sábado, 27 de julho de 2019

XADREZ DE COMO MORO PODE TER ARMADO A HISTÓRIA DOS HACKERS

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Queriam o quê? Bem que a OAB nacional, na hora apropriada - aqui -, acendeu o sinal vermelho, pedindo o afastamento de Deltan Dallagnol e de Sérgio Moro. Eles fizeram ouvidos moucos; ninguém, nem mesmo o Guardião da Constituição, deu bola para o grito da Ordem. 
Independentemente do que reserva o futuro, solicita-se, presentes as excrescências até agora reveladas, resposta à pergunta que interessa: O senhor Moro foi ou não foi PARCIAL na condução dos processos envolvendo o ex-presidente? A resposta parece óbvia, ou, como disse - aqui - o desembargador Jorge Antonio Maurique, do TRF4: "Impressiona que não haja indignação no mundo jurídico com o conteúdo, e sim com a forma. Veja que o conteúdo não foi contestado expressamente pelos envolvidos".
(Nota: De qualquer modo, clique aqui para conferir 'PF anuncia perícia que poderá derrubar Moro').

(GGN)

Xadrez de como Moro pode ter armado a história dos hackers

Por Luis Nassif (No GGN)

Peça 1 – A teoria do fato

Em 9 de junho de 2016, publiquei um Xadrez sobre a “teoria do fato” (não confundir com a “teoria do domínio do fato”), a técnica que passou a ser utilizada pelo Ministério Público Federal em suas investigações.
Para não se perder com a quantidade de informações levantadas, o investigador deveria desenvolver uma “teoria do fato” inicial, uma tese na qual coubessem as provas levantadas, ainda que incipientes. Depois, a teoria inicial seria gradativamente modificada, à luz dos novos fatos que fossem aparecendo.
Peça 2 – a teoria do fato na Operação Spoofing
Entendido isso, vamos aplicar a Teoria do Fato na Operação Spoofing, que prendeu os hackers russos de Araraquara.
São apenas hipóteses, mas que formam um todo lógico.
Há mais de um mês já corriam rumores de grampo nos celulares da Lava Jato. Imaginou-se, então, uma estratégia que permitisse desviar o foco do conteúdo das mensagens para a criminalização da origem. No limite, permitir a deportação de Glenn Greenwald.
Passo 1 – identificar algum pequeno criminoso digital e prepará-lo para ser o hackeador mor da República.
Passo 2 – fornecer a ele os celulares de personalidades relevantes da República, de presidentes de Tribunais a presidentes da República,
Passo 3 – deflagrar a Operação Spoofing e anunciar a prisão dos hackers com estardalhaço.
Passo 4 – montar o alarde em cima dos números de celulares de autoridades encontradas no celular do hacker, independentemente de comprovação se foram ou não hackeadas. E aproveitar o clima de catarse para articular a deportação de Glenn Greenwald.

Peça 3 – os pontos que reforçam a Teoria do Fato

As seguintes informações reforçam essa narrativa, que acabou se perdendo pela inverossimilhança.
Ponto 1 – a má escolha dos culpados, um DJ, um motorista do Uber, um aluno de curso técnico de uma cidade do interior. Pelo histórico, dificilmente teriam informações até sobre o The Intercept, que atinge um público mais sofisticado. Muito menos teriam capacidade técnica para uma operação de tal envergadura.
Ponto 2 – a descoberta que o principal suspeito ficou sete anos sem movimentar sua conta do Twitter, retornou um mês antes, transmudado. De filiado ao DEM, apoiador de Bolsonaro, a crítico do PT, tornou-se petista, passando a retuitar matérias críticas a Bolsonaro. Além disso, um belo trabalho da Revista Fórum descobriu que os tuítes eram disparados de Brasilia e o primeiro perfil a seguir o hacker foi do Antagonista, espécie de veículo oficial da Lava Jato e de Moro.
Ponto 3 – a ansiedade de colunista de tecnologia de O Globo que, antes mesmo de qualquer informação da Polícia Federal ou declaração de Moro, referendou a tese de que os hackers detidos teriam sido os informantes do The Intercept, e foi a manchete principal do jornal durante toda a manhã do espetáculo.
Ponto 4 – a pressa de Sergio Moro em atribuir aos hackers o dossiê do The Intercept, antes de qualquer vistoria da PF.
Ponto 5 – a decisão de Moro de telefonar a várias autoridades para comunicar que tinham sido hackeadas. A Polícia Federal sequer tinha aprofundado a perícia. A única prova eram os números de celulares no celular do hacker.
Ponto 6 – Finalmente, a Portaria 666, publicada hoje, sobre deportação de estrangeiros.

Peça 4 – onde a Operação falhou

O factoide dos hackers durou um dia. No final do dia, choveram críticas pesadas de vários setores, que aumentaram de volume quando o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Otávio Noronha, divulgou o telefonema de Moro comunicando o suposto grampo contra ele e a decisão de destruir os arquivos apreendidos com os supostos hackers.
A atitude despertou várias suspeitas, que enfraqueceram o impacto das manobras de Moro.
Sobre os telefonemas – ficou-se em dúvida sobre as intenções de Moro, se tentar, pelo favor ou pela chantagem implícita, apoio para uma radicalização contra o The Intercept.
Sobre a destruição dos arquivos – para impedir que suas conversas tenham outro ponto de vazamento ou para impedir que se descubra a manipulação dos arquivos encontrados com o hacker?
Outros fatores contribuíram para o fracasso da estratégia, o mais relevante dos quais foi o profissionalismo da equipe da Polícia Federal que tocou a operação. A coletiva sobre o caso foi objetiva, sem avançar em ilações e convicções, como a Lava Jato costumava fazer.
De uma fonte da PF ouvi a afirmação, de que não aceitariam repetir o IPM (Inquérito Policial Militar) do Riocentro, um episódio que manchou para sempre a imagem do Coronel Job, o incumbido de esconder o fato.
Em dois momentos, a postura profissional dos policiais abortou factoides de Moro.
Momento 1 – os vazadores de Moro trataram de difundir frases descontextualizados dos hackers detidos, como a história de que tentaram vender o material para o PT e que mantiveram contato com Glenn Greenwald. Aí a PF divulga a informação de que os hackers admitiram não ter entrado pagamento pelas informações, praticamente isentando o The Intercept da suspeita de cometimento de crime.
Seria curiosíssima a reconstituição desse interrogatório preliminar do hacker, que arrancou dele uma declaração que, na prática, absolveria o The Intercept mesmo que fosse ele a fonte do jornal.
Momento 2 – logo após vazar a declaração de Moro, de que iria destruir os arquivos recolhidos, a PF soltou uma nota oficial negando a intenção e dizendo que a autorização teria que ser do juiz do caso.
A grande bomba se transformou em um crack, quando até o Jornal Nacional se armou de cautelas para cobrir o tema. E, com o palco esvaziado, Moro lança seu último projétil, o tal decreto de extradição que acaba explodindo em um palco vazio com a força de um track.

Peça 5 – à guisa de conclusão

Tudo o que escrevi se baseia em uma hipótese, uma Teoria do Fato. À medida em que novos fatos forem surgindo, a Teoria poderá ser refeita. Ou, o que parece mais provável, reforçada.
A quantidade de irregularidades cometidas em apenas um dia mostra um Sérgio Moro totalmente descontrolado. Vazou informações para autoridades do governo de uma operação sigilosa; antecipou conclusões antes mesmo das perícias; anunciou a destruição de provas, sem ter poder para tal; finalmente, solta um decreto propondo expulsão de estrangeiros de forma sumária, atropelando todas as salvaguardas da Constituição. Para atingir Greenwald, Moro espalhou o terror entre todos os Departamento que trabalham com estrangeiros.
Essa série de abusos liquida completamente o apoio que recebe das forças institucionais, Ministros do Supremo e Organizações Globo, entre elas.
A partir de agora, o único caminho que restará a Moro será apoiar cada vez mais nos grupos de ultradireita que povoam as redes sociais. E no apoio condescendente de Jair Bolsonaro.
15:43 Agora à tarde, Moro explicou que o decreto 666 vale apenas para os paraguaios exilados, que ele decidiu deportar. É factível.

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