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LIBELO CONTRA A CENSURA
"O fato é que o misto de intolerância e ignorância expelido pelo governo de extrema-direita encontrou eco em parcela da sociedade que desconhece as fronteiras entre arte e realidade."
Nos créditos finais de Quem Tem Medo? consta uma lista impressionante de dezenas de artistas, obras e eventos censurados no Brasil desde 2019. Foram mais de 130 trabalhos vetados ao público. Esse documentário se dispõe a inventariar alguns deles.
Dellani Lima (que teve uma grande retrospectiva online no MAM-Rio no mês passado), coadjuvado na direção por Ricardo Alves Jr. e Henrique Zanoni, fez o serviço de uma maneira objetiva, sem rodeios. Pinçou diatribes esganiçadas de políticos ultraconservadores contra esses projetos culturais e contrapôs os artistas expondo serenamente as razões de suas obras e comentando os efeitos da censura sobre sua criação.
Um deles é Wagner Schwartz, linchado virtualmente porque uma criança (acompanhada da mãe) tocou o seu pé enquanto ele simulava, com o corpo despido, uma escultura Bicho de Lygia Clark. Outro é a atriz e dramaturga trans Renata Carvalho, que teve censurada a peça O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, onde ela representava um Cristo transgênero. Outro ainda é Biaggio Pecorelli, autor da peça Res Pública 2023, proibida pelo protofascista Roberto Alvim ainda na Funarte por tratar de um Führer brasileiro na presidência.
A censura nem sempre vem dos poderes instituídos. O ator potiguar José Neto Barbosa foi agredido no palco enquanto fazia sua performance A Mulher Monstro. O fato é que o misto de intolerância e ignorância expelido pelo governo de extrema-direita encontrou eco em parcela da sociedade que desconhece as fronteiras entre arte e realidade.
Em Quem Tem Medo? o discurso nazista que resultou na demissão de Roberto Alvim e o vídeo de neo-integralistas comemorando a agressão à sede do Porta dos Fundos contrastam com as febris intervenções de Jean Wyllys em defesa da liberdade artística e a máxima que Renata Carvalho assumiu para sua vida: “Nosso silêncio não vai nos salvar”.
O filme de Dellani, Ricardo e Henrique quebra o silêncio que se depositou sobre aquelas obras. Traz à lembrança um pouco delas – com suas imperfeições e eventuais ultrajes – e ajuda a dimensionar o buraco negro em que nos metemos nesses últimos anos. - (Fonte: Blog Carmattos - Aqui).
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