérico comentarista da Jovem Pan, Haddad voltou a publicar a agenda correta com os compromissos do dia.
O que o prefeito de São Paulo fez foi aplicar uma simples peça de guerrilha semiótica – conjunto de táticas que ajudam a demonstrar, em tempo real, o modus operandi de uma grande mídia onde o papel dos repórteres, editores e colunistas nada mais é do que encaixar, a todo custo, os fatos em uma narrativa já pré-estabelecida nos aquários das redações.
O cachimbo entorta a boca
Ao longo desses dez últimos anos (principalmente com a implementação do que chamamos de “bombas semióticas” a partir de 2013 – clique aqui), a grande mídia sempre se mostrou bastante vulnerável a esses tipos de “pegadinhas”, muitas vezes de forma involuntária, como foi demonstrado nos episódios do “falso estudante do Enem” (clique aqui) e do “tem alemão no campus” (clique aqui).
A necessidade diária de encaixar rapidamente qualquer acontecimento a uma narrativa pronta estressa jornalistas que sempre vivem no fio da navalha das próximas “barrigas”, atos falhos, deslizes, trocadilhos involuntários etc., principalmente no ambiente atual das mídias ao vivo, on line e em tempo real.
O costume do cachimbo é que entorta a boca. Jornalistas parecem estar sempre trabalhando no modo automático, criando uma espécie de traquejo onde veem em qualquer fato um índice, uma evidência de confirmação de uma hipótese pré-existente. O que os torna extremamente vulneráveis a qualquer ação organizada de guerrilha anti-mídia, como já foi demonstrado no histórico do ativismo anti-midiático que veremos adiante.
Essa foi uma evidente oportunidade perdida nesses últimos anos onde as estratégias de comunicação do PT ou do Governo Federal deveriam implementar como contra-ataque a guerrilha semiótica. Assim como o fez Fernando Haddad em um exemplo isolado.
Implosão do sistema político-partidário
Esse é o cenário futuro pós-implosão do sistema PT-PSDB-PMDB, um cenário onde medidas impopulares serão implementadas por instituições afastadas do escrutínio eleitoral com o apoio da grande mídia para torna-las um mal necessário para a opinião pública.
Denúncias nas redes e em mídias alternativas e as ruas serão o que restará para as esquerdas. Mas é necessário atacar os pés de barro dessa ordem: a grande mídia e seus cães sabujos jornalistas. Por isso, mais uma vez, apresenta-se a oportunidade de aplicar um organizado contra-ataque de comunicação: a guerrilha semiótica.
O objetivo: desmoralizar e desconstruir ao vivo a narrativa da grande mídia.
Guerrilha antimídia
Podemos perceber aqui e ali sinais da consciência da necessidade dessa estratégia, por assim dizer, anárquica de se contrapor ao poder midiático. Além da iniciativa isolada da pegadinha do prefeito Haddad, observamos uma crescente intervenção em links ao vivo, especialmente da TV Globo: ativistas invadindo o enquadramento da câmera gritando frases como “Fora Temer” ou “A Globo apoiou a ditadura”. Alguns aparecem segurando cartazes como fossem papagaios de pirata dos incomodados repórteres.
Desde a publicação do livro Steal This Book (“Roube esse Livro”) de Abbie Hoffman em 1971 (um manual de técnicas de ações anti-mídia, governo e corporações), o ativismo contra a grande mídia acumulou uma série de estratégias e dispositivos que podem ser agrupados em duas categorias principais: media prank (“pegadinhas”) e culture jamming (“trolagens”).
Media Prank
Media prank ou “pegadinha” é um tipo de evento midiático perpetrado por certos discursos encenados, pseudoeventos ou falsos comunicados a imprensa com o objetivo de enganar jornalistas para que estes produzam notícias errôneas ou falsas (“barrigas”).
Em 1995 o telejornal Bom Dia Brasil da TV Globo apresentou uma notícia sobre um terapeuta internacionalmente reconhecido pela sua “Terapia do Leão” chamado Baba Wa Simba que estaria vivendo em Nova York. Apresentado pelo jornalista Pedro Bial, a matéria documentou uma demonstração da terapia para que homens e mulheres desenvolvessem “seu lado animal” e liberassem “instintos reprimidos”.
Viu-se diversos pacientes de quatro no chão urrando, grunhindo e disputando um pedaço de carne crua que Bamba Simba jogava. Pedro Bial participou dessa demonstração, de quatro no chão e urrando com os demais “pacientes”.
Depois, o choque. Tudo era uma simulação. Sequer Bial apurou minimamente quem era “Baba Simba”. O terapeuta, na verdade, era o artista plástico Joey Skaags, famoso nos Estados Unidos pelas media pranks que apronta para desmoralizar TV e jornais – clique aqui e veja o vídeo no site de Joey Skaggs.
Outro exemplo foi a “pegadinha” do “abraço corporativo”. Em 2009 o jornalista Ricardo Kauffman criou o personagem Ary Itnem Whitaker, um executivo de relações humanas que estaria no Brasil representando uma confraria britânica que defendia a chamada “terapia do abraço” para humanizar as metrópoles e as organizações.
Concedeu entrevistas a rádios, TVs e jornais, mostrando como o jornalismo declaratório da mídia torna-se isca perfeita para essas “pegadinhas” por estar ávida para encontrar personagens perfeitos que se encaixem nos scripts pré-estabelecidos. Sequer os repórteres pensaram em checar a procedência da tal confraria - sobre isso clique aqui.
O que torna a grande mídia ainda mais vulnerável ao media prank é a necessidade dos eventos serem “noticiáveis”: facilidade logística, press kits, informações de pauta detalhadas que facilite o trabalho do repórter – quem entrevistar, email, telefones etc.
Uma ação de media prank organizada, sistemática e politicamente orientada desmoralizaria a grande mídia, principalmente em épocas de mídia espontânea e viralização por meio de redes sociais.
Culture jamming ou “trolagem” (ou “comunicação de guerrilha”) é uma tática usada por muitos ativistas anti-consumismo para subverter a cultura midiática e suas instituições como a publicidade e relações públicas corporativas, o conformismo e tentam expor os métodos de dominação financeira e política.
O objetivo é criar ruído, interferência ou, como diz o conceito, atrapalhar o fluxo normal da informação da grande mídia para a opinião pública por meio da exploração de quatro sentimentos: choque, vergonha (principalmente alheia), medo e raiva. Para teóricos como Abbie Hoffman, seriam os principais catalisadores das mudanças sociais.
Há diversas técnicas como, por exemplo, a criação de memes onde logos corporativos são parodiados para expor suas verdadeiras intenções como os arcos do McDonald’s desenhados de forma sombria ou o logo da Esso com cifrões substituindo os “s”.
Porém, o mais politicamente interessante são as invasões de links ao vivo de TV. Pessoas segurando cartazes “Fora Temer” e jovens invadindo o campo das câmeras com palavras de ordem anti-Globo é um bom início. Ainda são práticas isoladas que deveriam ser sistematizadas para criar uma variação de práticas de intervenção.
Um bom exemplo foi a mostrada por ativistas antiglobalização em Lisboa. Para furar o bloqueio midiático, através de redes sociais fizeram uma simulação de uma manifestação supostamente a favor da política de austeridade imposto pela “Troika” (Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia) a Portugal.
Os jornalistas foram na onda e, depois, descobriram amargamente que se tratava de uma estratégia de atrair a atenção dos portugueses para o verdadeiro manifesto. Diante das câmeras em links ao vivo, os manifestantes gritavam diante dos surpresos jornalistas: “Que se lixe a Troika!”. (Fonte: aqui).
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