O Hotel Meurice e a libertação de Paris na Segunda Guerra
Por André Araújo
A Paris ocupada pelos alemães foi um dos pontos simbólicos mais impactantes da Segunda Guerra Mundial. Quando comecei a me interessar por esse conflito, com meus 14 anos, a libertação de Paris em 25 de agosto de 1944 foi um dos eventos que se fixou em minha mente, pela extraordinária complexidade do jogo político e militar que comandou o fim da ocupação da Cidade Luz.
A Resistência controlada pelo Partido Comunista Francês, o mais poderoso da Europa Ocidental, já tinha, logo depois da invasão da Normandia em 6 de junho de 44, efetivos de resistência dentro de Paris em grande número, de modo a permtir uma insurreição civil contra o ocupante alemão, agora já enfraquecido e sem grandes efetivos. O comando da área militar de Paris estava com o General von Choltitz, prussiano e pouco simpático aos nazistas, cujo QG ficava no Hotel Meurice na Rue de Rivoli. O General ocupava o último apartamento no fim do corredor do 2º andar, se não me engano, o 221, consistente de quarto espaçoso e sala de jantar.
O General De Gaulle proibiu terminantemente a insurreição da Resistência, que achava uma loucura. Queria um enfrentamento puramente militar porque a luta da Resistência (mesmo produzindo milhares de mortes entre os civis, os alemães ainda eram uma força militar organizada e com poder de fogo) criaria um imenso capital político para o PCF no pós guerra; era o pior cenário para De Gaulle, um estadista que dava enorme importância aos símbolos na História.
Tambem não servia a De Gaulle a liberação de Paris pelo Exército americano, com o General Patton à frente. Seria uma humilhação para a França ter Paris libertada por americanos - e mancharia a reputação de De Gaulle. O melhor seria a entrada em Paris de tropa dos Franceses Livres; a que estava próxima era a 2ª Divisão Blindada, sob o comando do General Leclerc. De Gaulle teve a sorte de o Comandante Geral da frente da Europa Ocidental, General Eisenhower, pensar como ele, entender o jogo político e ver qual era o interesse americano no pós-guerra.
Para os EUA não interessava o PCF virar herói na França, porque daria um peso excessivo aos comunistas e também a liberação de Paris pelo General Patton traria um sentimento anti-americano que era latente na França. Eisenhower aceitou o plano de De Gaulle, mandou Patton parar a 30 quilômetros de Paris, deixando o general espumando de raiva, pois sonhava com a glória de Libertador da Cidade Luz; mas Patton não tinha visão estratégica para entender o jogo de De Gaulle apoiado por Eisenhower, dois grandes estadistas que viraram Presidentes de seus países.
A história sempre me fascinou e, em 1967, fiquei 12 dias no mesmo apartamento de von Choltitz no Meurice, então um hotel decadente e sem o brilho de outrora; hoje está totalmente recuperado e maravilhoso. Na parede do lobby ainda havia buracos de tiro, deixados de propósito para marcar a história do hotel. Franco-atiradores da resistência surgiram por toda Paris nesses dias e houve tiroteio no Meurice.
Choltitz foi o general que descumpriu as ordens de Hitler para dinamitar todas as pontes do Sena, poupou a cidade de destruição arriscando a vida. Os franceses sempre foram gratos a ele. Choltitz voltou a Paris em 1948, não se hospedou no Meurice mas passou no bar do hotel para tomar um drink. O barman o reconheceu e foi cumprimentado pelo gerente que lhe entregou um casaco esquecido no apartamento.
O Comandante alemão de Paris se rendeu em 25 de agosto na estação de Montparnasse ao General Leclerc, poupando milhares de vidas de civis e de seus soldados; um verdadeiro comandante militar; uma luta teria sido inútil pela desproporção de forças: Patton estava às portas de Paris com o III Exército americano.
Esse foi um importante episódio da Segunda Guerra pela sua significância política na França do pós-guerra, criando a enorme liderança histórica de De Gaulle, que foi Presidente da França por duas vezes, em 1946 e 1958, deixando sua biografia no panteão dos heróis franceses.
Um pequeno registro: De Gaulle ocupou a Presidência no Palácio do Eliseu e mandou instalar um medidor de eletricidade nos seus aposentos no Palácio, dizia que aquele consumo de luz era particular e não poderia ser cobrado do Tesouro. (Fonte: aqui).
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