segunda-feira, 25 de abril de 2022

EU QUE AMAVA TANTO O CINEMA, O LIVRO

.
"...Em pequenos capítulos com sabor de crônica, muitas vezes hilariantes, Marcelo relembra um assalto, o ataque de um animal misterioso ao escritório da equipe, uma visita incógnita de Roberto e Lily Marinho ao Estação Botafogo; evoca episódios insólitos ocorridos nas salas de cinema e nos banheiros, figuras folclóricas da cinefilia carioca, encontros notáveis em festivais internacionais."


Por Carlos Alberto Mattos

Marcelo França Mendes saiu na frente no relato de uma história do maior interesse da cultura carioca – e por que não brasileira? – nas últimas quatro décadas. A trajetória do Circuito Estação pode ser contada sob perspectivas diversas pelos seus diferentes sócio-fundadores. A de Marcelo é uma delas, bastante pessoal, mas informada por sua inserção visceral nas funções de programador, diretor executivo, empreendedor e até engenheiro amador durante 30 anos.

 Eu que Amava Tanto o Cinema (editora Cobogó, 335 pág.) seduz o leitor já na largada com um panorama da cultura cinéfila e seus desdobramentos nos anos 1980, quando Marcelo, Adhemar Oliveira, Adriana Rattes, Ilda Santiago e Nelson Krumholz se lançaram na aventura de pegar o decadente cine Coper e criar uma forma nova de oferta cinematográfica no Rio de Janeiro. Alguma coisa que unisse a tradição cineclubística com o empreendimento comercial.

Para quem, como eu, vivenciou aqueles dias do lado de fora do balcão, é fascinante conhecer em detalhes o que acontecia do outro lado. Marcelo conta com riqueza de detalhes e muito humor os passos iniciais da jornada, com poucos recursos, muita intuição e uma paixão fervorosa pela cinefilia deles e dos outros.

Quem se lembra, por exemplo, que naquela pequena galeria da Rua Voluntários da Pátria onde hoje é o Estação Net Botafogo havia um cabeleireiro, uma loja de venda de ouro, outra de objetos de decoração e o bar do Seu Miguel? Ou que o falecido crítico Rogério Durst tinha sido baleiro do cinema? Quem jamais soube que o mítico gato Murnau, que frequentava mansamente as sessões, era na verdade uma gata e se chamava Pantera? Quem algum dia desconfiou que Adriana e Nelson tinham sido namorados na era pré-Estação?

O livro evolui assim, transitando entre as memórias pessoais, os detalhes curiosos e a descrição da trajetória empresarial. Vai conectando os fatos com os filmes, mostras, festivais, viagens, relações com a clientela cinéfila e, sobretudo, a luta cotidiana para superar obstáculos, fazer muito com pouco dinheiro e expandir o sonho para outros pontos da cidade e fora dela. O projeto do Estação Mandela é um desses sonhos que acabaram se transformando em pesadelos.

Neto do dono das memoráveis balas Ruth – aquelas com figurinhas dos anos 1950 –, Marcelo é vocacionado para o empreendedorismo, o que nem sempre significa sucesso, podendo também implicar o risco e eventualmente o equívoco. No livro, ele não se furta a assumir sua parcela de responsabilidade por algumas iniciativas que redundaram em fracasso e levaram o Estação a algumas crises sérias. Mas reivindica sempre a falta de outra saída para enfrentar o endividamento e a falência que várias vezes rondou o circuito. Não mede palavras para expor o seu ponto de vista nas circunstâncias que o retiraram, primeiro, da equipe do Festival do Rio em 2011, depois da própria empresa em 2015. Resguarda, contudo, uma menção de respeito e admiração pelos colegas que deixou para trás.

Vale ressaltar que, apesar de doce-amargo, o tom predominante no livro é o prazer de reviver as memórias de um tempo efusivo, marcado pelo companheirismo e a audácia. Em pequenos capítulos com sabor de crônica, muitas vezes hilariantes, Marcelo relembra um assalto, o ataque de um animal misterioso ao escritório da equipe, uma visita incógnita de Roberto e Lily Marinho ao Estação Botafogo; evoca episódios insólitos ocorridos nas salas de cinema e nos banheiros, figuras folclóricas da cinefilia carioca, encontros notáveis em festivais internacionais.

A escrita é fluente e extremamente agradável, mesmo quando envereda pelo cipoal das finanças e da logística. Temos ali o perfil memorialístico de um fã de cinema que batalhou, acertou e errou no afã de estender seu entusiasmo a quantos pudesse contagiar. Em algumas ocasiões, eu mesmo conheci o seu temperamento difícil, que ele mesmo admite. Mas também admiro sua criatividade e seu empenho, tendo compartilhado com ele momentos de convergência e cumplicidade, como na edição do catálogo do primeiro Festival do Rio e no seu projeto da Escola Permanente de Cinema.


Mais importante que tudo isso, tínhamos em comum a paixão por Nastassja Kinski nos anos 1980. Eu não fui sortudo a ponto de ter o ombro dela esbarrando no meu braço, como aconteceu com ele no Festival de Berlim. Mas levo a vantagem extraordinária de ter tirado uma foto da diva no Festival de Moscou e colhido um autógrafo com um PS que me deixou sem dormir por uma semana.  -  (Fonte: Blog Carmattos Aqui).

Nenhum comentário: