sexta-feira, 17 de junho de 2016

ESQUEÇAM O QUE ESCREVI


"Em palestra no dia 8 de Junho 2016 na Universidade de Brasília, o ministro Luiz Roberto Barroso defendeu a não interferência do STF no mérito do processo de impeachment contra a Presidenta Dilma.
Nas palavras do ministro:

“O impeachment depende de crime de responsabilidade. Mas, no presidencialismo brasileiro, se você procurar com lupa, é quase impossível não encontrar algum tipo de infração pelo menos de natureza orçamentária. Portanto, o impeachment acaba sendo, na verdade, a invocação do crime de responsabilidade, que você sempre vai achar, mais a perda de sustentação política”.
Após muitas repercussões negativas, teve que soltar uma emenda que parece, saiu pior que o soneto dizendo que:
... durante a palestra na UnB, aceitou fazer um exercício jurídico com os alunos para, sem defender ou acusar Dilma, esclarecer o motivo pelo qual o STF não pode ser o árbitro no processo contra ela no Senado por se tratar, em última análise, de uma escolha política. 
Premissa do ministro: no nosso sistema presidencialista você sempre vai achar um crime orçamentário qualquer relacionado ao Presidente da República.
Onde segue seu argumento: já que o crime sempre existirá, o que determinará um processo de impeachment no presidencialismo brasileiro passa a ser, de fato, a perda da sustentação política.
E se aventura às conclusões aos alunos de direito da Universidade:
Conclusão 1: O impeachment se trataria de uma escolha política, portanto.
Conclusão 2: Assim, o STF não pode ser o árbitro do processo.
Acontece que a premissa já se mostrou falsa com o andar da carruagem de abóbora do golpe. Na abertura do processo de impeachment a tipificação do crime é um embuste. Sinais disto são as discussões na comissão do impeachment sobre esta questão sendo que o correto seria discutir se a presidenta deveria ser afastada ou não pelo crime porventura cometido. E os sinais são claros de que no escopo dos trabalhos da comissão não se entrará neste mérito.
Logo, afirmar que crime sempre existirá bastando para isto o uso de uma lupa, pode até ser verdadeiro, mas não se pode estender esta afirmação para o processo específico e mal feito de Reale Júnior e sua pupila estrambelhada. Ou a lupa dos golpistas estava embaçada ou achar crime orçamentário não é tão simples assim, ou, o mais óbvio: até que não se encontre, não se pode afirmar que houve. Muito menos, dizê-lo que sempre o há. Ainda mais dito por quem deveria cuidar bem das evidências. Fantasmas podem muito bem existir, senhor Barroso. Eu mesmo tenho a predisposição de neles acreditar. Desde que me mostrem um.
Sobre o argumento: se a premissa já é falsa, e encontrar o crime é condição sine qua non para abertura do processo, logo, perder sustentação política não nos dá a condição constitucional (para ele isto é implícito) de processo de abertura de impeachment.
Se a premissa é um desastre e os argumentos pior ainda, então sua conclusão fica invariavelmente comprometida.
O processo de abertura não conseguiu tipificar o crime. Logo, inconstitucional. E sendo inconstitucional, ao ser provocado, o STF deveria sim, se manifestar defendendo a constituição brasileira. Afinal, nós o pagamos, e bem, para isto.
Barroso, claramente, tentou se esquivar de sua responsabilidade e preferiu, de forma deselegante, declarar antecipada e abertamente seu parecer caso o STF fosse provocado. Lembrando que optei pela palavra 'deselegante' por ter certeza de que irritará mais o nobre ministro do que a palavra 'ilegal'. Afinal, o nobre ministro Barroso já deu sinais claros de conferir uma certa preferência à forma e deixar de escanteio o conteúdo.   
E nunca é demais lembrar o que o ministro afirmou à página 87 na ADPF 378 ao proferir seu voto vencedor no rito do impeachment:
“A indicação da tipicidade é pressuposto da autorização de processamento, na medida em que não haveria justa causa na tentativa de responsabilização do Presidente da República fora das hipóteses prévia e taxativamente estabelecidas. Se assim não fosse, o processamento e o julgamento teriam contornos exclusivamente políticos e, do ponto de vista prático, equivaleria à moção de desconfiança que, embora tenha sua relevância própria no seio parlamentarista, não se conforma com o modelo presidencialista... "
Data vênia, dirá Barroso:
- esqueçam o que eu escrevi.
FHC mandou lembranças."






(De Janduí Tupinambás, no Jornal GGN, post intitulado "Barroso entra para o grupo dos 'Esqueçam o que eu escrevi'" - aqui.

O ministro Barroso, ciente - ou até incomodado com isso - da inarredável missão do STF de funcionar como Guardião da Constituição, obrigação prevista no artigo 102 da Constituição, se apressa em desvencilhar-se do ônus, escorando-se em argumento para lá de questionável. Outros ministros certamente se juntam a ele...

De qualquer modo, vai ser interessante saber, se vier a ser o caso, como será avaliada pela História a postura de ministros da Suprema Corte que deliberadamente - até em face de preferências políticas pessoais - tenham lavado as mãos relativamente ao mérito do impeachment, violentando, por omissão, a Carta Magna). 

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