quinta-feira, 23 de junho de 2016

O HOMEM POLÍTICO BRASILEIRO


"Em 1831, Charles Darwin tinha 22 anos, acabava de se formar, e conseguiu um emprego de naturalista a bordo do “Beagle”, pequeno veleiro inglês que viajou pelo mundo até 1836. Foram quase cinco anos de ciência prática e viva, povoando um cérebro ágil e curioso, que jamais se fartava de ver, anotar e tentar compreender. Décadas depois, já famoso, Darwin publicou “Viagem de um naturalista ao redor do mundo”, obra-prima de argúcia, estranheza, fatos, dúvidas e achados. Por mais genial que fosse, jamais teria desenvolvido sua teoria da evolução sem essa longa viagem-pesquisa-vivência. Depois dela, restou pouco terreno no qual a pobreza de ideias pudesse fincar pé. A não ser entre os fanáticos.

            Um dos momentos cruciais dessa viagem e do pensamento científico moderno foi quando encontrou, boiando no mar, quantidades imensas de minúsculos seres vivos, amontoados em colônias de centenas de quilômetros quadrados. Bilhões de indivíduos? Trilhões? Quatrilhões? Impossível saber. E com que finalidade? Nenhuma, deduziu ele, a não ser comer, crescer, se reproduzir, morrer – e talvez evoluir. Mas o que o deixou espantado e perplexo foi o desperdício, a prodigalidade com que a natureza criava e destruía seres vivos. Como se houvesse um prazer secreto (e sádico) nesse inesgotável, interminável e constante ato de destruição.
BIOLOGIA COMO ENSAIO DE POLÍTICA
            A política é o instrumento mais utilizado pelos poderosos, em qualquer regime ou país, para se apropriarem da riqueza produzida pelo restante da população. Thorstein Veblen (1857-1929), um dos sociólogos mais lúcidos que já existiram, foi cruel: “As funções governamentais constituem uma função predadora, que consiste no exercício do controle e da coação sobre a população, da qual extorquem seus meios de subsistência”. Trocando em miúdos, os governantes são aqueles que exercem o poder contra a (e não a favor da) população. São escolhidos pelas facções mais poderosas da sociedade, com as quais partilham a riqueza e os bens do restante do povo. Em nome do povo, mas para si, tomam posse do que é valioso. Se o povo chiar, botam a polícia em cima dele. Cadeia, cassetete e frequentemente morte são meios eficientes de demonstrar quem está mandando. E usufruindo.
            Os políticos profissionais, herdeiros ou agregados de famílias poderosas e sem escrúpulos, sabem disso melhor do que ninguém. É através dos “políticos” que o poder se transmite e se eterniza, pelo controle do executivo, do legislativo, do judiciário – e da mídia, sem contar a discreta burocracia, que também se eterniza. Para os adventícios, para os que chegam do nada e de mãos vazias, existem duas alternativas: ou se tornam agregados – e se refestelam – ou se rebelam, tornando-se aves de voo curto, sempre abatidas quando exageram em sua rebelião contra o poder.
BIOLOGIA E POLÍTICA
            É bastante natural que, no oceano da espécie humana, como seus bilhões de indivíduos, surjam sempre os mais espertos, astutos, simpáticos e teatrais. Como nas colônias de Darwin, que sobreviviam unidas, devorando seres menores e sendo devoradas por seres maiores, entre os humanos o canibalismo é intenso, com os mais poderosos devorando impiedosamente os mais fracos e desprotegidos. Se o desperdício de seres marinhos assustou Darwin, o desperdício de seres humanos também assusta. Mas o homem tem uma grande “vantagem”. Como domina quase completamente (sic) a natureza, está pouco exposto aos dentes das cobras, dos leopardos e até do lobo, pobre indivíduo em extinção. Para cada humano livre da dengue, quaquilhões de mosquitos são envenenados.
Para cada sorriso sem cárie, pentelhares de bactérias viram pó. Claro: somos humanos e temos de nos defender. Do contrário teríamos baratas autoconvidadas para o café da manhã. Ratos sentados à mesa, empunhando garfo e faca, para o almoço. Formigas dividindo conosco os doces da sobremesa. E finalmente, à noite, morcegos e pernilongos repartindo com nossas moléculas o sangue. Na guerra de foice que é a natureza, alguém tem de pagar o pato. Se as espécies são diferentes, que morram as outras. Se a espécie é a mesma – no caso a humana – que morram os mais fracos, mais ignorantes e mais indefesos. (Tudo isso, naturalmente, se a voracidade dos poderosos e de seus agregados não destruir a Terra e tudo o que existe nela.)
UM POUCO DE ANARQUISMO, MEU BEM
            Sendo utopista nato, fico imaginando um mundo sem políticos profissionais, qualquer que seja o disfarce sob o qual se apresentem. Claro que nem todos os políticos são profissionais. Alguns, muito poucos, têm escrúpulos, não sendo geneticamente predadores. Alguns, também muito poucos, pensam mais do que insetos. Mas não seria ótimo um país sem políticos profissionais, governado pelos movimentos sociais, pelas ruas, pelo grito das multidões? Poderia não ser maravilhoso e tornar-se bastante caótico. Mas pelo menos seria bem mais divertido, imprevisível e, sem dúvida, mais humano.
            Nota final de desesperança. Diante do interinato que nos atormenta e nos leva a quase desistir deste país, vale repetir que a exceção continua confirmando a regra. A exceção, no caso brasileiro, é o governo Lula-Dilma. Se não der certo (ainda tem muita água para rolar), a culpa não é deles, mas do político-profissional-predador-clássico que, com mão de gato, tenta recuperar o poder para os secularmente poderosos."





(De Sebastião Nunes, post intitulado "Breve divagação darwinista e pessimista sobre o 'homem político brasileiro", publicado no Jornal GGN - Aqui).

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