Estavam lá Summer Redstone, dono do império Viacom (MTV e Estúdios Paramount), Rubert Murdoch (News Corporation, rede Fox, 20th Centrury Fox, rede de TV Star na Ásia e jornais The Times e The Sun), presidente da Walt Disney Co. Robert Iger, presidente da MGM Alex Yemenidijian, o chefe da Warner Bros. Television Tom Rothman. Além de diretores, atores de Hollywood e roteiristas.
Depois de uma reunião de 90 minutos foi criada uma agenda para Hollywood projetada para os próximos 20 anos: linhas gerais de criação de conteúdos (narrativas, temas, personagens etc.) buscando transformar TV e Cinema em braço dos esforços de propaganda de guerra.
Um dos resultados práticos foi a intensificação da exibição de franquias dos super-heróis da Marvel Comics e DC Comics como Homem Aranha, Batman, Os Vingadores, Homem de Ferro (no filme de estreia o protagonista Tony Stark é sequestrado por terroristas no Afeganistão), X-Men, entre outros.
Um divisor de águas: se na Guerra Fria foram os gibis da galeria de personagens de Walt Disney e as animações dos estúdios Hanna-Barbera que foram convocados como ferramenta ideológica para impor a inevitabilidade do capitalismo e do american way of life, principalmente para o quintal geopolítico da América do Sul, agora são as franquias cinematográficas dos super-heróis Marvel e DC Comics.
Porém, através de uma ferramenta mais sofisticada do que aquele da velha doutrinação ideológica da Guerra Fria: o neurocinema – o universo expandido dos super-heróis é convocado para que a percepção da opinião pública dos países alvos de guerra híbridas (“revoluções coloridas”) seja moldada não por valores explícitos de propaganda americana – mas pela amoralidade subliminar dos super-heróis aplicada à suposta solução para a corrupção e ingovernabilidade.
A décima quarta versão da franquia, Batman (The Batman, 2022), de Matt Reeves (Planeta dos Macacos: A Guerra, Cloverfield: Monstro), é mais uma reinicialização do super-herói dos quadrinhos. E é dentro desse contexto descrito acima que deve ser interpretado essa nova encarnação do cavaleiro das trevas, agora interpretado pelo “crepuscular” Robert Pattinson – transpirando machismo violento visceral e uma raiva mal controlada que marcam a própria natureza do herói mascarado.
Se o Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan fez uma abordagem em questões metafísicas e amplas (caos versus ordem, segurança versus terrorismo etc.), Batman de Reeves dá continuidade a essa tensão dramática, transformado o supervilão Charada basicamente num clone do Coringa de Health Ledger, mas sem a maquiagem borrada e sem o jogo das decisões de alto risco sobre quem vive e quem tem que morrer.
Na verdade, o Charada de Reeves é a fusão de influências de serial-killers de filmes como Se7en(1995), Jogos Mortais (2004) ou Zodíaco (2007). Vindo diretamente das profundezas da Dark Web, como um Incel (grupo de celibatários involuntários) branco obcecado pela sua visibilidade e buscando a atenção dos seus seguidores online – um arquétipo para o moderno teórico da conspiração QAnon que turbinou o fenômeno alt-rightpelo planeta, na trilha das revoluções coloridas.
É difícil não ver em Batman uma correlação direta com a escalada de eventos que culminaram com a invasão do Capitólio nos EUA após o resultado das eleições à presidência em 2021 e o solapamento das democracias liberais marcadas pela polarização por rejeição, pulverizando a possibilidade de um consenso pela aceitação.
Como veremos, Batman é uma sofisticada forma de propaganda mais do que subliminar, mas neurocientífica: apesar de Batman pedir que não busquemos a justiça ao invés da violência, conter o nosso desejo por sangue e buscar mudanças por meio da nossa humanidade comum, a mensagem é ambígua: se o Coringa de Nolan era a contraparte de Batman, o Charada de Reeves é um efeito copycat do herói mascarado - Batman é ameaçador e desequilibrado e suas ações parecem inspirar imitadores do terrorismo vigilante. Como Charada e seus seguidores Incels.
Trocando em miúdos, uma forma de propaganda indireta que mostra aquilo que pretende negar – um dos axiomas da midiologia: é impossível negar mostrando o objeto da própria negação.
Batman tenta mostrar que é diferente do monstro que criou, ao abandonar a brutalidade para se concentrar em resgatar vítimas. Mas ambos partilham do mesmo discurso moralista da corrupção de Gotham City: das famílias fundadoras da cidade aos políticos e seu sistema eleitoral, todos são corruptos, não restando ao povo de Gotham senão o ressentimento, a revolta e o terror.
No fundo, Batman revela a engenharia social que alimenta toda revolução popular híbridas (RPH) das revoluções coloridas que pariram a alt-right internacional. Afinal, como o própria Batman fala a certa altura, “o medo é uma ferramenta” para depois se autodefinir como “A Vingança”.
O Filme
Todas os principais elementos da franquia Batman estão lá: o Batmóvel, a robusta armadura e capa de Batman, os incríveis gadgets com a cortesia do mordomo Alfred. E, claro, o herói encapuzado taciturno, atormentado, buscando seu próprio senso de justiça noturna em uma Gotham City que está entrando numa espiral de miséria e decadência.
Mas nas mãos de Reeve, tudo parece incrivelmente vivo e novo. Consegue reiniciar um conto familiar dando tons épicos e até mesmo operístico. Isso porque Reeves sincroniza Batman com o espírito do tempo notabilizado pelo filme Coringa (Joker, 2019) - reflete a atual onda de ódio e ressentimento articulados pela Deep Web, fóruns e chans na Internet e pelo populismo de direita.
Batman é um vigilante que trabalha em cooperação com a polícia, que projeta um sinal de morcego no céu, com uma luz brilhante, como um chamado para ele e um aviso aos malfeitores que o antecipam. Em uma plataforma de metrô, uma gangue de jovens malfeitores, maquiados e vestidos ao estilo Coringa, estão agredindo um homem asiático. Para depois serem tomados pelo medo com a violenta intervenção de Batman, implorando ao encapuzado para não serem machucados. Batman descreve seu papel desconfortável como vingador – na verdade, ele diz ser a própria Vingança.
Mais adiante, uma tragédia sacode a cidade: o Charada (Paul Dano) assassina horrivelmente o prefeito de Gotham e cola no corpo da vítima um cartão de felicitações para o Batman e pistas para suas motivações e para sua próxima vítima – além da conspiração que ele descobriu nos bastidores políticos de Gotham e os perpetradores que ele está mirando.
Ao provocar o Batman, o Charada também está fazendo dele um aliado involuntário, forçando-o a se juntar à mesma luta e informando-o da verdade subjacente e toda a hipocrisia que existe em Gotham, sobre a ordem social que o homem mascarado vingador se dedica a defender e preservar. O Charada descobriu que muitos dos funcionários da cidade, particularmente aqueles envolvidos na aplicação das leis, estão na lista de pagamentos de gângsteres; suas decisões judiciais estão inevitavelmente maculadas pela auto-negociação envolvendo políticos, policiais e mafiosos.
Batman é atraído ainda mais para a conspiração emaranhada quando acidentalmente encontra outra vingadora mascarada, Mulher-Gato (Zoë Kravitz), que trabalha em uma boate dirigida por um gângster chamado Oz, que é apelidado de Pinguim (Colin Farrell), e frequentado por outros criminosos, como um mafioso chamado Carmine Falcone (John Turturro), e funcionários corruptos.
Quando sua colega de quarto e amante, Annika Koslov (a quem o Charada vinculou à conspiração) desaparece, Batman a ajuda a investigar e, em troca, ela o ajuda a desvendar a teia de corrupção que o Charada descobriu, além de capturar o próprio Charada.
Enquanto isso, Batman está trabalhando em estreita colaboração com um detetive de polícia chamado Jim Gordon (Jeffrey Wright) que, ao colaborar na busca do Charada, está jogando o perigoso jogo de desmascarar colegas e superiores corruptos.
O “mind set” dos super-heróis
Mas todos esses elementos seriam pura superfície de pipoca e entretenimento se não significassem algo mais do que a soma das partes: Batman de Reeves tem muito mais a dizer do que as extravagâncias de um blockbuster de capa e capuz – são as mensagens políticas propositalmente ambíguas e confusas sobre divisão política e polarização niilista que corrói o sistema político representativo.
A mensagem-chave de Batman é a ingovernabilidade, arma atual da guerra híbrida do Departamento de Estado norte-americano para desestabilizar países do Oriente Médio e dos BRICS, em particular o seu elo mais fraco: o Brasil. A intensificação das franquias Marvel ou DC Comics na telona é mais um capítulo da atual Agenda Hollywood descrita acima.
No século XXI a mitologia dos super-herois não é mais explorada como propaganda explícita de valores norte-americanos, mas como mind set, neurocinema – a criação de um novo modelo cognitivo de percepção da opinião pública em relação aos impasses e mazelas políticas e econômicas internas de cada país alvo do xadrez geopolítico dos EUA.
A aplicação do modelo cognitivo do super-herói como expressão de problemas e soluções possui evidentes implicações ideológicas: a amoralidade política. Assim como os super-herois são capazes de enfrentar seus inimigos destruindo cidades inteiras (desprezando baixas civis inocentes como “efeitos colaterais” na busca da Justiça), da mesma forma a busca de super-heróis nacionais implica em colocar abaixo o Estado de Direito e a Constituição como fosse também um inevitável “efeito colateral” da luta contra governos corruptos.
O filme retrata uma Gotham suja, sombria, doente e decadente, cujo salvação está nas mãos de um bilionário em uma fantasia de morcego que arrebenta cabeças de criminosos atingidos pela pobreza. Se Batman quer ajudar o povo, por que ele não doa sua vasta fortuna?
Essa pergunta pode parecer clichê, mas por trás dela está uma questão fundamental que o discurso moralizante da corrupção tenta ocultar: o sistema de reprodução da desigualdade e luta de classes, no qual a fortuna de Batman e da família Wayne são peças fundamentais do sistema.
Coringa é um monstro criado por imitação pelo próprio vigilante mascarado que paira acima das instituições: ele invade as cenas de crime sem pedir licença aos policiais, ele próprio investiga, julga e decreta a sentença – lembrando um juiz e uma operação judicial-policial que destruíram o sistema político-representativo (além da economia) brasileiro.
Por isso, desde o início, Batman sempre foi um herói problemático: é um garoto rico protegido, distante das ruas de Gotham e que quer esmagar pequenos criminosos, e não os CEOs corruptos e sistemas econômicos injustos – ele acredita que tudo se trata de escolhas individuais.
Charada é o efeito copycat da amoralidade de Batman, porém mostrando para o herói mascarado que o sistema que ele defenda é ainda mais corrupto e decadente cuja única solução é o terror para produzir a vantagem tática da ingovernabilidade e o caos.
Esse é o mind set que produziu as RPH que pavimentaram as revoluções coloridas pelo planeta.
Não é à toa que no Brasil, em meio aos protestos contra tarifas de ônibus, Copa do Mundo e, no final, contra o próprio governo Dilma, víamos nas ruas manifestantes fantasiados de Batman, Hulk e outros super-heróis.
Cujo mind set gerou um país política-economicamente decadente perfeito para o quintal geopolítico dos EUA. - (Fonte: Cinegnose - Aqui).
Ficha Técnica
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Título: Batman |
Diretor: Matt Reeves |
Roteiro: Matt Reeves, Peter Craig, Bill Finger |
Elenco: Robert Pattinson, Zöe Kravitz, Jeffrey Wright, Colin Farrell, Paul Dano, John Torturro, Andy Serkis |
Produção: Warner Bros., DC Entertainment |
Distribuição: Warner Bros. Pictures |
Ano: 2022 |
País: EUA |
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