Latim que presta: requiem aeternam missa pro defunctis
Por Romulus
O post “Latim gasto em vão: STF goste ou não, golpe está tatuado na testa de seus Ministros”, se dificilmente provocará um estalo na consciência do destinatário principal, ao menos proporcionou mais um manifestação da minha comentarista bissexta favorita.
Já mencionei o quanto o comentário anterior da Professora Maria Montes, cientista política, me tocou. Reproduzi ele no post “Recados (2): de Maria Montes para ‘Romulus'”. Recomendo fortemente a sua leitura. Quem ler o novo comentário de sua autoria, que vai abaixo, certamente irá lá ler o original.
Aliás, adivinhem o que tem no link dessa passagem do post de ontem:
Devo confessar que agradeço aos golpistas por esse efeito colateral do seu atrevimento e da sua conspiração. O retorno que tenho neste blog tem sido das coisas mais gratificantes na minha vida atualmente.
Sim. O link do tal “retorno gratificante” leva, como não poderia deixar de ser, ao comentário de Maria Montes de 19/4. Ela o fez após ler o post “Reflexão sobre a coletiva de Dilma: o “Novo” enterrará o “Velho”?”.
Por coincidência, há algumas semanas soube que esse mesmo post teve outra leitora ilustre: não outra que a sua destinatária principal, a Presidente Dilma Rousseff.
Mais do que ficar envaidecido em ter sido prestigiado por essas duas distintas leitoras, fico é tocado e agradecido.
Em vez de vaidade o que vem é humildade.
Tenho algo a acrescentar com relação ao comentário de hoje de Maria Montes, que vocês lerão mais adiante. Ela diz:
Você é duro e quase cruel em suas palavras, que não deixam escapar nenhum aspecto dos atos, pessoais ou de significado histórico, a que ele (Barroso) se entregou, em uma análise dolorosa e, no entanto, inescapavelmente verdadeira.
Saibam que escrever esse post também foi muito doloroso para mim. Quem lê o blog e, mesmo antes dele, meus comentários às postagens do Nassif bem sabe que eu sempre nutri – em mim mas também nos outros! – a esperança de que, caso tudo mais falhasse, o STF analisaria o mérito do impeachment.
Costumava ir além: inúmeras vezes dei o benefício da dúvida quando Ministros da Corte davam passos em falso. Pois Barroso, mais do que nenhum outro, foi por mim poupado de críticas mais pesadas por acreditar que ele, de caráter político e conciliador, dava anéis para preservar dedos no pleno.
Enganei-me.
Qual foi o dedo que ele preservou?
Talvez apenas o dedo indicador, que lhe permite apontar pecados nas demais instituições, mas não na sua.
Vejo que mereci todas as críticas e advertências de comentaristas quando diziam que me enganava quanto ao STF e quanto a Barroso em particular.
Aliás, ontem um ativista ficou amuado e disse no Twitter, após ler o post, que “não adianta criticar por criticar”. Esse ativista é responsável pelo movimento de envio de petições pedindo audiência pública no STF sobre a possibilidade de exame do mérito do impeachment na Corte. Entendo, portanto, que se incomode com a minha crítica aberta à Corte. Mas certamente diz que “critiquei por criticar” por apenas recentemente ter começado a ler meus posts. Os demais leitores certamente sabem que o post “Latim gasto em vão...” é, na verdade, eu dando a minha mão à palmatória e admitindo que errei profundamente em várias das minhas avaliações nos últimos meses.
O ativista, no tuite em que me critica, linkou um artigo de juristas defendendo o exame do mérito no STF. Se tivesse checado meu blog com mais atenção, veria que não apenas publiquei o artigo que ele linkou, como também outros seis que chegam, por vias diferentes, ao mesmo destino. Publiquei artigo até mesmo de estrangeiros, como o Professor Catedrático de Coimbra Vital Moreira, a quem tive o prazer de conhecer pessoalmente.
Não só concordo com a tese do exame pelo STF, como – ao que me consta – fui a primeira pessoa a escrever um post ou artigo com fundamentos jurídicos para o mesmo. Fiz isso em 6/4, em resposta ao post “Por que o Supremo precisa analisar o mérito do impeachment”, do Nassif. Nele, Nassif comenta criticamente a entrevista que fizera com a então Procuradora Flávia Piovesan sobre o tema.
Flávia afirmou então categoricamente que não haveria possibilidade de exame – em qualquer grau – pelo STF. Certamente naquele momento ainda falava como parte desinteressada, não?
Diante do acanhamento da comunidade jurídica em geral, vi-me compelido a escrever algo. Fiz isso mesmo não sendo constitucionalista, como ressalvo no post. Hoje relativizo essa minha preocupação.
Pois me digam: de que adianta ter o selo “constitucionalista” quando os que o têm – como oMinistro Barroso, o Presidente interino Temer e a própria Secretária Nacional de Direitos Humanos Flávia Piovesan – rasgam sem nenhuma ou com pouco vergonha a Constituição – que supostamente respeitariam a ponto de lecionar a disciplina que a estuda?
Penso agora que talvez pouco adiante o conhecimento profundíssimo se há limitações de ordem moral em quem os aplica, não é mesmo?
Com relação ao movimento de envio de petições ao STF, não apenas o apoio como o tenho divulgado quase todo dia no Twitter. Cobro, inclusive, meus seguidores a respeito do seu envio. O tal ativista bem o sabe e com frequência agradece.
Devo dizer que continuo apoiando e divulgando a iniciativa. Não porque acredite que o STF analisará o mérito, mas porque acredito no valor de uma audiência pública e desse debate para fins históricos, pensando nas futuras gerações e nas decisões que farão sobre o modelo institucional brasileiro. Como disse ontem, “golpista” está carimbado na testa de vários Ministros do STF.
Todos os esforços para tirar o pó de arroz que alguns – como Barroso – têm aplicado na fronte para disfarçar a tatuagem é válido nessa dimensão histórica. Por isso, continuo apoiando – talvez até com mais afinco – as petições e a audiência pública.
* * *
Como disse em resposta ao comentário de hoje da Professora Maria Montes, esperarei pacientemente pelo próximo.
Rezando que se dê em circunstâncias melhores, contudo.
Devo registrar, por fim, cara Professora Maria, que invejo profundamente os seus ex-alunos da USP. Pois perder os ídolos é um processo bastante doloroso, pelo qual, diferentemente de mim, eles não passarão.
* * *
Vamos então ao latim que presta. Trata-se de um réquiem cantado para alguém ainda em vida:
Caro Romulus,
Depois de ler seu artigo impecável, brilhante e doloroso, ocorreu-me que, por mais que o Ministro Barroso hoje o (nos) decepcione, aquele que foi seu professor poderia justificar-se perante a História, senão por outra coisa, ao menos pelo fato de ter formado um discípulo como você. São aquelas lições então aprendidas que sustentam hoje sua justa indignação contra a pessoa em que seu mestre se transformou.
Não gostaria de estar na pele do Ministro do STF ao ler seu artigo. Fui professora da USP durante mais de 30 anos e sei do que falo.
Tal como no seu caso, a tentativa de prisão do ex-presidente Lula, no episódio da famigerada "condução coercitiva", foi o que, frente à perspectiva aterrorizante de voltar a viver 1964, que então claramente se delineava, me fez tomar consciência de que não poderia omitir-me. Detesto as conversas de comadre que ocupam grande parte das postagens do Facebook, mas mesmo assim decidi que era preciso, vez ou outra, compartilhar com outras pessoas alguns artigos publicados nos blogs, inclusive no GGN, que pudessem ajudar a compreender a tragédia em curso.
Sem sua competência e brilho para analisar por conta própria a vertiginosa sucessão do horror que se precipitou desde então - apesar de ter lecionado Ciência Política por 15 anos - era pelo menos o mínimo que eu poderia e deveria fazer. Para minha surpresa, foram sobretudo ex-alunos meus, inclusive mestrandos e doutorandos de Antropologia, que também lecionei, os que compartilharam essas postagens, ao mesmo tempo em que me dirigiam palavras de carinho e gratidão, ainda reconhecendo na antiga professora, hoje distante dos debates acadêmicos, algum ensinamento que lhes transmiti e que incorporaram para si mesmos, como princípio de vida.
Como os comentários entusiasmados que você recebe a cada nova publicação de suas análises, também para mim essas modestas expressões de reconhecimento foram o que de mais gratificante experimentei nestes tempos difíceis, na certeza de que parte de minha missão fora cumprida, ao deixar sementes que hoje dão frutos, como caminhos de luz e de esperança de futuro.
Chego a ter pena do Exmo. Sr. Ministro do Supremo por haver-se voluntariamente privado dessa alegria. No entanto, apesar dele - e contra ele - é você que nos mostra o que poderia ter sido e não foi, ou deixou de ser, seu mestre, o professor Barroso.
Você é duro e quase cruel em suas palavras, que não deixam escapar nenhum aspecto dos atos, pessoais ou de significado histórico, a que ele se entregou, em uma análise dolorosa e, no entanto, inescapavelmente verdadeira.
Obrigada por nos mostrar, mesmo na contraluz, o espectro de quem foi um dia um grande ser humano, um grande jurista e um grande professor. Receba nas minhas palavras uma expressão do meu respeito e admiração por sua lucidez e coragem. (Fonte: aqui).
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