terça-feira, 21 de junho de 2016

O GOLPE, OS FINANCISTAS E OS EXPERTS EM DILAPIDAÇÃO ESTATAL


Os abutres, o golpe e o ministro Barroso

Por Romulus

"Uns criam, outros tomam: a ascensão da finança e a queda dos negócios na América"
Ontem a amiga Elaine* chamou a minha atenção no twitter para a recente resenha de John Battelle, no site Evonomics, sobre o livro “Makers and Takers: The Rise of Finance and The Fall of American Business” (Em tradução livre: “Uns criam, outros tomam: a ascensão da finança e a queda dos negócios na América”), escrito pela jornalista Rana Foroohar.
[*Quem quiser estar bem informado, siga Elaine no twitter. Estou em dúvida se Elaine não dorme ou se é na verdade um coletivo de ativistas. São diversos tweets tratando de temas interessantíssimos, como esse que ora comento]
Não creio que a autora do livro seja simpatizante do bolivarianismo, nem tampouco bancada pelo “Lulopetismo”, como outro dia insinuou colunista da revista Época com relação ao New York Times (!).
Não, não creio... a não ser que Rana fosse uma agente dupla, infiltrada há décadas no coração do sistema financeiro. Isso porque o tem coberto há anos para veículos como a Newsweek, a Time e a CNN.
Em seu estudo, Rana constata que apenas 15% de todo o dinheiro que atualmente circula pelas instituições financeiras chega à economia real. O restante – 85%! – permanece dentro do círculo fechado do próprio mercado. É o dinheiro operando o próprio dinheiro.
Novamente: 85%!
Mas a que de fato se destina essa parcela amplamente majoritária do dinheiro?
Rana mostra que, mesmo quando uma parte se dirige ao mercado imobiliário, financiando, p.e., hipotecas de “pessoas comuns”, concentra-se não no financiamento propriamente dito, mas na sua securitização.
“Securitização” consiste em transformar passivos financeiros, como a dívida da hipoteca das “pessoas comuns”, no nosso exemplo, em títulos mobiliários padronizados negociáveis no mercado de capital.
Quem se lembra das subprime da crise de 2008?
Pois é. Tudo a ver...
O mercado de valores mobiliários inclui, entre outros, ações, títulos de dívida, obrigações com garantias reais (p.e., penhores e hipotecas) e assim por diante. Todos esses valores mobiliários são inscritos em papéis que o sistema financeiro passa a operar – em um círculo fechado (vicioso?).
Tais papéis são ativos que não criam crescimento real. Andam separadamente, em velocidades diferentes (quando não inversas). Esse total descasamento entre economia real e mercado de capitais ficou claro nos últimos anos: enquanto o mercado acionário bateu sucessivos recordes, não houve, na outra ponta, crescimento da renda ou do PIB.
Diante disso, a autora dá a sentença: com apenas 15% do que sai das instituições financeiras se dirigindo a novos negócios, o sistema está completamente falido.
* * *
208 anos para CEO ganhar o que se ganha em Wall Street em apenas um
O tema é recorrente. A resenha do livro me lembra de um estudo francês que comentei dias atrás aqui no blog. Esse estudo, conduzido por pesquisadores da Science Po, analisou a remuneração recorde paga aos administradores dos fundos de investimento de Wall Street. Em seguida, comparou-a àquela auferida pelos CEOs das empresas da economia real.
O estudo revela, por exemplo, que o CEO mais bem pago da França, o brasileiro Carlos Ghosn, CEO da Renault, teria de trabalhar 208 anos (!) para igualar o que ganha o administrador de fundos mais bem pago de Wall Street – 1.5 bilhão de euros em apenas um ano!
Como observa o pesquisador sênior do estudo, essa distorção representa em certa medida a falência do capitalismo.* Isso porque é o dinheiro “gerado” em cima do dinheiro, em operações de pura especulação que nada produzem.
[*“Falência” do sistema, mesma expressão empregada pela autora americana do livro que comentei acima]
Resumo da reportagem que vi sobre o estudo:
Eles estão à frente dos fundos de investimento, os fundos que gerem centenas de bilhões de dólares depositados por investidores de todos os tipos. Seus ganhos são impressionantes. Em 2015, Jim Simons, chefe da Renaissance Technologies, estava no topo do pódio, com 1.5 bilhão de euros de receita. O mesmo que Ken Griffin, CEO da Citadel.
170.000 euros por hora
1.5 bilhão significa quatro milhões por dia, ou 170.000 euros por hora. Este salto dos administradores dos fundos os coloca bem à frente dos CEOs de empresas tradicionais. Carlos Ghosn, chefe da Renault, cuja remuneração causou polêmica, teria que trabalhar 208 anos para atingir o mesmo.
* * *
Desregulamentação, aumento da desigualdade e captura do Estado pelo 1%
Ninguém ignora o papel relevante do setor financeiro para o capitalismo, promovendo a reciclagem da poupança. No entanto, o seu inchaço atual - e dos seus ganhos -  é claramente uma distorção deletéria.
E o que é mais grave: esse inchaço não é conjuntural, mas sim estrutural. Vem crescendo desde a Reaganomics e do Thatcherismo, de mãos dadas com o aumento da concentração de renda e a captura do Estado pelo 1% rentista.
* * *
Parente e a venda da BR Distribuidora
Nada é por acaso.
No mesmo dia em que a Elaine me chama a atenção para a resenha, vejo que Pedro Parente diz que Petrobras recebeu ofertas pela BR Distribuidora. Como já observei em duas outras oportunidades, Pedro Parente, em sua sanha privatista, não se preocupa com o fragilíssimo fundamento político-jurídico que lhe garante essa “janela de oportunidade”. Ou seja, o golpe que mal completa 1 mês de usurpação interina.
Interina!
Aliás, já não sei se a pontuação que uso está adequada: exclamação pelo estarrecimento diante da desfaçatez ou interrogação com relação a um suposto “interinato”?
Sim, porque ou Parente prima pela cara de pau, e quer vender rápido enquanto ainda é tempo, ou já tem certeza de que o interinato de interino só tem o nome.
Decidam vocês.
De qualquer forma, notem que as apostas – e as jogadas que embasam são altíssimas.
* * *
Ninguém deve ser premiado pela própria torpeza
Sinto-me na obrigação profissional, quando não moral, de advertir os abutres assanhados sobre a temeridade de embarcar em tais jogadas colocadas sobre a mesa pelo golpe.
O direito internacional tem consagrado que só tem direito a proteção o investimento feito em boa-fé e com diligência por parte do investidor. Diante da grave incerteza jurídico-política que atravessa o Brasil, fartamente noticiada pela imprensa, inclusive estrangeira, qualquer investidor de boa-fé e diligente bem sabe que a venda dos ativos da Petrobras por Parente é no mínimo um mico e no máximo um negócio “arriscadíssimo”. Dessa forma, uma futura anulação, sem o pagamento de perdas, danos ou juros é a penalidade mínima a que se arriscam no momento em que o Estado de direito e a democracia forem finalmente restituídos ao país.
E não venham com a velha ameaça de percepção de “insegurança” pelo mercado e aumento do risco-país. Bem vemos hoje que essas duas faces da moeda financista são articuladas apenas para viabilizar jogadas e aumentar seus prêmios.
Novamente: nemo auditur propriam turpitudinem allegans
Ou: A ninguém é dado alegar a própria torpeza em seu proveito.
* * *
Biombo furado da dívida da Petrobras
Ainda sobre Parente, devo assinalar novamente que não se esforça nem para dar coerência entre sua sanha privatista e o biombo da dívida da Petrobras, que usa (muito mal) para disfarçá-la.
reportagem da Reuters relata que:
Segundo (Parente), a Petrobras deve acelerar seu processo de venda de ativos, cuja meta é de pouco mais de 14 bilhões de dólares em 2016, negociando campos petrolíferos, unidades de processamento de petróleo, termelétricas e outras operações de retorno mais baixo.
- Sem o desinvestimento, a Petrobras não conseguirá de forma adequada reduzir sua dívida de cerca de 130 bilhões de dólares (...).
Alguém se arrisca a explicar que redução “adequada” é essa de apenas 10% da dívida?
Essa parcela diminuta justifica vender ativos relevantes num momento (i) de depressão no mercado mundial do petróleo, (ii) de desvalorização dos ativos nacionais e (iii) do nosso câmbio, diante da crise político-econômica?
Quem conseguir justificar ganha um lote de postos de gasolina da BR na jogada vindoura!
* * *
Leveraged Buyout (aquisição alavancada) – curto vs. longo prazo
E o que tem a ver a financeirização excessiva, do início do post, com a venda dos ativos da Petrobras?
Tudo.
Essa venda de ativos há de ser viabilizada por operações de Leveraged Buyout (LBO), ou “aquisição alavancada”, em que (i) o comprador se alavanca para comprar a empresa-alvo, (ii) usa os ativos da empresa comprada como garantia dos empréstimos que contraiu para pagar a compra e (iii) repaga os credores com os dividendos futuros da empresa comprada - devidamente espremida com fechamento da custosa área de pesquisa e desenvolvimento (fatal para o futuro da empresa), demissões em massa, fechamento de unidades e corte de investimentos e custos de operação no limite da irresponsabilidade.
É a mágica de fazer uma compra bilionária sem colocar um centavo do próprio bolso!
É obvio que no curto prazo o retorno sobre o capital e os dividendos vão às alturas, já que o custo desaba enquanto a receita se mantém a mesma. Mas dali a 5 anos a empresa estará no CTI. Nada que importe para quem a comprou, como fundos de asset management, que não pensaram em ficar nela mais do que esses mesmos 5 anos. Nessa altura, já terão passado a empresa adiante por muito mais do que aquilo com que a compraram - devido ao ilusório aumento do retorno sobre o capital e consequente alta das ações no curto prazo.
Azar de quem compre tal empresa, sem futuro, bem como dos seus credores, aí incluídos trabalhadores.
Esse enfoque puramente financeiro das fusões e aquisições é tipicamente anglo-saxão. Fundos de Wall Street (Oi, Paulo Leme do Goldman Sachs!) e da City londrina fazem incursões em busca de empresas encrencadas* para tocar a "mágica" do corte de custos e aumento do retorno sobre o capital, almejando uma futura venda com lucro da empresa ora adquirida.
[*“encrencada”, no caso da Petrobras, deve ser usada com muuuuitas aspas. A encrenca é apenas discurso na boca dos leiloeiros e dos abutres assanhados]
* * *
Min. Barroso – novamente outra vez
Em tempo: a quantas anda a ação relatada pelo Min. Barroso, meu professor, acerca da reforma administrativa de 180° implementada pelo governo Temer desde o primeiro dia de interinato?
A guinada do governo interino inclui, fatalmente, a temerária venda (doação?) dos ativos da Petrobras numa conjuntura extremamente desfavorável.
Dirigi-me a Barroso já várias vezes neste blog. A mais recente delas ainda na semana passada. Alguns hão de ficar com a impressão de que pego no seu supremo pé.
É o contrário.
O Min. Barroso é quem tem pegado no pé de quem se opõe ao golpe e à lesa do Estado brasileiro pelos abutres.
Pois vejam se não:
Em evento neste fim de semana em Oxford – evento esse que divulguei inclusive aqui no blog – o Min. Barroso afirmou que “(a) Economia eles (os golpistas) trataram com a maior seriedade. Escolheram os melhores nomes que encontraram”.
* * *
Caso o Min. Barroso me honre com a leitura deste post, dirijo-lhe uma indagação. Em vista (i) do império da finança às custas da economia real e (ii) da sanha privatista do golpe – lesiva ao Estado – pergunto:
– Esses tais “melhores nomes” que o Sr. menciona... são melhores para quem, hein?
– E aproveitando a oportunidade: o Sr. imagina algum homólogo seu, membro de cortes constitucionais mundo afora, fazendo esse tipo de comentário? (Fonte: aqui).
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"... a quantas anda a ação relatada pelo Min. Barroso, meu professor, acerca da reforma administrativa de 180° implementada pelo governo Temer desde o primeiro dia de interinato?"
Indagação pertinente, a acima. Afinal, quais as notícias sobre a ação interposta pelo PDT questionando as radicais medidas administrativas postas em prática pelo governo INTERINO? Um vice presidente da República tem COMPETÊNCIA (na acepção jurídica) para, na condição de presidente INTERINO, fazer o que vem fazendo? Pelo visto, se a resposta à indagação em questão depender de cobrança a cargo da "mídia parceia", o silêncio se prolongará ad infinitum...

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