segunda-feira, 24 de agosto de 2015

SOBRE REPATRIAÇÃO DE CAPITAIS, SONEGAÇÃO E OUTROS TEMAS


"Está em pauta no Senado o projeto de lei 298/15, de autoria de Randolfe Rodrigues, que pretende regularizar desavergonhadamente a “repatriação de capitais” criminosos enviados por “barões sonegadores” ao exterior (sem comunicar o Fisco, obviamente). As leis deveriam ser iguais para todos, mas essa não é a realidade do nosso País. No Brasil (aliás, em praticamente toda América Latina), “As constituições são feitas para não serem cumpridas, as leis existem para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e oligarquias: trata-se de fenômeno corrente em toda a história da América do Sul. É em vão que os políticos imaginam interessar-se mais pelos princípios [éticos e morais] do que pelos homens: seus próprios atos representam o desmentido flagrante dessa pretensão” (S. B. De Holanda, Raízes do Brasil).
Documentos internacionais comprovam que no Brasil vigora um sistema de dominação de classes não apenas extrativista e parasitário (cf. Manoel Bomfim, A América Latina), senão também criminoso. Segundo o relatório “Brasil: Fuga de Capitais, os Fluxos Ilícitos, e as Crises Macroeconômicas, 1960-2012”, publicado pela Tax Justice Network, a partir de análise do período de 1960 a 2012, os brasileiros teriam (no exterior) US$ 590 bi irregulares (não declarados ou declarados parcialmente, sem distinguir entre origem lícita e origem ilícita). Quanto à origem lícita, a estimativa é de US$ 189 bi (diz Heleno Torres). A estimativa da Global Financial Integrity afirma que o fluxo financeiro ilícito entre 1960 e 2012 somou US$ 401,6 bilhões.
Várias vezes o Congresso Nacional já tentou “legalizar” (repatriar) esse turbilhão de dólares que são evadidos anualmente da nossa economia. Ganha-se o dinheiro aqui (alguns de forma lícita, outros de forma abertamente ilícita), mas ele é devidamente “guardado” e, eventualmente, tributado fora do Brasil, particularmente nos paraísos fiscais como a Suíça, em bancos lavadores de dinheiro como o HSBC (cf. Hervé Falciani, Evasores).
O Brasil, no entanto, não é considerado uma das republiquetas mais cleptocratas do planeta em virtude da sonegação fiscal e evasão de divisas por parte das bandas podres dos senhores neofeudais (donos do poder) e cidadãos abastados que aparecem logo abaixo na hierarquia $ocial (a evasão é comum também em muitas repúblicas), senão, sobretudo, pela permissividade, complacência e leniência com que os governos cleptocratas (apoiados por fortes setores da mídia) tratam as imoralidades e ilegalidades das classes plutocratas (governo dos ricos, não necessariamente dos mais sábios como imaginam Aristóteles e Platão) e oligarcas (os poucos ricos que mandam na governabilidade por meio de um capitalismo cartelizado e de compadres, que eles dominam), dificultando o processo de internalização das normas vigentes no País.
Aqui os plutocratas, oligarcas e cleptocratas não se julgam acima da lei por acaso. O mensalão do PT e a Operação Lava Jato constituem algo institucionalmente positivo, mas ainda não foram suficientes para mudar o cenário nacional de impunidade (está aí o mensalão do PSDB como prova de leniência da Justiça com a cleptocracia).
É assim que o Brasil é governado, “por continuidades mais do que por rupturas com o seu passado” (Mota e Lopez, História do Brasil: uma interpretação). Somos um País em que podemos reproduzir sem rebuços a frase de William Faulkner: “O passado nunca morre; ele nem é passado”. “A História do Brasil sempre foi um negócio” (disse Caio Prado Jr.). O projeto de repatriação de capitais criminosos levados ao exterior, com anistia da responsabilidade criminal, não desmente, antes confirma, uma vez mais essa tese. A leniência e complacência da administração pública com os interesses das classes dominantes (qualquer que seja ela: de direita ou de esquerda, conservadora ou liberal) faz parte da estratégia e da metodologia da brutal dominação social.
E por que a classe política sempre se dobra às classes poderosas econômicas e financeiras, onde reinam muitos senhores neofeudais? Porque os políticos são financiados pelos poderosos econômicos, que “corrompem” a independência do Parlamentar (que passa a tratar com prioridade os interesses desses grupos financiadores). De cada 10 deputados federais, 7 foram financiados (“corrompidos em sua independência”) pelos 10 doadores empresarias que mais “investiram” nos políticos (cf. portal Estadão 8/11/14).
São 360 dos 513 deputados, distribuídos em 23 partidos diferentes. O dinheiro dos financiadores não têm cor nem ideologia. O fundamental para o sistema de dominação é ter o controle do poder político. Tudo e todos (incluindo, particularmente, o poder político e o poder midiático) devem estar sob suas rédeas. Com o sistema de dominação de uma sociedade não se brinca. Os dez maiores financiadores são: JBS (bancada do bife), Bradesco e Itaú (bancada dos bancos), OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht, UTC e Queiroz Galvão (bancada das betoneiras ou do concreto), Grupo Vale (bancada dos minérios) e Ambev (bancada das bebidas). Além dessas ainda existem as bancadas da bola, da bala, da bíblia etc. O STF já votou (majoritariamente) pela inconstitucionalidade desse financiamento empresarial, mas o processo está em poder do min. Gilmar Mendes desde abril de 2014."



(Do jurista Luiz Flávio Gomes, texto sob o título "A repatriação de capitais nas republiquetas cleptocratas" - aqui.
Sintomaticamente, dez dos onze senadores integrantes da CPI da Zelotes/CARF , que investiga fraudes fiscais, receberam doações de empresas investigadas... 
Além do inacreditável caso do pedido eterno de vista no julgamento da ADIN sobre o financiamento empresarial de campanhas políticas, vale registrar que o Brasil - um dos campeões mundiais em sonegação fiscal - e a Estônia continuam sendo os únicos países do mundo em que as pessoas físicas estão isentas do pagamento de impostos sobre lucros decorrentes de participação em empresas, regalia que custa ao país bagatela estimada em 200 bilhões de reais por ano. Além disso, o imposto sobre grandes fortunas, previsto na Constituição Federal de 1988, continua inexistindo, por carência de regulamentação).  

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