segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O FUTURO DO BRASIL


BRIC, BRICS ou só IC? Dar o Brasil por perdido é absurdo

Por Leonídio Paulo Ferreira (Diário de Notícias, de Portugal)

Com o Brasil e a Rússia em recessão este ano, e com hipóteses de o repetir em 2016 se persistir a queda do preço do petróleo e de outras matérias-primas, é bem possível que deixe de fazer sentido falar dos BRIC. O próprio inventor da sigla, Jim O'Neill, ex-economista-chefe da Goldman Sachs, admitiu à Bloomberg que até final da década, se continuarem as crises brasileira e russa, ele próprio começará a destacar apenas a Índia e a China como grandes potências emergentes, semioficializando os IC. Significa isto que, no caso brasileiro, o tão proclamado "país do futuro" (na expressão do austríaco Stefan Zweig), não se concretizará? Que depois da normalização conseguida por Fernando Henrique Cardoso e do dinamismo trazido por Lula da Silva, Dilma Rousseff, cada vez mais contestada pelos casos de corrupção que mancham o governo, será a presidente incapaz de prosseguir a missão de transformar o gigante lusófono?
A resposta não é assim tão óbvia, por criticável que seja o desempenho de Dilma e por condenável que seja o comportamento do PT, armado em dono do Estado. Mas olhemos primeiro para a história da tal sigla que O'Neill inventou em 2001. Foi buscar as iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China e criou o grupo de países que iria revolucionar a hierarquia das grandes potências no século XXI. Note-se que deixou de fora a Coreia do Sul e o México, por serem já demasiado desenvolvidos; assim como não lhe passou pela cabeça que à sua revelia a sigla dos gigantes emergentes ganharia em 2010 um S com a entrada da África do Sul.
Mesmo com o PIB do Brasil a cair este ano 1,7% e o da Rússia 3,6% (comparados com os 7,6% de crescimento indiano e os 6,9% chineses), uma análise de longo prazo confirma o acerto de O'Neill. Afinal, nestes 14 anos, os BRIC originais não pararam de surpreender, galgando lugares no ranking das economias, com destaque para a China, que passou de sexta para segunda, mas com o Brasil a subir de 11.ª para sétima, a Índia de 13.ª para nona e a Rússia de 16.ª para décima. Também aqui se percebe que a África do Sul é de outro campeonato, pois se ocupava a 33.ª posição em 2001, agora está igual.
Neste espaço de tempo, o Brasil viu o seu PIB triplicar. Para onde isso o conduzirá, se a crise política não eternizar a crise económica, ninguém sabe. Há memória de épocas de grande prosperidade, como quando no início do século XVIII o seu ouro e diamantes faziam de D. João V um dos monarcas mais abonados da Europa; ou, já depois do fim da colonização portuguesa, o ciclo da borracha, que deu para embelezar a Amazónia com teatros até que as sementes roubadas por Henry Wickham permitiram ao Império Britânico plantar seringueiras na Ásia (a propósito desse caso de biopirataria, vale a pena ler A Exposição Colonial, do francês Erik Orsenna). Mas, na realidade, o Brasil, que neste ano celebra 200 anos da elevação a reino, nunca foi uma grande potência, nem sequer é herdeiro remoto de impérios como o asteca ou o inca.
E é essa sua história curta que distingue o Brasil dos outros BRIC. A Índia e a China são civilizações plurimilenares, que até ao século XVIII representavam um terço do PIB mundial cada uma, segundo o historiador britânico Angus Maddison. Foi a colonização europeia que levou esses dois mastodontes (mais de mil milhões de habitantes cada) a entrar num processo de decadência que só nas últimas décadas inverteram. Quanto à Rússia, desde que derrotou os turco-mongóis da Horda de Ouro, tem sido um ator poderoso da cena internacional, capaz no tempo dos czares de derrotar Napoleão e na era soviética de disputar com os Estados Unidos a hegemonia mundial. E se o fim do comunismo trouxe várias crises (com a demográfica a ser a mais castradora), o imenso território garante aos russos um lugar de topo se forem bastantes e bem governados. Ou seja, o sucesso destes países seria um regresso à ordem natural das coisas.
Para o Brasil, não há estatuto antigo a reconquistar. A Portugal deve as fronteiras atuais (grosso modo), assim como um poder central forte (legado de D. João VI ao instalar a corte no Rio de Janeiro) que evitou a fragmentação à moda da América espanhola. Este legado português é muitas vezes minimizado, mas confere as bases para a ambição atual. E sem dúvida, de todos os BRIC, o Brasil é aquele que na sua personalidade mais se assemelha aos Estados Unidos, com tudo aquilo que isso representa, já que o jovem gigante da América do Norte lidera o mundo.
É abusivo ser otimista com o Brasil neste momento em que nas ruas se exige a demissão da presidente? Não. A história de um país não se define por um curto período mau ou bom. Jacques Attali, no Dicionário do Futuro, escreveu que o Brasil será "uma das primeiras potências do Sul com mais de 200 milhões de habitantes desde 2025. Será ou o mais potente dos membros de um Mercosul unificado ou o coração de um império regional impondo o seu domínio ao resto da América Latina". Não há motivo para duvidar do filósofo francês, mesmo que a premonição seja de 1998, na era pré--O'Neill. Um dia destes, em vez de BRIC, BRICS ou IC estaremos a falar de B como a inicial de um país capaz de impor-se na hierarquia das potências. Chegará ao Top 5. (Aqui).
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A previsão de Jim O'Neil sobre o BRICS foi feita no início do ano, conforme se vê aqui. Desde então, a crise brasileira parece ter-se acentuado, e a China nos últimos dias a dar sinais até certo ponto inquietantes (para o chamado Mercado, especialmente...). 
E assim segue o Brasil: os programas sociais preservados (o que é extremamente positivo), os bancos e as elites se refestelando com o rentismo e privilégios fiscais (imposto sobre grandes fortunas, por exemplo, nem pensar), além de benesses salariais, como ocorre com procuradores e juízes federais, que engordam suas receitas em razão de penduricalhos diversos, livres da limitação do teto remuneratório previsto no art. 37 da Constituição Federal - e uma classe média 'ensanduichada', sofrendo um bocado.                                                                                                       
A Lava Jato, por sua vez, cada vez mais espichada, se prolongando à sofreguidão, e políticos aflitos, ansiosos em livrar a pele, torcendo para que o circo pegue fogo. Sem contar a ação (ou as ações) dos inconformados com a derrota no pleito eleitoral passado.
Não obstante, é preciso não perder a esperança.       

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