terça-feira, 28 de junho de 2016

BREXIT: BASTIDORES POLÍTICOS: REFLEXÕES INTERESSANTES EM POST QUILOMÉTRICO


Os bastidores políticos do Brexit

Por Romulus

POST ENCICLOPÉDICO:
– Cameron tira faca do pescoço da UE, mas usa o punhal para cometer haraquiri - gênio!
– Tudo o que você queria (e não queria mas deve) saber sobre os bastidores políticos do "Brexit".
– O tema "Brexit" permite muitas reflexões – extrapoláveis, inclusive para o Brasil! – sobre ciência política, economia política, direito (internacional, mas também teoria do poder constituinte), democracia representativa, federalismo, justiça distributiva – inclusive entre as gerações, geopolítica, relações internacionais e a malaise da sociedade contemporânea.
*   *   *
A semana que passou provocou fortes emoções. Como espectador do noticiário nacional e internacional, fui atingido por uma sucessão de sentimentos como surpresa, esperança, decepção, desprezo, indignação, decepção... – e mais desprezo e indignação.
Não sabem vocês quais os eventos-gatilho que os provocaram?
Respondo:
(i) O Brexit; (ii) os 100g de maconha no avião caído de Eduardo Campos; (iii) o seu operador encontrado morto em um motel; (iv) a última rodada de operações-espetáculo da PF, MPF e Justiça Federal eivada de agenda e timing políticos; (v) o encontro entre o Ministro da Justiça e a força tarefa da Lavajato, para acertarem roteiro e compasso; (vi) a aceitação da segunda denúncia contra Eduardo Cunha pelo STF; e (vii) a cereja do bolo:
– A apuração pelo Nassif do plano B do golpe: cassar a chapa Dilma/Temer no TSE em dezembro e ungir – não com azeite, como na Bíblia, mas com óleo de peroba, como no inferno – Michel Temer presidente em janeiro, em eleição indireta na nossa baixíssima Câmara baixa, a Câmara dos Deputados.

Os sentimentos que esses eventos e revelações provocaram em mim talvez tenham sido partilhados por muitos dos leitores. Ou talvez por poucos, não sei...
Isso porque vivemos tempos tão estranhos – no Brasil e no mundo – que há uma tendência à saturação e à dessensibilização. Por necessidade de sobrevivência e de manutenção da sanidade mental, tendemos a desenvolver uma certa apatia. Rumamos – muitas vezes deliberadamente – a uma alienação em busca de (alguma) salubridade no ar que respiramos.
Nesse tocante, vêm-me à mente as palavras – e os emojis – da minha sogra em uma discussão no Facebook, justamente na semana passada. Diz ela:
 Pois é, gente, continuo no meu momento "quero ser feliz", estou totalmente alienada de qualquer assunto que me deixe nervosa, triste, irritada... pela minha sanidade, meu contato sobre política tem sido apenas os textos do Romulus no seu blog e os da cachorrinha dele, a Maya Vermelha, a chihuahua socialista, no Facebook!! Pra vocês terem uma ideia, minha irmã me enviou mensagem sobre um tal de Cameron... eu pensei... enlouqueceu, coitada, Rs rs, aí, ela insistiu: “a Inglaterra vai romper com o bloco Europeu, minha irmã!!”. Pensei novamente... e eu com isso??? Estou em outro planeta, uai. Pois é, esse é o meu momento... Até a parte do desenho animado em que aparece o vilão... estou trocando de canal! Tive vários momentos desses na minha vida... dessa vez não sei se retornarei... então, feliz resto de ano pra vocês... Brincadeirinha, sou otimista e continuarei aqui com vocês.
A minha parte preferida, evidentemente, é a destacada em negrito. Ela é assim mesmo... sempre gaiata e engraçada. E com um talento fora do comum para fazer amigos nas ocasiões mais inusitadas.
Uma prova? Segue ela no relato:
– Outro dia, fui fazer mamografia e a TV estava ligada na Globo na sala de espera – aliás, como sempre, né? Pois tirei minha cadeira da sala e fui pra outro lugar... Não é que fui seguida por umas três?? Achei que era o frio do ar-condicionado que as estava incomodando... que nada! Era o canal que elas não estavam mais assistindo também! Kkkkk... aí o papo rolou... Conclusão: amigas para sempre!
Talvez certa esteja ela.
Infelizmente não tenho essa capacidade de puxar a tomada e desligar o noticiário. Não por outra razão fui diagnosticado com uma gastrite no ano passado, no auge das conspirações para o impeachment. Certamente de fundo nervoso. Pois na semana passada, mesmo tomando a dose máxima de remédio, meu estômago voltou a doer.
Resultado? Dei um tempinho. Para mim, para a família e para a casa – todos negligenciados de uns meses para cá. Mas volto a isso em nota no final do post...
Passemos agora aos eventos da semana e aos sentimentos – e reflexões – que provocam?
Vamos lá:
*   *   *
Brexit – emoções: surpresa, decepção, pequeno júbilo e esperança. Em qualquer caso, muitas reflexões...
Nesse tocante falo com um pouquinho de conhecimento, por ser especializado justamente no direito internacional econômico, incluindo comércio internacional e blocos de integração econômica, como a própria União Europeia.

Para quem me segue no twitter, a revelação a seguir não será surpresa:
– Estava torcendo pelo Brexit (!), mas descrente nas chances de sua vitória.
Mas como? Como alguém que estuda comércio internacional e integração econômica – e bem sabe o prejuízo que provavelmente vem pela frente para o Reino Unido – torceu pelo Brexit?!
Respondo:
Não gosto dos ingleses, ora!
Mentira... não é nada disso. Tenho caros amigos ingleses e outros, não ingleses, mas que moram na sua ilha. As razões do meu apoio ao Brexit são bem outras.
(i) O feitiço vira contra o feiticeiro
Em primeiro lugar, menciono logo a mais mesquinha: queria ter o gostinho de ver o premiê britânico, David Cameron, quebrar a cara. Tenho horror a demagogia, populismo, chauvinismo e xenofobia. Tenho desprezo por políticos moderados e razoáveis, como David Cameron, que apelam a esses discursos rasteiros em pequenos cálculos eleitorais imediatistas. Não raro despertam e/ou alimentam as franjas extremistas do espectro político, que, como no caso inglês, acabam engolindo esses aprendizes de feiticeiro sem escrúpulos.
Parece distante de nós brasileiros?
Nem um pouco.
Exemplo?
O que foi a campanha de José Serra à presidência em 2010?
Alguém conseguiu esquecer Monica Serra na Baixada Fluminense admoestando uma eleitora de Dilma?
– Mas como você vota na Dilma? Ela é a favor de matar as criancinhas!
Logo Mônica Serra, cuja hipocrisia e cinismo foram escancarados dias depois, com a revelação – não de que ela “matou uma criancinha” – mas sim de que tinha recorrido, com muita dor e posterior trauma, a uma interrupção voluntária de gravidez, um aborto. Isso num momento de incerteza quanto ao futuro, casada com um exilado político e partindo ela mesma para o exílio um pouco mais adiante.
Pois é.
É mesquinho, eu sei, mas adoro ver esse tipo de gente quebrar a cara.
Cameron já pediu para sair na sexta-feira, não foi?
E, por aí, no Brasil?
Quem tem mais voto hoje? José Serra ou Jair Bolsonaro?
Pois é (2)...
(ii) Choque de 1700V e injeção de adrenalina no coração parado da UE
Mas voltando ao Brexit...
Como disse, torcia por sua vitória, mas – poço de contradições – esperava no fundo a sua derrota. Dessa forma, fiquei surpreendido com o resultado. E decepcionado com o eleitorado inglês – mas não com o da Escócia nem com o da Irlanda do Norte.
Soube-se já nos dias seguintes que os ingleses votaram de maneira leviana, sem se informar sobre as consequências do voto. Muitos já estão agora arrependidos, ora vejam!
E o que é ainda pior: uma grande parcela baseou o voto em um impulso xenófobo e chauvinista, como bem sabemos.
Triste resultado para o Reino Unido.
Mas não necessariamente para a Europa.
E daí aquele meu sentimento de esperança do subtítulo – e a torcida pela vitória do Brexit nas urnas.

O grande derrotado no referendo não é apenas Cameron. É também, na conjuntura, o austericídio de Angela Merkel – e de Cameron, não esqueçamos! – empurrado goela abaixo do restante da UE.
E, na estrutura, o neoliberalismo e a financeirização desenfreada, tocada pela “ditadura perfeita” de uma “democracia” sob o comando de tecnocratas concursados “meritocráticos” em Bruxelas. Empurraram o seu credo de autorregulação do mercado goela abaixo dos Estados membros da UE – principalmente os do Leste, que aderem ao bloco nas ondas de expansão em negociações draconianas – quando não “draculianas”!
“Draculianas” talvez em homenagem à Transilvânia, que de fato está no Leste do continente e entrou no bloco na penúltima rodada de expansão.
Não tenho nada contra os funcionários da UE pessoalmente. Tenho, inclusive, amigos e ex-colegas que lá trabalham hoje. No entanto, conhecendo o que conheço do Brasil atual, tomei um certo pavor de burocracias não eleitas que desprezam a política e os políticos, impondo agendas ideológicas e econômicas ao povo e aos seus governos eleitos.
Na verdade, a minha esperança é a de que essa derrota, juntamente com a crescente ameaça de Marine Le Pen e sua Frente Nacional na França, bem como a de seus similares em outros países vizinhos, deem um choque em Frau Merkel, chanceler da Alemanha.
Espero que ela entenda que periga ficar falando sozinha numa “União” de um sozinho, em que nem mesmo a vizinha mais próxima, a Áustria, ficará.

Torço para que a fragorosa derrota da UE no Reino Unido dê a alavancagem política necessária ao Presidente da França e ao premiê da Itália para que finalmente diminuam a influência do ultra-ortodoxo Ministro da Fazenda alemão no fechamento de posição do seu governo. E, assim, consigam enterrar a onda neoliberal e financeirizante que reina na Europa desde os anos 90. Bem como a outra onda, mais recente essa, de austericídio, iniciada após a crise de 2008.
Oxalá lembrem todos os envolvidos da solidariedade entre os povos que animava a integração lá na sua fundação, no Tratado de Roma em 1957.
Oxalá (2) lembrem também do medo dos extremismos, dos chauvinismos e da tragédia que eles causaram ao continente, verdadeiro pano de fundo para o grande pacto que originou a UE.
Oxalá (3) a agenda da União passe a priorizar o crescimento econômico e a geração de emprego, principalmente para os jovens.
Quanto ao Reino Unido, lamento muito pelo seu futuro infortúnio.
Mas, sendo um pouco egoísta, tenho, além da brasileira, nacionalidade europeia. Assim, torço pelo sucesso da UE, mesmo que às custas do auto-sacrifício dos ingleses – esse, leviano e estúpido, quando não odioso, mas ainda assim deliberado.
Sendo ainda mais egoísta, torço redobradamente pelo sucesso da UE. Resido no segundo país que, embora não membro, tem a economia mais integrada ao comércio continental (depois de Luxemburgo), a Suíça.
Já não sendo egoísta, mas aritmético, preocupa-me mais o futuro das mais de 400 milhões de pessoas da UE do que o das 50 e poucas milhões da Inglaterra. Uma vez mais: sinto muito, mas os ingleses escolheram a sua malfadada sina.
*   *   *
Alguns temas para ainda mais reflexão sobre o Brexit, os quais já adiantei por esses dias no twitter:
1. Com relação à população e ao voto majoritário no “sim” ou no “não”

(i) A divisão dos votos por idade
É justo a população com mais de 50 anos, e especialmente com mais de 65 anos, quase ou já fora do mercado de trabalho – e mais perto de deixar a própria existência neste plano! – amarrarem o futuro dos jovens?
Pois são eles, os jovens e os seus bolsos – não os dos pensionistas com a sua renda certa garantida pelo Estado todo fim de mês – que arcarão com os custos desse haraquiri econômico.

(ii) A vitória com maioria simples
É justo uma decisão tão grave ser tomada na base da maioria simples, em um referendo sem participação obrigatória, em apenas um turno?
Não seria mais justo, previdente e democrático exigir que, para mudar um status quo de tamanha relevância, fosse exigido:
(a) um alto índice mínimo de comparecimento às urnas (algo como acima de 85%); e/ou
(b) um quórum qualificado, como, p.e., mais de 60% dos votos (ou mesmo 2/3); e/ou
(c) haver a votação em um dado momento e ser exigida uma nova votação, para ratificação daquele primeiro resultado, dali a, p.e., um ano, em um “segundo turno”?
Da maneira que as coisas ficaram, nesse tudo ou nada do “sim ou não”, mais de 48% da população ficou com o “nada” (!) e 51% ficou com o tudo (!).
Isso é democrático?
Talvez isso nem passe pela cabeça dos ingleses, que inventaram e usam até hoje o voto distrital puro para representação parlamentar.
Mas para qualquer pessoa com um grau um pouquinho maior de sofisticação no pensamento sobre democracia representativa e representação – e direitos! – das minorias fica escandalizada com um resultado em que metade da população – a metade mais jovem e que efetivamente pagará o pato – fica com “nada” em uma votação na modalidade “tudo ou nada”.
To certo ou to errado, como dizia Sinhozinho Malta?
2. Com relação ao princípio federativo como contraponto às diferenças demográficas entre as partes diferentes que se juntam em uma União

O país que votou na semana passada não se trata de uma federação de direito, mas é sim uma federação de fato. Ela é constituída por quatro países diferentes que se juntaram em um “Reino Unido”.
E como foi essa “junção”?
(a) Na modalidade “querendo”, como a Escócia de James I, mediante a unificação das coroas em sucessão a Elizabeth I, ainda que num acordo apenas das respectivas nobrezas; ou
(b) Na modalidade “queridos” – pela Inglaterra, bem entendido! – e devidamente invadidos e anexados “por direito de conquista” (Gales e Irlanda).
Seja na modalidade “querendo”, seja na modalidade “queridos”, tiveram suas autonomias erodidas pela Inglaterra, o bullyboy das ilhas britânicas, através dos séculos.
Como disse, são quatro os países diferentes que se juntam na configuração atual em um “Reino Unido”: Inglaterra, Gales, Escócia e a parte ainda não descolonizada da Irlanda, o Ulster (Irlanda do Norte).
Sabidamente a Inglaterra tem uma população muito maior que os demais. Isso vem desde a Antiguidade e se trata de um ditame da geografia: as planícies e seus rios comportam agricultura e criação animal. Consequentemente, comportam uma maior população humana. Os territórios montanhosos, como as Highlands escocesas, são muito mais difíceis de serem arados ou de servirem para pasto. Notem: embora lá abundem as ovelhas, não há tantas vacas, p.e.

Quando a agricultura e a criação animal finalmente se tornaram menos importantes economicamente, já havia a massa crítica de terra, capital e trabalho – fatores de produção primários – para fazer a Revolução Industrial na Inglaterra. Mas não ainda nos demais territórios. Garantiu-se, assim, uma vez mais por via da economia, e pelo determinismo geográfico, a perpetuação das diferenças demográficas entre os países que compõem o Reino Unido – agora com a "adição" ("descoberta") de novos fatores de produção, estes secundários, como o ferro e o carvão, além da água para as caldeiras e para os motores a vapor da Revolução Industrial do Século XVIII.
E assim viemos de lá até aqui, passando pelo Império Britânico, pela Inglaterra vitoriana e pela segunda e terceira Revoluções Industriais. Essas, pautadas pelo petróleo e pela revolução digital, respectivamente. 
Evidentemente, o centro de poder estar em Londres, e não em Edimburgo ou Dublin, também deu uma forcinha a mais para a assimetria entre o desenvolvimento e o tamanho das populações nessas diferentes regiões, não é mesmo?
Como bem sabemos, poder político e poder econômico andam de mãos dadas.
Pois bem.
Depois dessa digressão pela História, voltamos para hoje.
Voltamos ao Brexit
A população da Inglaterra, da ordem de 10 vezes a da Escócia (!), p.e., simplesmente tratorou as aspirações desse seu vizinho do Norte de permanecer na União Europeia.
Tratorou também o mesmo desejo por parte da Irlanda do Norte.
Notem bem:
As preocupações dessas duas populações não são apenas econômicas, mas também políticas e legais. A entrada do Reino Unido na União Europeia colocou algum cabresto no Parlamento de Londres. No mesmo passo em que aumenta o escrutínio internacional, em âmbito europeu, diminui o grau de arbitrariedade com que esse governo central pode tratar esses dois territórios e essas duas populações. Isso inclui até mesmo uma importante minoria religiosa, de quase metade da população, na Irlanda do Norte. Não outra que os católicos, fartamente oprimidos no passado.
Ora, hoje o extrato chauvinista da população do Reino Unido tira o país da UE...
Quem garante que amanhã um novo referendo populista não o retire do Conselho da Europa e da sua Convenção Europeia de Direitos Humanos, deixando de submeter o Reino Unido ao escrutínio da Corte Europeia de Direitos Humanos?
Vale lembrar que o Reino Unido coleciona várias condenações nessa Corte, em casos rumorosos.

Tantas foram as derrotas e a sua repercussão, que o tradicionalista Reino Unido teve até mesmo de alterar a sua famosa – e secular – “Constituição não escrita”: foram-se os Law Lords de séculos e séculos. Sim, eles mesmos: aqueles senhores com assento lá na Câmara dos Lordes, onde tinham a oportunidade de posar com as suas famosas perucas.
Como última instância da Justiça, em seu lugar estabeleceu-se a “Suprema Corte do Reino Unido” – instituição completamente nova!

Não fossem as seguidas condenações do Reino Unido na Corte Europeia de Direitos Humanos pelas restrições que o quadro anterior ocasionava, a Suprema Corte nunca teria sido criada.
Notem a relevância dessa nova instituição para o princípio “federativo” e para o respeito dos direitos humanos pelo governo de Londres. Isso na Escócia, mas, principalmente, na Irlanda do Norte:
– A Suprema Corte tem competência para decidir sobre os devolution issues, ou seja, aquelas matérias e competências que são (muito) aos poucos devolvidas pelo Parlamento de Westminster aos Parlamentos e governos locais da Escócia, de Gales e da Irlanda do Norte. A maioria desses devolution issues tem a ver – olhem só! – com a observação dos direitos previstos em não outra que a Convenção Europeia de Direitos Humanos!*
Repito:
Hoje o Partido Conservador, o UKIP e o extrato chauvinista da população retiram o país da UE... quem garante que amanhã a próxima vítima não será a Convenção Europeia de Direitos Humanos?
Entendem o drama?
Entendem por que a população da Inglaterra não deve ser autorizada a voltar a tratorar as populações dos vizinhos e os seus direitos?
Ela fazia isso sem nenhum problema no glorioso – e infame – passado de Império Britânico. Tempo esse de que esses chauvinistas do Brexit sentem imensa saudade.
Entendem o drama? (2)
*   *   *
* Como o verbete em português na Wikipedia é paupérrimo, recorro ao original em inglêsThe Supreme Court also determines "devolution issues" (as defined by the Scotland Act 1998, the Northern Ireland Act 1998 and the Government of Wales Act 2006). These are legal proceedings about the powers of the three devolved administrations—the Northern Ireland Executive and Northern Ireland Assembly, the Scottish Government and the Scottish Parliament, and the Welsh Government and the National Assembly for Wales. Devolution issues were previously heard by the Judicial Committee of the Privy Council and most are about compliance with rights under the European Convention on Human Rights, brought into national law by the Devolution Acts and the Human Rights Act 1998.
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RETOMANDO O FÔLEGO
– Cameron tira faca do pescoço da UE, mas usa o punhal para cometer haraquiri - gênio!
– Tudo o que você queria (e não queria mas deve) saber sobre os bastidores políticos do "Brexit".
– O tema "Brexit" permite muitas reflexões – extrapoláveis, inclusive para o Brasil! – sobre ciência política, economia política, direito (internacional, mas também teoria do poder constituinte), democracia representativa, federalismo, justiça distributiva – inclusive entre as gerações, geopolítica, relações internacionais e a malaise da sociedade contemporânea.
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Bônus: a política, ah... a política... (ou: a parte mais divertida dessa novela!)
(i) os falsos discursos e as torcidas de alcova
Tenho que admitir: apesar de, como todos, ter um certo grau de desprezo pela diferença entre o que os políticos falam em público e aquilo que efetivamente pensam e desejam no seu íntimo, o enorme gap que existe entre um e outro não me deixa de fascinar. Acho muito interessante o exercício de especular sobre as verdadeiras intenções dos políticos, sem ter que esperar décadas pelas suas biografias, ditadas do leito de morte.
Assim, faço aqui as minhas especulações – algumas nem tão especulativas assim...

(a) A pequena política eleitoreira
Todos testemunharam o balé de Cameron de bater na UE por dois anos diante das câmeras, até arrancar dos outros membros um acordo quase impossível de ser executado. Isso devido à falta de simetria entre os benefícios dados a Cameron, em enorme contraste com as condições impostas aos demais países. Havia a real possibilidade de gerar um efeito dominó dentro da União – se é que a União sobreviveria a isso.
(b) A situação excepcional especialíssima diferenciada de novo outra vez
Todos sabem também que o Reino Unido já gozava de um status muuuuuuuito especial dentro da União, corriqueiramente sendo isentado de implementar regras comuns a todos os demais países. Isso passou por matérias que “descascam” o “povão”, como estar fora da uniformização de direitos laborais e sociais – para poder ficar abaixo do piso da UE e não acima! Mas passou também pelos regramentos frouxos feitos sob medida para manter a primazia da City Londrina sobre as outras praças financeiras do continente.
Além disso, é preciso lembrar que Margareth Thatcher, com a mesma faca no pescoço empunhada até outro dia por Cameron, arrancou dos demais membros da UE um enorme desconto nos fundos que o Reino Unido deve remeter ao caixa comum da União. Para se ter uma ideia, a Noruega, que nem membro da UE é, remete proporcionalmente mais dinheiro para o fundo comum do que o Reino Unido – como contrapartida do livre comércio na EEA – Área Econômica Europeia, na sigla em inglês, realizado entre entre a EFTA, bloco de Noruega, Suíça e Islândia, e a UE.
Mas isso não é tudo!
(c) A geopolítica
Não é segredo para ninguém a relação dúbia que a Inglaterra sempre manteve com a UE, da qual fazia parte há mais de 40 anos, mas onde sempre atrasou e dificultou ao máximo o ritmo e a abrangência do projeto de integração econômica. Sabendo-se das suas relações (muito) próximas com os EUA – o que inclui até mesmo integração dos seus serviços de inteligência!** – houve quem sempre tivesse desconfiado de que a adesão da Inglaterra à UE fora também combinada com os EUA, para esses não apenas terem um “ouvido” nas reuniões de cúpula, como também um “agente sabotador” por dentro do bloco, capaz de atrasar ao máximo a integração e o ganho de escala do colossal rival europeu.
>> [**Nota: sobre a integração dos serviços de inteligência, lembremos que no escândalo dos grampos da NSA – (por incrível que pareça) desconhecido do nosso chanceler (sic) José Serra (!), que vitimou também a nossa própria Presidente, Dilma Rousseff – foi revelado que se grampeava Angela Merkel e o Palácio do Eliseu.
Pois bem.
A quem acham que se destinavam as transcrições?
Só a Obama?
Evidente que não.
É óbvio que o premiê britânico também as recebia e assim se preparava melhor para a sua ação de sabotagem nas reuniões de cúpula. E também para melhor impor aos demais a agenda do austericídio e da financeirização desenfreada, ocasião em que agia em colusão com a espionada Merkel.
Aliás, digno de nota é também o empenho pessoal do Presidente Obama para que o Reino Unido permanecesse na UE. Certamente sua preocupação era altruísta... cuidava apenas da economia e dos jovens da Inglaterra. Em nada pesava a perda da escuta clandestina cativa nas reuniões de cúpula de Bruxelas(!)
Pobre Obama...] <<
- No Palácio do Eliseu não tem Zé Mané...
De Gaulle
Sobre o caráter 5a coluna do Reino Unido dentro da UE, é sempre bom lembrar que o (muito sabido) General de Gaulle vetou a entrada do país no bloco por 3 vezes (!). O país só entrou em 1973, quando de Gaulle já pendurara o boné de General-Presidente – e já morrera!
Mitterrand
Diante das facas no pescoço empunhadas por Margareth Thatcher nos anos 80, François Mitterrand famosamente definiu a chantagista:
– Ela tem uma boca de Marilyn Monroe... e os olhos de Nero!

Segredos de alcova (1)
Em vista do histórico de sabotagem do Reino Unido e do acordo ultra-assimétrico que Cameron arrancou da UE para poder partir para o seu referendo, não é segredo que vários governos, inclusive o da França, secretamente torciam pela vitória do Brexit.
Mesmo a Alemanha, que assim perdeu o parceiro de pressão pelo austericídio em Bruxelas, certamente tinha pavor do acordo arrancado por Cameron. Primeiro pelo método da chantagem e de uso de um referendo populista como a faca no seu pescoço.
Segundo por causa do acordo em si. Era tão assimétrico e vantajoso para o Reino Unido, que fatalmente outros países também exigiriam revisão de suas obrigações, começando pelos do Norte, como Suécia, Dinamarca, Finlândia e Holanda. Sem falar na Noruega, que paga e nem membro é.
Os países do Leste, como Polônia, Hungria e República Tcheca – aqueles dos acordos de adesão à UE “draculianos” – faziam coro com o Reino Unido pedindo “menos Europa”. Ou seja, estão doidos por uma chance de se livrar dos pesados compromissos com Bruxelas.
A derrota do Brexit seria um desastre!
E em cascata!

(ii) Uma esperança para os populistas insinceros: a intervenção do Parlamento Escocês
Ainda no dia da divulgação do resultado, em que seu povo votou – acima de 60% - para permanecer na UE, a premiê da Escócia, Nicola Sturgeon (cujo delicioso e fortíssimo acento descobri então), anunciou que contemplava um novo referendo de independência. As pesquisas do fim de semana mostram, sem surpresa, que hoje 60% dos escoceses seria favorável à separação. Na votação de 2014 eram minoria: 45%. Ou seja, crescimento de 15% num estalar de dedos de David Cameron, o gênio!
Em nova intervenção, neste domingo, a premiê escocesa acrescentou que considera bloquear o Brexit no Parlamento Escocês, já que agora se sabe que há a necessidade de consenso entre os quatro parlamentos.
Segredos de alcova (2)
Aí, no twitter, mais uma vez entrei naquele exercício de identificar a diferença entre o que os políticos dizem e o que efetivamente pensam:
O Establishment
– Não tenho dúvida de que todo o establishment político em Londres, dos Conservadores aos Trabalhistas, deve estar feliz da vida com essa hipótese. Isso se esse próprio establishment não tiver ele mesmo “soprado” a hipótese para a premiê escocesa, que não a mencionara na sexta-feira.
O candidato a primeiro-ministro oportunista
– Não duvido até mesmo de que o próprio Boris Johnson esteja nesse grupo. Sim, ele mesmo: o ex-prefeito de Londres, oportunisticamente convertido em líder entre os Tories da campanha pelo Brexit. Estou certo de que secretamente torce por essa saída “honrosa” para a maluquice que fingiu apoiar de coração. Afinal, ele é forte candidato a suceder a David Cameron. E a base do seu partido é a City Londrina, fortemente golpeada pelo Brexit.
Aliás, o discurso dele nesta segunda-feira já foi beeeeem diferente do triunfalismo de sexta-feira passada. Declarou que “nada vai mudar” (Oi??!!) e que o Reino Unido continuará fazendo parte do mercado comum (Oi??!! (2)), do livre trânsito de pessoas e trabalhadores no espaço Schengen (Oi??!! (3)) e que os estudantes britânicos continuarão a se beneficiar do programa de intercâmbio Erasmus (Oi??!! (4)).
O que muda então?
Apenas se tiram as bandeiras da UE das repartições públicas e deixam de repassar o que sua alfândega coleta em imposto de importação para Bruxelas?
Aham... Ok...
Só falta combinar com os Europeus, não é mesmo, Boris Johnson?
O populista demagogo de direita
– Por incrível que pareça, acredito que o próprio Nigel Farage, o líder populista do partido de extrema-direita UKIP, o outro líder do campo do Brexit, torça para algum “jeitinho” para evita-lo na vida real. Talvez esse veto escocês mesmo sirva, quem sabe...
Afinal, com a vitória, ele perdeu a maior bandeira que seu partido tinha: sair da Europa, ora!
Não restam muitas outras...
Ainda tem a xenofobia, lógico. Ela saiu fortalecida do referendo, mas, paradoxalmente, acabou vítima do seu próprio sucesso. Isso porque perdeu a serventia eleitoral demagógica.
Explico: seu potencial de votos sai debilitado sem discurso do “perigo” dos “encanadores poloneses”, que já contam 800 mil na ilha e “vêm roubar o seu emprego!”.
Aliás, um parênteses. Vejam que bela mensagem os xenófobos da base, alimentados por Cameron, estão difundindo publicamente após o referendo:

Mas isso não é tudo. Os tiros do referendo na plataforma do UKIP foram ainda mais longe. Sem a UE, ela perdeu também os relatos dramáticos sobre os “horrores” dos ciganos romenos, que vêm para a Inglaterra “explorar crianças – traficadas! – ganhando ‘polpudas’ bolsas da seguridade social por cada cabeça contrabandeada para dentro da fronteira que fingem ser ‘filhos’ – todos maltratados, famintos e sem irem à escola”, evidentemente.
Aham... sei...
¬¬
E agora o pior de tudo: imaginem perder o argumento da eterna “ameaça” da entrada da Turquia na União Europeia, com seus 80 milhões de muçulmanos. Peraí! Perder o argumento da islamofobia já é demais!
Tiros e mais fatais no UKIP...
>> Aliás, de que serve hoje esse partido, anti-europeu, que é votado quase que exclusivamente em eleições europeias, para o Parlamento Europeu, no contexto de um Reino Unido... fora da União Europeia? <<
Quem souber ganha um kit independência, com bandeirinha old jack fish and chips, acompanhados de uma pint gelada para não engasgar.
Garanto que o UKIP queria o referendo sim – e a mídia que veio com ele.
Mas duvido que seu líder quisesse de verdade ganhar. Isso mesmo sem correr o menor risco de passar a segurar a granada cujo pino ele mesmo ajudou a tirar. Isto é, mesmo não havendo a menor chance de vir a governar o tal Reino Unido “independente” – manco com o tiro que deu no próprio pé.
(iii) O troco dos esquecidos e a advertência ao establishment econômico e político
Não se enganem: há todo um texto de xenofobia, descrença nas instituições e chauvinismo no voto pelo Brexit. Mas há também um subtexto, a que poucos estão dando atenção. Não dão porque ele claramente não convém ao establishment. Nem ao político nem ao econômico.
E que subtexto é esse?
Ora, “é a economia, estúpido”. O Brexit não deixa de ser o troco que dá – à City Londrina – a “Inglaterra profunda”. Ou seja, aqueles segmentos da população pobre com pouca educação formal, vitimada pela desindustrialização e pela financeirização desenfreada do Thatcherismo para cá.
A City explodiu economicamente! Passou inclusive Nova York como a maior praça financeira do mundo.
Bravo, Maggie T.!

E o norte da Inglaterra?
E o interior?
Saibam que há famílias, como as dos mineiros de carvão com quem Maggie Thatcher travou a histórica queda de braço, que já estão na terceira geração de pessoas perpetuamente desempregadas (!). Ou seja, o avô mineiro nunca mais conseguiu emprego depois que Thatcher fechou a sua mina. E pior: vivem em cidades-fantasma em que seu filho e seu neto nunca conseguiram empregos tampouco. Durante todas as suas vidas!
E o que as três gerações de desempregados perpétuos veem na TV?
Ora, a exuberância dos números da City Londrina e a fala dogmática dos seus yuppies – os originais, da geração X, mas também os seus minions, da geração Millennial. Falando todos eles, evidentemente, com a empáfia e a arrogância que lhes é peculiar.
E que arma é dada à “Inglaterra profunda” para revidar pelos decênios de espoliação e transferência de renda para a City, à la Robin Hood às avessas?
Apenas uma: o voto. E, com ele, o apoio – sincero ou em protesto – aos discursos populistas, demagógicos, extremistas e anti-sistema.
Soa familiar?
Lembra em alguma coisa o crescimento da franja política de extrema-direita no Brasil de 2013 para cá?
[Solto um longo suspiro]
(iv) Demagogia tipo exportação
Não por acaso Marine Le Pen fez, na França, pronunciamento quase ao mesmo tempo em que Cameron pedia, ao vivo, demissão. Isso logo após a confirmação de que o Primeiro-Ministro tirara a faca do pescoço da UE tão somente para com ela... fazer um haraquiri!
Adeus, Cameron! Gênio...
Mas...
Olá, Marine le Pen!
Saibam que o grosso do novo eleitorado de Marine e da sua Frente Nacional é composto por ex-apoiadores da esquerda nos extratos mais populares e com menor educação formal, novos excluídos da sociedade de consumo. “Novos” porque em geral tinham empregos, que desapareceram na onda de desindustrialização, financeirização e achatamento do orçamento público dedicado à educação, geração de empregos e seguridade social. Isso se dá no campo, mas também nas cidades, principalmente as do Norte da França, berço – e ao mesmo tempo cemitério! – da industrialização no país.
Ok... digo sim adeus a Cameron.
Mas...
Serei obrigado a dizer “olá” a Marine Le Pen?
Sério?

*   *   *
Epílogo:
Como se diz “eu avisei...” em inglês mesmo, hein?
Por quê?
Porque, segundo a S&P, o resultado do referendo pode levar a “uma deterioração da performance econômica do Reino Unido, inclusive do seu enorme setor de serviços financeiros".
Sério?! Não imaginava coisa parelha...
Mais cedo a Libra despencou ao nível mais baixo dos últimos 31 anos em relação ao dólar. Além disso, os mercados fecharam em queda pelo segundo dia consecutivo.
Na sexta-feira, outra agência de risco, a Moody's, rebaixou a perspectiva do rating soberano do Reino Unido para negativa.
Adeus, Cameron... vá com Deus.
Não vamos sentir a sua falta.
Ah, a propósito: lembrei como se diz “eu avisei...” em inglês:
– I told you so.
Ou, para ser profético-dramático e empregar retórica bíblica:
– The writing [was] on the wall.
*   *   *
Bônus (2): rir da família Bolsonaro para não chorar do Brasil
Fecho esse mega-post com a “genialidade” da nova geração da família Bolsonaro.
Haja meritocracia!
Engraçado como os “meritocráticos” na política – e na mídia e no Judiciário e na... – sempre encaixam os “talentosos” filhos no seu métier, não é mesmo?


*   *   *
Nota sobre o post:
Ufa!
Espero que alguns, pelo menos, tenham chegado até aqui. Sei que uma parcela torce o nariz para posts longos. Outros nem se aventuram. Como já disse, até em casa perco leitores quando o post fica grande demais.
Este ficou enorme. De longe o maior que já escrevi.
Como podem notar do início, meu intuito quando comecei a escrever era comentar diversos eventos e revelações da semana passada. Pensava que ia escrever apenas uns quatro parágrafos sobre o Brexit e partir para os demais.
Ha... ha...... ha.........
Falhei miseravelmente nesse objetivo.
Mas, desculpo-me ressalvando que o tema Brexit permite tantas reflexões – extrapoláveis, inclusive para o Brasil! – sobre ciência política, economia política, direito (internacional, mas também teoria do poder constituinte), democracia representativa, federalismo, justiça distributiva – inclusive entre gerações, geopolítica, relações internacionais e a malaise atual da sociedade, que nem sei como posso ter imaginado ser possível cobrir tudo em quatro (!) parágrafos.
Mas a propaganda do início não será de todo enganosa:
Prometo que trato do restante no próximo post.
E tentarei ser (bem mais) conciso.
Nota sobre o post (2):
Alguns leitores estranharam só ter postado um texto na semana passada. Como enumerei no início, aconteceram várias coisas dignas de nota e de comentário no período.
Mas confesso que fui acometido, além da gastrite, por um certo grau de frustração. Não gosto de me repetir nos posts... mas o que fazer quando os expedientes do golpe, que comento aqui no blog, se repetem eles, apenas subindo mais degraus (infinitos degraus?) na escala no absurdo, do ilegal e do escarnio?
Não consigo ainda seguir a filosofia da minha sogra e “trocar de canal até quando chega o vilão em desenho animado”.
Daí a gastrite.
Mas tirei uns dias para refletir em vez de ficar preso ao noticiário do dia e comentar o varejo do absurdo... o varejo do golpe.
Mas não se preocupem.
Não estive longe – na verdade, sempre bato ponto no twitter e no Facebook – e agora cá estou eu de volta aqui no blog. E num post exagerado... será para compensar a ausência?
Saibam: acho necessário passar por cima daquela frustração com a repetição para manter mobilizada a minha “pequena joia”: esta rede aqui no blog (e no twitter e no Facebook).
Saibam (2): também senti falta de vocês. (Fonte: aqui).

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