Exportar produtos primários é tão ruim assim?
Por Rui Daher
Gostamos nós, os brasileiros, de martírios por malfeitos ou não feitos. Nelson Rodrigues pulou na frente e espalhou que sofremos do complexo de vira-latas. Virou chavão e injustiça com os simpáticos e virtuosos amigos. Se esta é mais uma sacada de sua genialidade, mérito maior foi a coragem de dizê-lo.
Aos feitos bons caçoamos como se ufanismos fossem, e reduzimo-nos a bosta em pasto seco. Aos inquestionáveis, sobretudo reconhecidos “lá fora”, damos um tempinho até amarrarmos uma corda no pescoço da estátua antes erigida e a deitamos ao chão. Vivemos de replicar Saddam e Lênin.
Martírio recorrente, autoflagelo de muitos analistas, é o Brasil ser primordialmente exportador de bens primários. Agrícolas especialmente, que “não agregam valor”, embora saibamos que agregam.
Estudiosos da formação econômica brasileira, desde a origem colonial até a primeira metade do século 20, deixam claros os motivos desse percurso: “foi assim/a lâmpada apagou/a vista escureceu”, como na composição de Haroldo Barbosa e Luiz Reis Meu nome é ninguém, gravada por Miltinho, em 1962.
Só não me peçam confirmar o verso seguinte da canção: “um beijo então se deu”. Pelo jeitão, o final está mais para briga de foice no escuro.
Desde implicações colonialistas e o minueto monocultor do baronato rural até fraturas no modelo nacional-desenvolvimentista de substituição de importações, proteção desmedida dada a um empresariado paroquial, e a distração quando a globalização já mostrava a quem serviria, caminhamos para, hoje em dia, darmo-nos por satisfeitos em, ao menos, ser craques em exportar bens primários.
País com processo de industrialização assim requentado, baixo acesso à inovação tecnológica, em ciclo capitalista de transição e reordenação de hegemonias, e comércio exterior extremamente concorrencial, que graça deveria receber do governo?
Duas décadas de massacre cambial, é claro. Não que faltassem alertas, certo professor Bresser-Pereira e minha gente séria, ligada em desenvolvimento estrutural e não em imediatismo patrimonial montado sobre juros e bônus estratosféricos?
Queríamos, então, o quê? Por acaso, o mais recente período de crescimento veio por algo diferente que a demanda e os preços no mercado externo de commodities, em especial as agropecuárias, onde somos bons de bola?
Ao setor industrial restou manter pé leve na área produtiva e outro pesado nas aplicações de tesouraria, brincadeira interrompida, por breve período, quando a presidente baixou os juros por decreto e passou a ser odiada pela elite rentista.
Aos que comentam, de forma errônea, boba e rasa, que “petralho”, vou logo avisando: com o ciclo de baixa nos preços das commodities agrícolas (17% nos últimos 12 meses, pelo índice da FAO), se bobearem a deixar o real se apreciar, achando que ajuste fiscal sem crescimento serve para alguma coisa e que Eduardo cunha curas legislativas, nem mesmo a infelicidade de ser exportador de bens primários segurará a balança comercial.
Companheiros e companheiras (cutuco meus detratores no “Facebook Caboclo”), entre 2004 e 2013, as exportações totais mundiais foram de US$ 7,0 para US$ 15,4 trilhões. Aumento de 120%, em 10 anos. Nada mal. Os produtos agropecuários foram algo melhor. De US$ 486 bilhões para US$ 1,15 trilhão, ou 137% a mais.
Na média do período, a participação verdejante - sertanejos, campesinos, caboclos e, vá lá, ruralistas - sobre o total mundial de exportações permaneceu sempre ao redor de 7%.
Não somos, pois, lá grande coisa no comércio internacional. A evolução nos números mostra a disposição dos países em desenvolvimento de darem maior segurança alimentar a suas populações carentes.
Não se apequenem, porém. Entre os motivos da pouca representatividade está o fato de que alimentos, cada povo quer garantir para si antes de mandar para os outros. Com chuteiras de futebol e capinhas de iPhone a coisa é diferente.
Na Federação de Corporações o jogo é parecido, mas diferente. Nossa participação sobre as exportações agrícolas mundiais oscila perto dos 7%, no entanto, sobre o total do comércio exterior, há dez anos, ralentamos em torno de 1,5%.
Onde, portanto, a virtù, se assim podemos considerá-la?
Verdejamos e distribuímos cada vez mais proteínas mundo afora. Nossa participação sobre o total de exportações agrícolas saiu de 5,8% para 7,6%, um aumento de 30%.
Com uma agravante para quem ainda não entendeu que isso é força. Em 2004, as exportações agropecuárias brasileiras representavam 29% do total. Dez anos depois, representaram 36%.
Sei, sei. O nosso plumado industrialista dirá: “Não disse? Cada vez mais dependentes do setor primário”.
O colunista responderá: “Pois é, meu caro, é o que temos para hoje. Tratem de trabalhar para mudar isso e, por enquanto, deem graças aos céus”.
E por que não? A valorização do dólar já mostra sinais animadores aos exportadores. Há embriões formados que foram abortados.
Segundo o mais recente “Intercâmbio Comercial do Agronegócio”, editado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, alguns tupiniquins já conseguiam fazer cócegas no comércio exterior, digamos, mais adicionado.
Em 2013, exportamos US$ 4,3 milhões de aparelhos telefônicos para o Vietnã; US$ 66 milhões de tratores para a Venezuela; US$ 30 milhões de bombas de ar ou de vácuo e motores de pistão para o Egito; US$ 112 milhões de veículos aéreos para o Japão; e para Bangladesh, sei lá o motivo, US$ 1,2 milhão em armas de fogo.
Procurei no mercado sementes para plantar esses produtos. Não as encontrei. (Fonte: revista CartaCapital - reproduzido aqui).
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