quinta-feira, 26 de abril de 2018

TEMPO DE DISSECAR BATATAS

.
O que têm as batatas a ver com o status quo presente? 


Ao vencedor, as batatas

Por Rui Daher

Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, publicado em 1881, Machado de Assis apresenta o filósofo Quincas Borba. Dez anos mais tarde, escreve novo livro com o mesmo personagem. Dele sai a expressão “ao vencedor, as batatas!”
São muitos os admiradores e intérpretes da obra machadiana. O grande Raymundo Faoro (1925-2003) dizia estarem ali concebidas “as estruturas sociais como se movidas por sentimentos e paixões individuais”.
Roberto Schwarz (1938-), nascido em Viena, professor aposentado da USP e crítico literário, em 1977, publicou pela Editora Duas Cidades, Ao vencedor as batatas. As mais recentes edições saíram em conjunto com a Editora 34. Em análise mais profunda, o autor discute as formas literárias e os processos sociais no Brasil.
Todas as obras literárias aqui citadas merecem ser lidas ou relidas, mesmo que a sua finitude esteja perto. Entenderão de forma fácil o Brasil desajeitado de antes e o canalha de hoje. Não se baseiem nas redes sociais para isso. Grandes livros foram escritos, novos são editados a cada dia, leiam e considerem-se aptos às reflexões.
Mas quem sou eu para estar aqui a discutir gênios do pensamento nacional, um mero colunista de agronegócios? Meus personagens são caboclos, campesinos, lavradores, sertanejos, tiradores de leite, pastores de pequenos rebanhos e, claro, ruralistas com banca, bancada, e “Lobão e seus Caiados”.
Assim, levo a coluna ao que vocês mais desejam: batatas como tubérculos da espécie Solanum tuberosum. Contentes agora? É o que devem esperar de mim.
As batatas são ricas em amido, um carboidrato. Começaram a ser plantadas pelas civilizações andinas há cerca de oito mil anos. Quem já visitou a região sabe do amor que sentem por elas, logo apropriadas pelos norte-americanos que as transformaram em chips e truques mercadológicos mais.
Também, os espanhóis, depois de carnificinas indígenas nos Andes, as levaram para a Europa. São muito apreciadas e, humildemente, servem de coadjuvantes à melhor culinária. Nas Guerras Mundiais, fizeram o papel principal.
Boto reparo. O Brasil, das classes pobres às elites, as adotou. Dos botequins aonde se joga dominó aos prostíbulos do escravocrata Oscar Maroni, aqui e em minhas andanças pelo Brasil, encontro-as meladas com ketchup, mostarda, maionese e fusões de queijos. Miscigenados que somos, temos direito à diversidade de gostos.
As batatas ficaram estigmatizadas pela necessidade de agroquímicos para vicejarem. Bobagem. Propaganda das multinacionais para vender venenos. No Brasil, o tratamento pode ser menos agressivo e com a mesma produtividade. Técnicos agrícolas e agrônomos de boa orientação sabem disso, mas têm poucas oportunidades para se expressarem.
Hoje em dia é o vegetal mais popular do mundo e o mais consumido. Chamo o amigo Márcio Alemão, perene nesta CartaCapital, para comprovar. Fritem-nas, as cozinhem, amassem ou esmurrem e vejam.
No Brasil, poderemos plantar, com maior ou menor dificuldades, batatas aonde quisermos chegar com nossos arados. Tubercularização, como fizemos com macaxeiras.
No momento, as notícias que chegam lá do interior são dos milhares de toneladas de batatas sendo jogadas fora por falta de consumo e, consequentemente, de preços que equilibrem os custos dos bataticultores. Ou vocês acham que as multinacionais que vendem os agroquímicos para os produtores estão sensibilizadas ou renegociando dívidas?
Em dois anos (fevereiro de 2016 a 2018), os preços da batata, no atacado, caíram pela metade (de 3,00 a 4,00 reais ao quilo para no máximo 2 reais por quilo).
Ao produtor compensa despejar nas estradas e não gastar com colheita e mão de obra. É o que se faz atualmente nas principais regiões produtoras do país.
Segundo as estatísticas de Produção Agrícola Municipal (PAM), do IBGE, em 2016 (dados mais recentes), o Brasil plantou 130 mil hectares de batatas, produziu perto de quatro milhões de toneladas do produto, com rendimento médio de 30 toneladas/hectare.
Somos bons em plantar batatas. O fato leva à elite econômica sempre nos mandando a elas ou às favas.
Essa a política econômica praticada pelo ilegítimo governo de Michel Temer e seu executor de cadafalso, Henrique Meirelles. Controlar a inflação esgoelando as atividades econômicas produtivas nacionais, inclusive a rural.
Pior, vocês os coonestam não vendo o desastre assim que a redução do mercado interno e o protecionismo internacional os inviabilizarem como a nós.
“Ao vencedor as batatas”, os tomates, os cereais, as frutas, a madeira, as fibras, os biocombustíveis. Para o hemisfério Norte, bobões!
A composição aqui é de Batatinha. Sua única pretensão foi ser um gênio da música popular brasileira.  -  (Aqui).

....
Nota deste blog: Clique no 'aqui' para ir à fonte do texto acima e conferir a genialidade musical de Batatinha.

Nenhum comentário: