sábado, 15 de agosto de 2015

É SEMPRE BOM LEMBRAR


Vamos reaprender a lição: quem sabe faz a hora

Por Gerivaldo Neiva

A galera jovem que sai em passeata defendendo ou sendo contra qualquer coisa parece que não tem a noção de que esta liberdade de manifestação é uma conquista história da humanidade e que temos a obrigação histórica, no mínimo em respeito aos que morreram por isso, de defender essas conquistas: liberdade de pensar, liberdade de expressar o pensamento, presunção da inocência, contraditório, ampla defesa, devido processo legal etc.

Assim, defender a derrocada de uma presidente eleita democraticamente em um regime com ampla liberdade de imprensa, simplesmente porque seu candidato perdeu a eleição, é uma grave violência aos que lutaram pela conquista das garantias democráticas. Da mesma forma, aplaudir juízes justiceiros que violam essas conquistas, que manda prender para obter delação premiada, que aceita provas obtidas sem o respeito às prerrogativas da advocacia, que não permite que os acusados tenham acesso ao conteúdo das delações premiadas, também é atentar contra essas conquistas.

Nesta conjuntura, penso que é hora de reaprendermos a canção que marcou uma época de luta contra a ditadura neste país: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Não podemos permitir o retrocesso e retorno ao tempo das violações das garantias fundamentais, seja por juízes justiceiros ou candidatos derrotados no processo eleitoral.

Estou presente e pronto para a luta de resistência. Aliás, o movimento político de que mais me orgulho de ter participado foi o da redemocratização do país. Mais especificamente, lembro-me de um acontecimento que até hoje tenho forte na lembrança. Pois bem, em maio de 1978, Ulysses Guimarães veio à Bahia participar de um comício na sede do MDB, na Praça do Campo Grande. A eleição para presidente continuava de forma indireta. O governo militar apoiava o general Figueiredo e o MDB estava apoiando a “anti-candidatura” do também general Euler Bentes Monteiro.

Naquela época, a oposição era o MDB, mas pequenos grupos de esquerda já começavam a se reunir com certa liberdade. O movimento estudantil universitário era atuante e o movimento estudantil secundarista, do qual participava, começava também a se reorganizar. Nossos pontos de encontro eram as residências de estudantes das cidades do interior. Eram dezenas de residências de estudantes espalhadas pelos bairros do Tororó, Nazaré e Largo 2 de Julho.

Começamos a mobilização desde cedo da tarde, e quando começou a escurecer, saímos em passeata para o Campo Grande. Palavras de ordem contra a ditadura, o punho direito vibrando no ar e quase ninguém sabia cantar “caminhando e cantando” até o final. Não importava. Nosso papel histórico era estar nas ruas defendendo a democracia.

A polícia militar já nos esperava no Campo Grande. Fomos cercados e colocados sentados no meio da praça. Cães nos vigiavam. Nossa posição era um pouco à esquerda da sede do MDB, mas tínhamos boa visão do que se passava. Evidente que não tínhamos consciência da importância daquele momento e nem poderíamos imaginar que estávamos testemunhando um dos acontecimentos mais marcantes do processo de redemocratização do país.

Por volta das 7 ou 8 horas da noite, continuávamos cercados pelos cães da polícia militar quando percebemos a movimentação da polícia em frente a sede do MDB e alguém gritou: Ulysses está chegando! Ficamos de pé, mas os cães não permitiram nosso avanço. Não foi possível ver a cena de perto e ouvir o diálogo que se passou, mas conta a história que Ulysses e sua comitiva enfrentaram os militares e seus cães com bravura e determinação. Dizem que Ulysses teria agido com autoridade e exigindo respeito ao líder da oposição, (Me respeitem! Eu sou o líder da oposição! Teria dito Ulisses...) rompendo a barreira de policiais militares. Minutos mais tarde, Ulysses apareceu na janela da antiga sede do MDB e proferiu um discurso histórico. O serviço de som era péssimo, mas deu para ouvir alguns trechos do discurso.

Agora, lembrando de trechos daquele discurso histórico, quando pensava que a ditadura e a violação das garantias constitucionais era um pesadelo distante, eis que me sinto novamente chamado a defender a democracia e o Estado Democrático de Direito. Assim, na conjuntura atual, penso que o mais importante é garantir a democracia, pois sem democracia não podemos sequer ter as opções de defendermos esta ou aquela forma de resistência. Aliás, na ditadura não existem opções. (Fonte: aqui).

(Gerivaldo Neiva é Juiz de Direito - Ba e  membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD). 
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Um dos integrantes da comitiva liderada pelo deputado Ulysses Guimarães, no episódio acima relatado, foi o destemido Francisco Pinto, o lendário deputado Chico Pinto, da ala denominada MDB Autêntico, que não dava moleza para os áulicos da ditadura.
É, quem viveu o sacrifício de lutar pelo Estado Democrático de Direito sabe muito bem a importância da livre manifestação e o quanto é importante zelar pela preservação da Democracia...

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