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Com a Internet e o jornalismo radiofônico, os jornais de opinião aprofundaram ainda mais essa emulação das notícias rápidas, dos factoides. Perderam gradativamente seu diferencial
A mídia na era dos memes e das lacrações
Por Luis Nassif
Quando a Internet começou a se espalhar, tive uma conversa com Danielle de Riva, notável neurologista. Dizia para ele que a Internet seria o novo renascimento. De fato, nas experiências iniciais, havia uma extraordinária troca de informações entre leitores e blogs.
Pessimista, leitor de Ortega y Gasset, Danielle dizia que a Internet iria trazer à tona todas as taras humanas, de grupos de pedófilos a grupos de violência social, o imbecil coletivo.
Infelizmente, ganhou a aposta.
Infelizmente, ganhou a aposta.
Não apenas isso. A mudança de padrão da informação afetou os jornais muito antes da Internet criar suas bolhas. Lembro-me de uma enorme discussão feita na Folha, para posicionar o jornal ante os novos meios que surgiam.
De minha parte, havia escrito um paper, que se tornou texto base para as discussões, mostrando que a notícia havia passado de diária para horária. Enquanto diária, as revistas semanais cumpriam o papel de consolidar os melhores temas da semana, contextualizar e acrescentar informações.
Agora, com a informação horária, caberia aos jornais o papel das semanais para as notícias diárias, tarefa muito mais desafiadora. Diariamente, teria que selecionar as melhores informações, já divulgadas no dia anterior, organizar, contextualizar e analisar.
Mas isso exigiria um novo perfil de jornalista, inclusive recorrendo a recursos tecnológicos, aos dados oficiais, cada vez mais sendo distribuídos pelos sites públicos (ainda não se falava de jornalismo de dados).
Ocorreu o oposto.
Um pouco antes, disseminara-se por rádios e TVs a figura do âncora, o apresentador que dava sua opinião sobre cada notícia divulgada. Esse modelo acabou sendo copiado pelos jornais, com a disseminação de colunistas especializados em indignação, adotando o mesmo tom populista dos âncoras.
Mais que isso, os jornais passaram a limitar tamanho de matérias, para restringi-las ao fato central de impacto no leitor. Tornaram-se cada vez mais maniqueístas para não obrigar o leitor a esse exercício cacete de pensar.
De minha parte, sempre entendi que se o leitor está indignado em relação a determinado tema, é papel do jornalismo explicar o que acontece, trazer informações que permitam entender o caso, e não o gesto populista de se indignar como se fosse um leitor comum.
Com a Internet e o jornalismo radiofônico, os jornais de opinião aprofundaram ainda mais essa emulação das notícias rápidas, dos factoides. Perderam gradativamente seu diferencial, que era o de aprofundar as discussões, selecionar os temas de acordo com a relevância para o país.
Transformaram-se em outsiders, especializados em denuncismo, em senso comum, em salientar aspectos negativos da política, em se apresentar como o porta-voz do cidadão comum contra as instituições, em esbanjar indignação sobre qualquer assunto e, durante um bom período, recorrer a toda sorte de factoides, em uma militância política incompatível com o bom jornalismo.
O momento atual é o pior possível, porque toda a discussão política, social e econômica está restrita aos memes de Internet. Qualquer tema, por mais relevante e abrangente que seja, tem que ser transformado em uma frase de impacto, em uma “lacrada”. Surge uma nova geração de colunistas progressistas (para quem gosta de rótulos) cuja atuação principal consiste em selecionar frases de efeito, politicamente corretas, sobre temas legitimadores.
Essa batalha de memes não tem vencedor. Como o meme não comporta contextualizações, desenvolvimento de raciocínio, embate de argumentos, é opinião contra opinião.
Cada público aceita a opinião do seu mentor, independentemente de ser uma autoridade científica ou um completo imbecil.
Mas, ainda aí, o padrão inicial foi desenvolvido pelo jornalismo pós-impeachment de Collor. Cada vez mais se apelou para manchetes seletivas, pelos lides selecionados, que são os conteúdos a se fixar majoritariamente na memória do leitor, emulando cada vez mais o senso comum.
Por isso mesmo, a transição para as “lacrações” de Twitter e redes sociais foi assimilada na hora. Hoje em dia, o que se observa são intelectuais de fôlego esmerando-se em terçar armas, memes e lacrações, com bestas feras de variadas extrações.
Daí a enorme dificuldade em promover consensos e alianças. Partidos e grupos sociais conseguem chegar, no máximo, a consensos em relação à barbárie representada por Bolsonaro.
Mas não avançam além disso, porque cada passo é acompanhado pelos eleitores e qualquer tom de avance além do branco e preto merece ataques e incompreensões. E não apenas dos bolsominions, mas dos torcedores de todas as cores. - (Aqui).
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